Caio Sartori, O Estado de S.Paulo
23 de abril de 2021 | 15h00
RIO - Um mês depois do encerramento da Olimpíada de 2016, o Teleférico do Alemão fechou para uma manutenção de seis meses - e nunca mais voltou. Inaugurado em julho de 2011 com a presença da então presidente Dilma Rousseff (PT), o projeto de 3,5 quilômetros de cabo no complexo de 17 comunidades na zona norte do Rio está há quase cinco anos parado e sem previsão de retorno. Assim, a obra que custou na época R$ 210 milhões caminha para completar dez anos sem funcionar por metade desse tempo, em uma das áreas mais pobres do Rio.
Teleférico do Alemão fará dez anos
Desde que o teleférico parou, os equipamentos enferrujam e as seis estações se transformam em escombros. Ou, em alguns casos, em alojamentos da Polícia Militar, como o Estadão constatou ao visitar os locais. O impacto da interrupção do serviço, que se deu inicialmente por um problema num cabo que precisaria de peça importada, é visto em diferentes aspectos da comunidade. Afeta não só o transporte, mas também a economia local e a oferta de serviços sociais.
Concebido no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o teleférico simbolizava a ocupação das favelas, base do projeto do governo de Sérgio Cabral (MDB) para pacificar as comunidades antes dos grandes eventos. Poucos meses antes da inauguração do modal, em novembro de 2010, a região vivenciou um episódio cinematográfico, quando a polícia fez uma operação na vizinha Vila Cruzeiro e criminosos tiveram que fugir pela mata. A cena foi documentada ao vivo pela televisão, com suspeitos escapando de uma eventual prisão.
Dez anos depois das imagens, quem está preso é o ex-governador Cabral. Foi condenado a mais de 300 anos por crimes como corrupção e lavagem de dinheiro. Ainda responde a outros processos, que podem aumentar seu tempo na cadeia. Suspeita-se que, no Alemão, o superfaturamento tenha sido de mais de R$ 14 milhões, em valores da época.
Rio usou teleférico para marketing de mudança
Quando o primeiro sistema de transporte de massa por cabo no Brasil foi inaugurado, faltavam três anos para a Copa do Mundo no País e cinco para a Olimpíada carioca. O teleférico ajudou a impulsionar o marketing de um Rio calcado em uma imagem de mudança e num prometido futuro de paz.
O projeto foi inspirado em Medellín, na Colômbia, cidade que sediou, por décadas, um poderoso cartel de narcotráfico. No município colombiano, visitado por Cabral em 2007, a arquitetura - inclusive o teleférico de 10 quilômetros no qual o do Alemão se baseou - exerceu papel central para a retomada urbana. Também lá, houve ocupação militarizada de comunidades pobres, com projetos sociais.
Mas o sucesso colombiano não se repetiu no Rio de Janeiro. Antes visitado por turistas que passaram a incluir a favela em seus roteiros, o Teleférico do Alemão, paralisado, tornou-se uma obra inútil e exposta à deterioração. Os cabos estão enferrujados ou quebrados; nas estações, onde funcionaram serviços sociais, médicos e esportivos, a sujeira e o abandono se generalizaram. O quadro torna um eventual retorno do serviço ainda mais custoso.
O Estadão percorreu a comunidade e parte do teleférico. Na estação do Morro da Baiana, há cabos espalhados pelos andares, telas de computador quebradas no chão e todo tipo de objetos destruídos. No topo dela, ainda há gôndolas abertas, penduradas no mesmo cabo de onde partiam nos tempos de funcionamento. Quando o serviço estava em vigor, 152 cabines, com capacidade para dez pessoas cada, transportavam moradores e turistas.
Não há nem mesmo controle do acesso à estação, na qual se entra sem dificuldade - a porta é facilmente aberta. Junto com o fim do serviço de transporte, veio a suspensão de diversas atividades sediadas nos prédios do teleférico. Eram bibliotecas, áreas de esporte e até Clínica da Família, por exemplo, que nunca mais funcionaram.
“Por que o governo não aproveita esses espaços para projetos da comunidade? Com a pandemia, poderiam ser pontos de cesta básica, de testagem de covid”, aponta a jornalista Neila Marinho, do Voz das Comunidades, que acompanhou o Estadão na visita. “Bastaria fazer a manutenção dos prédios.”
A Polícia Militar usa pelo menos duas estações, próximas a bases de Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), em prédios vizinhos. Na das Palmeiras, estação final do serviço, a corporação abriu mão do próprio edifício. Ocupou o do teleférico, no qual antes havia biblioteca, tatame de judô e uma Clínica da Família. O prédio original, da UPP Fazendinha, está abandonado e com janelas quebradas - resultado de tiroteios na região. Do lado de fora, viaturas policiais estraçalhadas ocupam o espaço onde antes as pessoas circulavam.
Situação semelhante, embora mais discreta, ocorre na estação do Morro do Alemão. Ali, os policiais fizeram uma espécie de “puxadinho” no primeiro andar do prédio. Transformaram-no em alojamento, com camas e viaturas estacionadas. Visitados pela reportagem, os demais andares não estão destruídos como o Morro da Baiana, mas também não são utilizados. No entorno do teleférico, crianças brincam e tentam driblar os policiais para brincar de se esconder nas dependências do teleférico. “O bondinho vai voltar?”, pergunta uma delas.
O estado precário de todo o sistema preocupa as lideranças locais por vários motivos. Além de moradores demorarem até uma hora para ter acesso à rede de transporte público, as condições dos equipamentos podem causar acidentes, já que passam por cima de casas da comunidade.
“Você olhar e ver esse projeto deteriorando... Esses fios e cabos de aço viram um perigo para a comunidade, sendo que antes eram um benefício muito grande. A qualquer momento pode arrebentar, porque não há manutenção”, aponta Paulinho da Fazendinha, presidente da Associação de Moradores da Fazendinha.
Teleférico parou com falência do projeto de Cabral
O abandono do teleférico - que pouco antes de fechar já enfrentava problemas por causa dos tiroteios - chegou acompanhado da falência do projeto de Sérgio Cabral para o Rio. As UPPs aos poucos foram esfacelando e perdendo sua concepção original. Inauguradas no final de 2008, as unidades tiveram seu auge no ano de 2012, quando dez sedes do projeto da antiga Secretaria de Segurança foram abertas. Após 2014, ano em que Cabral deixou o cargo, nenhuma outra foi instalada.
Assim como todos os demais grandes empreendimentos do governo Cabral, o PAC do Alemão passou pelo escrutínio dos órgãos de investigação. A Controladoria-Geral da União (CGU), por exemplo, identificou em 2016 um superfaturamento de R$ 139 milhões dentro do total contratado para as obras, de R$ 710 milhões. O valor inclui não só o teleférico, mas também projetos de revitalização e habitação no entorno do modal. As obras do PAC foram comandadas por um consórcio liderado pela Odebrecht.
Um mês depois de o teleférico fechar para a manutenção que até hoje não ocorreu, Cabral foi preso. Alvo de um desdobramento da Operação Lava Jato, o ex-governador passaria então por uma série de decisões desfavoráveis na Justiça. Entre os projetos que teriam sido superfaturados e usados para pagamento de propina, há outros símbolos do período dos grandes eventos, como a reforma do Maracanã.
Secretaria alega fala de recursos; PM diz manter segurança
O teleférico atualmente está sob responsabilidade da Secretaria Estadual de Transportes. Antes, foi operado pela concessionária SuperVia, a mesma dos trens urbanos do Rio. Nos meses finais de funcionamento, foi administrado pelo consórcio Rio Teleféricos, que acusou o Estado de não realizar os pagamentos devidos.
A secretaria diz que, para retomar o serviço, seria preciso fazer licitação e contratação de obras para recuperar as estações. O projeto do Teleférico do Alemão, elaborado com a Empresa de Obras Públicas (Emop), foi concluído. Não há, contudo, dinheiro para a retomada.
“Tendo em vista as dificuldades econômicas do Estado, no momento, não há disponibilidade orçamentária para essa finalidade”, alega a secretaria.
Já a Polícia Militar, que usa as dependências das estações, afirma que a entrada nos edifícios se deu por ordem do então governador Luiz Fernando Pezão (MDB) e da extinta Secretaria de Segurança em 2017. Isso ocorreu depois que a empresa de segurança privada que cuidava do patrimônio interrompeu os serviços, explica a corporação.
“Devido à vulnerabilidade da localização original das dependências da UPP Fazendinha - em ponto próximo às instalações do Teleférico - e ao estado de degradação da estrutura composta por material metálico, que já se encontrava em processo de oxidação, a UPP Fazendinha segue fazendo uso total da edificação do Teleférico, utilizando-a como Base Administrativa”, confirmou por nota a corporação, referindo-se à estação das Palmeiras.
No caso das UPPs Alemão e Nova Brasília, a polícia afirma que usa parte do espaço para dar apoio e suporte ao efetivo.
“As três unidades, além de manterem a segurança dos locais que anteriormente poderiam ser utilizados por marginais da Lei, realizam melhorias constantemente nas instalações, proporcionando conforto para os policiais militares e assegurando a manutenção do patrimônio”, diz o texto.
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