O ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro reagiu nesta Folha, na sexta-feira passada (9), à minha coluna de 4/4. Nesta tréplica, repasso inicialmente algumas questões factuais mais simples. Termino com um debate mais conceitual sobre contas públicas e generosidade.
É evidente que eu sei que o antecessor do atual governador, Eduardo Leite, foi Sartori, e não Tarso. O que Tarso não disse foi que, em seu governo, concedeu aumentos escalonados que pesaram sobre seu sucessor. Tarso praticou ato típico do populismo latino-americano: hipotecar o futuro para obter ganhos a curto prazo.
No livro “Dívida Pública e Previdência Social, Introdução Teórica e as Estatísticas Fiscais do Brasil e do RS”, ainda no prelo e de autoria de Darcy Francisco C. dos Santos e Roberto Balau Calazans, encontram-se no capítulo 11 os números detalhados dos últimos governos gaúchos.
A folha de salários cresceu nos governos Tarso e Sartori, em razão dos aumentos concedidos por Tarso, no montante de 117%, para uma inflação de 62%. O governo Tarso foi o campeão disparado de saques de depósitos judiciais entre partes privadas. Mais da metade dessa prática inaceitável foi de responsabilidade de Tarso. Para ter uma ideia, o governo Yeda Crusius respondeu por só 6% dos saques.
Evidentemente, a gestão fiscal irresponsável cobra seu preço. A falta de dinheiro produz atraso no pagamento dos salários para os servidores. A atual gestão normalizou em novembro do ano passado os pagamentos, após 57 meses de atrasos.
Está errada a afirmação de Tarso de que “o governo Leite está usando R$ 3 bilhões do Fundo de Previdência dos Servidores, instituído no meu governo”. Como explicou-me o secretário Marco Aurélio, “a lei que revisará a divisão entre os servidores de cada um dos fundos de previdência do estado não implicará nenhuma transferência direta para outros gastos do Tesouro”.
Em particular, o ex-governador não contestou a minha afirmação de que “Tarso pegou o estado no azul e legou déficit orçamentário de R$ 4,4 bilhões”.
Mais informações sobre esses e outros temas das gestões mais recentes do RS estão em post no meu blog.
Mas a passagem mais relevante da resposta de Tarso foi a afirmação: “Para ele [Pessôa], quem trabalha a gestão a partir das pessoas e dos números, não somente através dos números, é certamente 'populista'.” Salta aos olhos que, para Tarso, há um conflito entre se preocupar com os números —no caso o equilíbrio fiscal— e trabalhar a gestão a partir das pessoas.
A experiência brasileira é oposta. Sempre que descuidamos do equilíbrio fiscal, caímos rapidamente em longo período de crise e regressão econômica. Quem paga a conta da irresponsabilidade fiscal são os pobres. Governos estaduais que priorizam a responsabilidade fiscal têm sido mais efetivos em promover a melhoria do bem-estar social dos mais carentes.
Incrível que um intelectual sofisticado do petismo não tenha percebido que não há conflito, mas sim fortíssima complementariedade: para cuidar das pessoas, é necessário cuidar antes das contas públicas.
Outro aspecto é a política. É absolutamente legítimo um governante ter a avaliação de que precisa elevar o gasto público para pagar melhores salários aos servidores.
Se o governante assim pensa, ele precisa liderar a sociedade e convencê-la a entregar mais recursos ao setor público na forma de impostos. E, se considerar que precisa elevar a tributação sobre os mais ricos, ou sobre este ou aquele grupo, precisa estar disposto a fazer a disputa política.
Vale lembrar que as políticas adotadas na época neoliberal —que, aparentemente, está terminando (tratei desse tema na semana passada)— contaram com lideranças que defenderam as medidas de redução do Estado e da carga tributária com franqueza e abertura e foram vitoriosas em pleitos eleitorais. Reagan e Margaret Thatcher não enganaram seus cidadãos.
Se a esquerda brasileira pretende elevar os impostos, é necessário que defenda publicamente essa agenda. Não é ilegítimo defender a elevação da carga tributária. E não há nada na teoria econômica que indique que a carga tributária tem que ser menor ou maior. Esse é um problema de natureza política. Em última instância, a carga tributária tem que ser aquela necessária para financiar o Estado que a sociedade deseja.
O que não dá para fazer é promover uma crise fiscal aguda. O custo cairá sempre no colo dos pobres.
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