terça-feira, 27 de abril de 2021

A evolução da tecnologia é uma espiral que recupera velhos conceitos, DEMI GETSCHKO, OESP

 Quando descrevemos a evolução da tecnologia, notamos em muitos casos uma reabilitação de conceitos antigos. Não se trata do “eterno retorno” nietzschiano, mas de algo mais prosaico: reaproveitar ou “recauchutar” ideias já exploradas antes e que, por alguma razão, foram abandonadas, seja pelo surgimento de obstáculos intransponíveis, seja por limitações da tecnologia da época.

Uma situação que pode ilustrar essa retomada é o movimento pendular que ocorre na computação entre centralidade e distribuição, entre o local e o global. Se, no início, usar um computador obrigava a deslocar-se, como numa peregrinação a Meca, até o local onde ele se encontrava, esta limitação, rapidamente identificada, foi combatida, inicialmente com o uso de terminais que, por meio de canais de comunicação (à época linhas telefônicas e pares de cobre), permitiam receber e enviar dados. Em breve, os terminais foram adicionando capacidade local e parte das tarefas passou a ser realizada no próprio terminal.

O coroamento desta tendência ocorreu com a maciça entrada em cena do microcomputador pessoal. Mais um pouco e eis-nos prescindindo das velhas máquinas centrais: o que necessitávamos estava agora, quase sempre, ao alcance em nossa mesa.

Uma volta completa foi completada – saímos do centralizado para o distribuído: “o centro está em toda a parte”. As redes de comunicação, entretanto, iniciaram um novo ciclo: a limitação espacial voltava a incomodar. Visitar locais para consultar bases de dados, trocar informações com colegas e informar-se representaram um novo e poderoso espalhamento do poder. Mas uma conectividade ampla e fácil leva à ideia de uma nova concentração. Por que um “poderio local” se tudo do que se necessita está na rede, e sob demanda? E mais, evoluímos para o nefelibatismo: tudo está “na nuvem”.

Este também não será ponto de repouso: ter espalhados num domínio imaterial, não apenas nossos dados mas o poder de computação, além de trazer eventual desconforto. Isso pode trazer riscos à privacidade e liberdade. A roda gira e voltamos a pensar, de novo, em soluções localizadas. Assim, continuamente, uma evolução em espiral recupera velhos conceitos, mesmo que em latitudes mais elevadas.

Esse eterno retomar parece não se restringir a conceitos ligados à tecnologia. Para atiçar, pensemos, por exemplo, em algo bem diferente: no que houve com a “democracia direta ateniense”, que durou cerca de 200 anos até o começo do século IV antes de Cristo. Era a reunião organizada da sociedade em fóruns, para tratar da elaboração de leis, punir os que as desrespeitassem e, mesmo, banir cidadãos por 10 anos do convívio na “pólis”. É um modelo que, com várias restrições e defeitos, mostrava-se eficiente em comunidades com alguns milhares de cidadãos, mas que não teria como se expandir, tanto geográfica quanto numericamente, para milhões de indivíduos.

Assim, a democracia direta da ágora, foi substituída por alternativas mais hierárquicas e centralizadoras e, mais tarde, por formas de representatividade via câmaras e parlamentos, das tendências da opinião popular. De novo aqui o tempo pode nos pregar uma peça. 

Com a internet e as redes sociais, é muito fácil para milhões agregarem-se rapidamente em torno de posições, emitindo opiniões próprias ou instiladas. Afinal, se o sábio fala porque tem algo a dizer, o tolo fala porque precisa dizer algo. Assim, não apenas um arremedo de “democracia direta” pode tentar voltar, como o próprio ostracismo ateniense, agora apodado como “cultura do cancelamento”, renasce com força. Se Atenas, à época com poucos milhares de cidadãos, condenou Sócrates a beber cicuta, o que aconteceria hoje numa votação “direta” via internet? A escala gigantesca da rede traz mais segurança às nossas decisões?

*É ENGENHEIRO ELETRICISTA 

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