Com a perda de receitas e cortes de gastos públicos causados pelo avanço da pandemia, deputados passaram a questionar de forma mais frequente contratos de publicidade assinados tanto pela Assembleia Legislativa de São Paulo como pelo governo paulista de João Doria (PSDB).
Uma série dessas insatisfações viraram ações na Justiça assinadas pelos parlamentares, com pedidos de suspensão das despesas. Como justificativa, as ações citam a pandemia, mas também critérios como moralidade administrativa, razoabilidade, interesse público e suposta lesão ao patrimônio público.
Aliados de Doria, postulante à Presidência em 2022, veem algumas dessas ações como estratégias políticas para desgastar o governador em ponto sensível: a de que se excede no marketing.
Um dos contratos mais questionados foi firmado pela própria Assembleia no início do ano. Ao custo de R$ 30 milhões, serão produzidos materiais de divulgação para o Legislativo durante 15 meses —até o primeiro semestre de 2022, ano eleitoral.
A medida foi tomada pelo então presidente da Assembleia Cauê Macris (PSDB), atual secretário da Casa Civil de Doria, com aval de Ênio Tatto (PT), também da mesa diretora. O nome do então segundo secretário da mesa, Milton Leite Filho (DEM), consta nos documentos, mas sem sua assinatura —ele declinou por não concordar com o ato.
Esse contrato bancou uma peça publicitária, exibida em horário nobre na televisão, que exalta medidas de economia tomadas em 2020. "A gente está aqui para cortar nossos salários em 30%, reduzir as despesas e doar mais de R$ 200 milhões para combater a pandemia", diz o anúncio.
No mês passado, o deputado estadual Arthur do Val e o vereador paulistano Rubinho Nunes, ambos integrantes do MBL filiados ao Patriota, pediram em ação popular a suspensão da execução do contrato e da divulgação das inserções.
“[A Assembleia Legislativa] passou a fazer propaganda institucional no horário mais nobre da Rede Globo de Televisão, no intervalo do Jornal Nacional, enaltecendo o trabalho dos parlamentares no combate à Covid-19, tratando-se mais de uso de propaganda para autopromoção coletiva", disseram na ação.
Para eles, a propaganda vai de encontro à Constituição. Além disso, afirmam que há falta de transparência na divulgação do contrato. Também dizem que há duplicidade de competência, porque a Assembleia já paga por divulgação institucional ao seu próprio Departamento de Comunicação e na transmissão da TV Alesp .
O Ministério Público de São Paulo, instado a se manifestar sobre o episódio, concordou com a ação. Em manifestação no processo, a promotora Eloisa Virgili Canci Franco defendeu a suspensão do contrato por meio de medida liminar (provisória) porque "as inserções em horário nobre da TV já representam um valor altíssimo, decorrente dos contratos em execução”.
Ainda não há decisão a respeito desse pedido de suspensão. Na época da divulgação, a deputada Janaina Paschoal (PSL) criticou a peça em entrevista à TV Alesp.
"Dói no coração saber que o dinheiro que eu economizei, que os colegas economizam todos os dias, está sendo jogado na lata do lixo com peça publicitária", afirmou.
Em primeira instância, porém, a juíza Ana Luiza Villa Nova negou na última quinta (8) conceder liminar para a suspensão. Ela disse que, em análise preliminar, não via "prática de ato discricionário revestido de ilegalidade ou desbordamento dos seus limites". A ação continua tramitando.
Integrantes do partido de Janaina, o PSL, passaram a ser os mais assíduos no questionamento da publicidade do Governo de São Paulo. A ofensiva também tem sido feita por meio de ações populares no Tribunal de Justiça, com processos nominalmente contra o governador.
Uma das ações, do deputado Major Mecca, pede a suspensão de serviços de comunicação digital no estado enquanto durar a pandemia do coronavírus. A contratação é estimada em mais de R$ 10 milhões.
Outro deputado do PSL, Danilo Balas, pediu a suspensão da prorrogação de um aditivo contratual no valor de até R$ 90 milhões, por seis meses, para publicidade do Governo de São Paulo. O contrato inclui não só ações de conscientização contra a pandemia, mas também outras divulgações publicitárias do governo.
A ação aponta ainda que há um edital de R$ 100 milhões, em andamento, para novo contrato de publicidade o governo. Ele também foi questionado na Justiça.
Balas afirma que ano passado houve a tentativa de deputados da oposição de, por meio de emendas, impedir a destinação desses gastos de publicidade para esse ano, mas elas foram negadas pelo relator do Orçamento.
“Minha equipe e eu temos um mandato com foco em investigação e fiscalização. Vimos essa prorrogação contratual no Diário Oficial e achamos um absurdo. Pedimos o bloqueio imediato e sugerimos a aplicação na área de saúde”, diz Balas.
Tanto no caso de Mecca como no de Balas, a Justiça também negou liminar para a suspensão dos contratos, mas os processos seguem tra mitando.
GOVERNO DE SP FALA EM COMBATE A DESINFORMAÇÃO
Procurada, a Assembleia Legislativa de São Paulo afirma que a contratação de serviços de publicidade “institucional cumpriu todos as exigências legais”, inclusive sendo precedida de licitação pública.
“Esse tipo de contrato é comum dentro da esfera pública, tanto no Executivo, quanto no Legislativo, a exemplo do que ocorre em outras Assembleias Estaduais, para divulgar e dar transparência às ações do Legislativo a todos os 645 municípios do Estado”, diz em nota.
Também em nota, a Secretaria de Comunicação do Governo de São Paulo diz que é sua obrigação "combater a campanha de desinformação sobre a pandemia, promovida pelo governo federal e com participação ativa de deputados negacionistas".
"O estado promove um grande esforço de comunicação para denunciar fake news, incentivar hábitos que comprovadamente combatem a pandemia —como uso de máscara e distanciamento social— e divulgar a campanha de vacinação, que é a única forma de controlar efetivamente a crise sanitária", diz o governo.
O governo paulista junta publicações das redes sociais dos dois deputados, do primeiro semestre do ano passado, defendendo a cloroquina, medicamento que não tem eficácia comprovada contra a Covid.
A secretaria diz que a atual licitação de comunicação, de R$ 100 milhões, é necessária porque o atual contrato não pode ser mais prorrogado e, assim que o certame em andamento for concluído, o anterior, com aditivo de até R$ 90 milhões, será rescindido, sem ônus ao erário.
Também diz que o orçamento previsto para 2021 está abaixo da média dos últimos dez anos, em valores corrigidos pelo IPCA. Afirma ainda que o orçamento da pasta foi debatido e aprovado pela Assembleia e todas as contratações seguem a legislação.
"Os recursos de comunicação previstos para 2021 são primordiais para informar a população sobre os desafios que a crise do coronavírus ainda impõe. O orçamento da pasta viabiliza, por exemplo, a divulgação de informes imprescindíveis sobre o plano de vacinação contra a Covid-19, a veiculação de campanhas de utilidade pública e a apresentação do trabalho do Estado para acelerar a recuperação econômica e fomentar oportunidades para geração de emprego e renda", diz a nota.
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