Paul Krugman*, The New York Times, O Estado de S.Paulo
24 de abril de 2021 | 05h00
“A mudança está chegando, busquemos ou não.” Assim decreta o documento intitulado Preservando o país do carvão, lançado na segunda-feira pelo United Mine Workers of America, no qual a entidade aceita a realidade de que o carvão nunca voltará. Em vez disso, argumenta o sindicato, o objetivo deveria ser “uma transição energética verdadeira que melhore as oportunidades para os mineiros”.
É bom ver esse tipo de realismo. Lembre-se que, em 2016, Donald Trump prometeu que levaria o carvão de volta à grandeza de seu passado, reabrindo minas – e os eleitores do “país do carvão” acreditaram nele. Muitos deles ainda imaginam que algo do tipo seria possível. O sindicato, porém, entende que não é assim.
O que matou as minas não foi uma “guerra contra o carvão”. Foi o progresso tecnológico, primeiramente com a extração de gás natural e, depois, com a energia solar e eólica. Gerar eletricidade a partir de carvão seria inviável economicamente mesmo se não tivéssemos de nos preocupar com as mudanças climáticas. Mas é evidente que temos de nos preocupar com as mudanças climáticas, que representam uma ameaça existencial à civilização. A questão é como enfrentar essa ameaça.
O documento do sindicato é um endosso aos planos do governo Joe Biden de tornar as ações de combate às mudanças climáticas um elemento central de seu aumento de gastos em infraestrutura. O texto é também uma pequena, mas encorajadora, justificativa do pensamento por trás da crença de que uma ação em defesa do meio ambiente tem mais probabilidade de ser factível se evitar purismos econômicos e se fiar mais em estímulos do que em punições.
Um pouco de contexto: a ciência econômica convencional sugere que a melhor maneira de limitar as emissões de gases de efeito estufa seria aplicar um imposto de carbono ou criar um sistema de limitação e comercialização, no qual poluidores sejam obrigados a comprar autorizações para suas emissões.
Esse argumento fundamenta iniciativas de grande relevância no Conselho de Liderança Climática, cujos fundadores incluem uma ampla gama de diretores de empresas, economistas e grandes corporações. O conselho advoga por impostos de carbono cuja arrecadação seria destinada a famílias. Mas não é este o rumo que o governo Biden está tomando. Por quê?
Primeiramente, o argumento econômico que defende um imposto de carbono não leva em conta o papel crucial do desenvolvimento tecnológico.
A razão pela qual grandes reduções de emissões parecem mais fáceis de atingir hoje do que dez anos atrás é que vimos uma progresso espetacular no campo das energias renováveis: o custo de produção de energia eólica caiu 70% desde 2009, e custo da energia solar, 89%.
E o progresso tecnológico não é de agora. Resulta pelo menos em parte de investimentos feitos pelo governo Barack Obama. Esses investimentos foram ridicularizados por conservadores. Em 2012, Mitt Romney declarou que todo esse dinheiro foi destinado a “perdedores”, como a Solyndra e a Tesla. Analisando em retrospecto, é evidente que o gasto do governo ocasionou um avanço tecnológico. E isso sugere que investimento público, concomitante ou até em substituição a um imposto de carbono, pode ser uma forma de avançar no combate às mudanças climáticas.
Em segundo lugar, a ideia de que um imposto de carbono possa conseguir apoio bipartidário é ingênua. Somente 14% dos republicanos acreditam que as mudanças climáticas sejam um tema relevante. E destinar essa arrecadação a famílias não conquista os eleitores que acreditam que defesa do meio ambiente ameaça seus empregos.
O que pode conquistar parte desses eleitores, contudo, é o tipo de programa que o sindicato dos mineiros está propondo: gastos direcionados no sentido de ajudar a recapacitar ex-mineiros e dar apoio ao desenvolvimento de comunidades de carvoeiros.
Não quero ser otimista em relação à estratégia de Biden. Por um lado, mesmo que seja forte o argumento contra depender exclusivamente de um imposto de carbono, somente o investimento público não será suficiente. Por fim, certamente teremos de colocar um preço nas emissões de gases de efeito estufa, apesar de isso ser complicado politicamente.
Por outro lado, mesmo que seja ótimo ver o sindicato dos mineiros pedir políticas que apoiem “os carvoeiros”, ou seja, comunidades, em vez de uma indústria específica, isso ainda é uma reivindicação difícil de ser atendida. A economia do século 21 ainda concentra os bons empregos nas regiões metropolitanas e nos seus trabalhadores altamente qualificados. Favorecer a criação de empregos na Virgínia Ocidental ou no leste do Kentucky não será fácil.
Mas devemos fazer um esforço para ajudar trabalhadores e regiões que saem perdendo, enquanto evitamos a catástrofe ambiental e tentamos tornar essa política o mais palatável possível, mesmo com algumas perdas em relação à eficiência. A ação ambiental é importante demais para insistirmos que ela seja feita com perfeição. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
* É GANHADOR DO PRÊMIO NOBEL DE ECONOMIA E COLUNISTA
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