Rafael Moraes Moura/BRASÍLIA e Paulo Roberto Netto/ SÃO PAULO
22 de abril de 2021 | 09h16
Em um duro revés para a Operação Lava Jato, a maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) votou nesta quinta-feira (22) para confirmar a decisão da Segunda Turma que declarou a suspeição do ex-juiz federal Sérgio Moro ao condenar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na ação do triplex do Guarujá. Sete ministros já votaram para manter de pé o entendimento de que Moro foi parcial no caso – e apenas dois defenderam o arquivamento da discussão, o que poderia livrar Moro da controvérsia e blindar o trabalho do ex-juiz na 13ª Vara Federal de Curitiba.
A posição do plenário marca uma nova vitória de Lula no STF, impõe uma amarga derrota à Lava Jato e frustra o relator da operação, Edson Fachin, que havia tentado uma manobra para esvaziar a discussão sobre a conduta de Moro.
A sessão foi interrompida após uma discussão acalorada entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, que lideram respectivamente as alas garantista (mais crítica à Lava Jato) e legalista (a favor da Lava Jato) no STF. “Vossa Excelência sentou em cima do processo por dois anos e se acha no direito de ditar regras para os outros”, criticou Barroso, em referência ao pedido de vista de Gilmar, que segurou o processo sobre Moro por dois anos e quatro meses. ” Vossa Excelência perdeu!”, rebateu Gilmar. O julgamento será retomado quando o decano do STF, ministro Marco Aurélio Mello, devolver o caso para análise.
Último ponto a ser discutido pelo plenário do STF nesta quinta-feira, a suspeição de Moro é uma questão estratégica para o futuro da Lava Jato e o desdobramento das ações de Lula. Com o entendimento de manter de pé a decisão da Segunda Turma que declarou Moro parcial, o reaproveitamento do trabalho feito em Curitiba não será possível na ação do triplex do Guarujá, por exemplo, já que a parcialidade do ex-juiz teria contaminado todo o processo. O caso, então, vai ter de voltar à estaca zero.
Na ação do triplex, Lula foi condenado por Moro a nove anos e seis meses de prisão, acabou enquadrado pela Lei da Ficha Limpa, foi afastado da corrida ao Palácio do Planalto em 2018 e permaneceu preso por 580 dias. Quanto a Moro, o ex-juiz já foi declarado parcial na ação do triplex, mas não será obrigado a pagar as custas processuais do caso, conforme decidiu a Segunda Turma do STF no mês passado. A defesa de Lula pretende estender a parcialidade de Moro para as ações do sítio de Atibaia e do Instituto Lula.
Em 8 de março deste ano, Fachin abalou o meio político e redesenhou a disputa eleitoral de 2022 ao derrubar as condenações de Lula, determinar o envio de quatro ações penais para a Justiça Federal do DF e arquivar a discussão sobre a suspeição de Moro. Na prática, a decisão, que foi parcialmente chancelada pelo plenário, tornou o petista elegível e apto a disputar as eleições de 2022.
Cada um dos pontos da decisão do ministro foi examinado pelo plenário do STF desde a semana passada. Por 8 a 3, o STF decidiu que a Justiça Federal de Curitiba não tinha competência para cuidar das investigações contra Lula, que não diziam respeito diretamente a um esquema bilionário de corrupção na Petrobrás. Nesta quinta, por 6 a 5, o plenário manteve o entendimento de que os casos deveriam ser enviados para a Justiça Federal do DF. Agora, o tribunal analisou se a suspeição de Moro deveria ser arquivada, como determinou Fachin, ou se prevalecia o julgamento da Segunda Turma, que declarou Moro suspeito.
“O plenário não pode tudo, nem modificar decisão proferida pela Segunda Turma, sob pena de violação do devido processo legal. Do contrário, criaremos uma terceira, quarta instância recursal. O STF é maior do que a sua composição atual, temos de honrar os nossos antepassados. Se nós não zelamos pela nossa biografia, temos de zelar pela biografia do tribunal”, disse o ministro Gilmar Mendes. Crítico da Lava Jato, o ministro é a favor da manutenção do julgamento da Segunda Turma que declarou Moro parcial.
“Essa história toda, ‘ah, está trazendo pro plenário’, não fica bem uma subversão processual dessa ordem, não é decente. Não é legal, como dizem os jovens. Esse tipo de manobra de expediente é um jogo de falsos espertos. Não é bom”, acrescentou Gilmar.
Os ministros Alexandre de Moraes, Kassio Nunes Marques, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Rosa Weber acompanharam o entendimento de Gilmar, votando a favor da manutenção do julgamento da Segunda Turma. “A Segunda Turma não era incompetente para continuar o julgamento da suspeição. O plenário pode rever uma decisão já finalizada, de mérito, da Turma? Entendo que não. Há preclusão. Essa preclusão afeta os efeitos da decisão monocrática. A Turma já disse que não é prejudicial e julgou a suspeição. O respeito deve ser mútuo entre turma e relator. O respeito deve ser de ambos os lados”, afirmou Moraes.
Estratégia. Conforme informou o Estadão, ao tentar arquivar a suspeição de Moro, Fachin expôs uma estratégia de reduzir danos e tentar blindar o ex-juiz federal, diante da certeza de que a Segunda Turma o declararia parcial, como acabou ocorrendo. Pelo raciocínio de Fachin, se a condenação que Moro impôs a Lula não existe mais, não faz mais sentido discutir a conduta do ex-magistrado no caso. A Segunda Turma, no entanto, contrariou Fachin e acabou declarando Moro parcial no final do mês passado, o que pode provocar um efeito cascata, contaminando outros processos que também contaram com a atuação do ex-juiz.
“Quando proferida e tornada pública a decisão monocrática ora agravada, em 8 de março de 2021, o julgamento do HC 164.493 (que discute a suspeição de Moro ao condenar Lula no caso do triplex) se encontrava paralisado há mais de 2 (dois) anos, em razão de pedido de vista formulado em 4 de dezembro de 2018, o qual, frise-se, não se encontrava no calendário de julgamentos da Segunda Turma, ordinariamente divulgado ao final da semana antecedente, o que, de fato, só veio a ocorrer na própria manhã do dia 9 de março de 2021, quando efetivamente retomada a deliberação colegiada, finalizada apenas em 23 de março de 2021″, observou Fachin.
“A circunstância do julgamento colegiado (da Segunda Turma, sobre Moro) encontrar-se suspenso em razão de pedido de vista não é impeditiva ao reconhecimento da superveniente prejudicialidade da pretensão”, acrescentou.
Expoente da ala a favor da Lava Jato, o ministro Luís Roberto Barroso concordou com o colega. “O julgamento da Segunda Turma é nulo após o relator ter extinguido o processo. Se o juiz é incompetente, nem se prossegue no exame da suspeição. Ignorar, atropelar o relator não tem precedente na história deste tribunal. E isso sim que está errado. A maneira certa de reformar decisão é no órgão competente e não no grito”, afirmou.
“Competência precede a suspeição: julgada a incompetência do juízo de primeiro grau, o julgamento da suspeição fica evidentemente prejudicado. A matéria sobre competência do juízo está relacionada aos pressupostos processuais, está relacionada com a formação da relação jurídica processual e sem juiz competente não há relação jurídica, aprendi isso há muitos anos”, frisou Barroso.
Bate-boca. O julgamento foi marcado por uma discussão acalorada entre Barroso e Gilmar Mendes. Barroso acusou Gilmar de “manipular a jurisdição” ao “sentar em cima” do processo sobre a suspeição de Moro por dois anos e só pautá-lo após Fachin anular as ações da Lava Jato contra Lula. “Vossa Excelência ainda se acha no direito de ditar regra para os outros”, criticou Barroso. Gilmar respondeu: “O moralismo é a pátria da imoralidade. Vossa Excelência perdeu, perdeu.”
Antes, Barroso se envolveu em uma discussão com Lewandowski. Em seu voto, Barroso destacou as conquistas da Lava Jato e classificou como “pecadilhos” as revelações descobertas nas mensagens hackeadas de procuradores, o que irritou o colega.
“Não estamos tratando de pecadilhos. Estamos tratando de pecados mortais”, disse Lewandowski. Barroso rebateu: “Vossa Excelência acha que o problema então foi o enfrentamento à corrupção, e não a corrupção?”. Lewandowski respondeu: “”Vossa Excelência sempre quer trazer à baila a questão da corrupção, como aqueles que estivessem contra o modus operandi da Lava-Jato fossem favoráveis à corrupção. Mas o modus operandi da Lava-Jato levou a atitudes incompatíveis com o Estado democrático de Direito”.
Defesa. Em nota, a defesa de Lula afirmou que o julgamento significa “o restabelecimento do devido processo legal e da credibilidade do Judiciário no Brasil”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário