Bruno Ribeiro, O Estado de S.Paulo
20 de abril de 2021 | 05h00
Apontado como o maior acordo de não persecução civil assinado no Estado de São Paulo, a delação feita pela empresa Ecovias (e sua matriz, a EcoRodovias) ao Ministério Público paulista sobre ação de cartel nas concessões rodoviárias do Estado, que prevê o pagamento de R$ 650 milhões em obras e até descontos em pedágios, travou há um ano à espera de definições por parte do governo João Doria (PSDB) para ter prosseguimento.
O acordo de leniência foi assinado em 6 de abril do ano passado, após negociações que tiveram início em 2019, mas até agora não foi homologado pelo Conselho Superior do MP e pela Justiça. A empresa havia relatado ações ilegais – como simulação falsa de competição em licitações – em 12 concessões rodoviárias, realizadas nos governos Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra, todos do PSDB. Em troca, obteve a garantia de que não seria alvo de ações por improbidade administrativa nem de outros processos de natureza civil propostos pelo MP paulista. Além disso, faria o pagamento da multa, cujo valor atualizado já supera os R$ 700 milhões.
O governo do Estado recebeu, em 20 de janeiro, um ofício do Conselho Superior do MP questionando se estava de acordo com os termos em que o acordo foi firmado: obras de melhoria no trecho urbano da Rodovia Anchieta, estimadas em R$ 450 milhões, desconto de 10% no valor do pedágio no período noturno, até que o montante descontado atinja R$ 150 milhões e pagamento dos valores restantes diretamente ao governo do Estado, em seis parcelas.
A resposta do governo, entretanto, ocorreu apenas 60 dias depois do recebimento do ofício, e se deu com informes de que a gestão Doria não havia participado nem das negociações sobre a leniência nem dos cálculos que levaram à composição dos valores a serem pagos pela concessionária. Pessoas próximas às negociações esperam que os entraves sejam superados até a semana que vem.
No ano passado, a Secretaria Estadual de Logística e Transportes foi consultada sobre o que fazer com os recursos. O governo não foi informado do conteúdo da delação nem de nenhum detalhe das investigações, mas esteve em reuniões organizadas por membros da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público para indicar as obras mais estratégicas a serem executadas com um eventual aporte de recursos inesperados.
Sem a homologação, além de o Estado permanecer sem os pagamentos – no momento em que a crise econômica decorrente da pandemia do coronavírus se mostra aguda –, as informações trazidas pela empresa não são válidas para outros processos civis. “O acordo contém outras disposições, como a cooperação da Companhia (EcoRodovias) e da Ecovias na produção de provas e a adoção de medidas de aprimoramento de controles internos”, disse comunicado da empresa publicado na ocasião da assinatura do acordo.
Todas as negociações estão em sigilo. Nem o governo do Estado nem o Ministério Público Estadual quiseram fazer comentários sobre o caso. Integrantes do governo paulista ouvidos pelo Estadão, entretanto, negaram que a demora na devolutiva tenha sido causada por alguma ação intencional, apontando questionamentos naturais feitos por procuradores do Estado.
A leniência, favorecida pela Lei Anticrime, que entrou em vigor em 2019, se deu como solução para três inquéritos que estavam em andamento no MP. O mais antigo havia sido instaurado em 2014 e os outros dois eram de 2018. O acordo foi tido pela Ecovias como “solução consensual” para as três investigações.
Em 2019, a EcoRodovias já havia firmado um acordo de leniência com promotores públicos federais, integrantes da força-tarefa da Lava Jato no Paraná, em que admitiram pagamento de R$ 35 milhões em propinas para agentes públicos paranaenses em troca de favorecimento nos contratos de concessão rodoviária naquele Estado. O acordo envolveu o pagamento de R$ 400 milhões ao Estado, divididos parte na execução de obras, parte na redução dos valores cobrados nas praças de pedágio.
A Ecovias, em São Paulo, administra as concessionárias Anchieta e Imigrantes. A empresa gerencia, ao todo, dez contratos de concessão rodoviária e um de concessão portuária em seis Estados.
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