Não sou tão crédulo a ponto de comprar o discurso dos criadores de touros de lide de que sua atividade é benéfica para o ambiente, mas, se eu fosse o marido da vaca, certamente preferiria ter a vida de um animal destinado às touradas à de um criado para o matadouro.
Os instantes derradeiros de ambos parecem igualmente horríveis, mas, antes disso, não há nem termo de comparação. Enquanto os touros que vão para as “plazas” vivem por uns quatro anos, pastando em áreas de 30.000 m2, com direito a exercícios e suplementação alimentar, os que vão para o corte industrial ficam espremidos em espaços de 9 m2, sob forte estresse, e têm sua existência limitada a 18 meses.
O que se pergunta, no fundo, é como devemos medir a felicidade. No caso de nossos primos taurinos a questão parece relativamente incontroversa, mas, quando passamos a tratar de humanos, que nos deixamos levar por narrativas e pela ideia de transcendência, surgem complicadores.
Vemos como sabedoria profunda a máxima atribuída a Sólon, segundo a qual, diante das reviravoltas da vida, só podemos afirmar que um homem foi feliz depois que ele tiver morrido. Mas será que é isso mesmo? Se um sujeito tem uma existência razoavelmente feliz por 75 anos, mas, em suas últimas horas, sofre as piores torturas e decepções, fica carimbado como infeliz?
Humanos lidamos com dois “eus” que têm preferências e projetos distintos. Há o eu experiencial, que vive os prazeres e as dores do dia a dia, para o qual tudo o que importa é produzir balanços positivos; e há o eu autobiográfico, cuja meta é encaixar a própria existência numa narrativa edificante. Aqui, como em toda história, finais podem adquirir grande importância.
Ainda que eu entenda as razões do eu autobiográfico, não consigo me afastar da sensatez bovina do eu experiencial. Um dia ruim não apaga milhares de dias bons, não importando a ordem em que ocorram.
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