segunda-feira, 19 de abril de 2021

Quem já se contaminou com o coronavírus tem risco 84% menor de se infectar novamente, Fernando Reinach - OESP

 Fernando Reinach, O Estado de S.Paulo

17 de abril de 2021 | 05h00

Em janeiro de 2021 quase 30% da população da cidade de São Paulo já havia sido infectada pelo vírus Sars-CoV-2 (www.monitoramentocovid19.org). Na coleta que se inicia semana que vem teremos este número atualizado. Não é difícil de imaginar que ele pode estar se aproximando dos 45%. Isto é importante pois, agora, um estudo feito na Inglaterra demonstrou que pessoas já infectadas pelo vírus estão protegidas de uma nova infecção. 

Essas pessoas têm um risco 84% menor de serem infectadas novamente quando comparadas com pessoas que não foram infectadas. Esse nível de proteção é equivalente ao obtido com o uso das vacinas.

Fernando Reinach
O biólogo Fernando Reinach  Foto: Clayton de Souza/Estadão

Em março de 2020, quando planejamos o estudo, ainda não existiam vacinas e acreditávamos que monitorando o número de infectados ao longo do tempo teríamos uma ideia do número de pessoas já resistentes ao vírus. Isto porque na maioria das infecções virais as pessoas desenvolvem algum nível de resistência a uma nova infecção. 

O problema é que essa hipótese ainda não havia sido demonstrada para o Sars-CoV-2. Durante este último ano muitas dúvidas foram levantadas a respeito dessa hipótese: testes de baixa qualidade indicavam que a quantidade de anticorpos baixava rapidamente, começaram a surgir casos esporádicos de reinfecção e, mais recentemente, surgiu a possibilidade de as novas variedades do vírus serem capazes de escapar totalmente dessa proteção. Grande parte desses argumentos foi por água abaixo com as conclusões do estudo agora publicado.

Foram recrutados 26.661 voluntários entre trabalhadores da saúde na Inglaterra, sendo que 86% deles lidavam diretamente com pacientes de covid-19. Desse grupo, 17.383 ainda não haviam sido infectados pelo Sars-CoV-2 com base em testes que detectavam anticorpos contra o vírus; e 8.278 haviam contraído o vírus e se curado.

O recrutamento acabou no início da segunda onda na Inglaterra, em 31 de dezembro de 2020, provocada pela nova variante. Os voluntários foram monitorados até o início de fevereiro deste ano. Os cientistas mediram quão mais frequente era a infecção por Sars-CoV-2 nas pessoas que ainda não haviam sido infectadas, quando comparadas com as pessoas que já haviam sido infectadas.

Foram observadas 7,6 reinfecções para cada 100 mil pessoas entre os que possuíam anticorpos (os já infectados e curados) e 57,3 infecções por 100 mil pessoas entre os que ainda não haviam sido infectados; um número 7,6 vezes maior. A partir desses dados foi possível determinar que uma infecção prévia diminui o risco de contrair a doença em 84%. Essa proteção dura seguramente mais de sete meses.

Esses resultados demonstram que ser infectado pelo Sars-CoV-2 protege as pessoas de nova infecção, da mesma forma que as melhores vacinas. É claro que as pessoas que foram infectadas correram o risco de morrer ou ter sequelas, o que não existe com as pessoas que foram vacinadas. Também ainda é possível que essa proteção pode vir a ser menor frente a outras variedades, mas tudo indica que parte dessa proteção é duradoura.

Esse resultado demonstra que provavelmente 30% da população de São Paulo já está protegida, ao menos parcialmente, de uma nova infecção. Como a fração da população infectada na cidade está crescendo rapidamente, é muito provável que nos próximos meses mais pessoas estarão protegidas por uma infecção anterior do que pelas vacinas. 

A comprovação de que pessoas infectadas se tornam resistentes comprova nossa hipótese inicial, de que medindo o número de infectados, e somando esse número aos vacinados, talvez seja possível estimar quando atingiremos o nível de imunidade coletiva necessária para controlar a pandemia em São Paulo. 

MAIS INFORMAÇÕES: SARS-COV-2 INFECTION RATES OF ANTIBODY-POSITIVE COMPARED WITH ANTIBODY-NEGATIVE HEALTH-CARE WORKERS IN ENGLAND: A LARGE, MULTICENTRE, PROSPECTIVE COHORT STUDY (SIREN). LANCET https://doi.org/10.1016/S0140-6736(21)00675-9 (2021)

* É BIÓLOGO, PHD EM BIOLOGIA CELULAR E MOLECULAR PELA CORNELL UNIVERSITY E AUTOR DE A CHEGADA DO NOVO CORONAVÍRUS NO BRASIL; FOLHA DE LÓTUS, ESCORREGADOR DE MOSQUITO; E A LONGA MARCHA DOS GRILOS CANIBAIS

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