Sabe aquela conversa do copo meio cheio ou meio vazio? Pois é. Otimistas preferem acreditar que a humanidade continua melhorando: menos doença, mais renda, menos guerras, mais democracia, menos ignorância, mais ciência... Então tá.
Produzimos oxigênio em Marte, ora. Quer dizer, um aparelho construído por mulheres e homens, a bordo do jipinho Perseverance, separou o gás vital (O2) do dióxido de carbono (CO2) dominante na rala atmosfera marciana —isso após a Nasa fazer um helicóptero de brinquedo voar sob o céu cor de laranja.
Alvíssaras! Seres humanos poderão colonizar o Planeta Vermelho, respirando o ar artificial de cilindros que agora faltam na Índia e sumiram há pouco de Manaus. Centenas de pobres sufocam na Terra, mas ainda inventaremos um jeito de povoar Marte.
Até lá, recomenda-se distração com o acirrado campeonato da Covid-19 entre Estados Unidos, Brasil e Índia. O país mais poderoso deste planeta (não outro) tornou-se maior de novo sob a liderança de Donald Trump —só que em mortes pelo coronavírus.
A condução da pandemia pelo republicano negacionista, associada a erros iniciais de agências reguladoras e hesitação em restringir a mobilidade, produziram 32 milhões de infectados (10% da população). Contaram-se 570 mil mortes desde então, tanto quanto as de soldados americanos em duas guerras mundiais juntas, mais a do Vietnã.
Dá-se como certo que o Brasil vai ultrapassar os EUA sob comando do capitão Jair Bolsonaro (sem partido nem piedade) na competição genocida. Já estamos na marca de quase 15 milhões de casos detectados e 390 mil mortos, fora a subnotificação.
Morreu mais gente no Brasil de Covid do que de infarto ou de acidente vascular cerebral (AVC) em um ano. Falta pouco para vermos o coronavírus matar mais que a soma dos dois males, principal causa de óbitos no país, com 400 mil vítimas por ano.
Em realidade, já deixamos os americanos para trás. Como nossa população é menor que a deles —212 milhões contra 330 milhões—, temos mais mortos por milhão de habitantes que eles (1.800 x 1.700, em números arredondados). E ainda vamos tomar-lhes a frente em números absolutos, espere para ver.
A Índia corre célere em nosso encalço, porém. Num único dia, registrou o recorde mundial de 333 mil contaminados num único dia, com 2.263 vítimas fatais em 24 horas e um total acumulado de 187 mil óbitos. Ainda bem abaixo de Pindorama e México, mas em escalada explosiva.
São 1,4 bilhão de indianos, subnotificação galopante, pobreza incomparavelmente maior e um sistema de saúde precário, frente ao qual o SUS rebrilharia como os saguões do Hospital Israelita Albert Einstein em São Paulo. A pandemia de Covid está às portas de seus piores momentos, mesmo já tendo ceifado 3 milhões de vidas pelo mundo.
Repetem-se imagens de pessoas morrendo sem ar nos corredores de hospitais, como em Manaus. Fotografias de cremações em massa arrepiam mais que centenas de covas abertas por tratores na capital amazonense. Novas cenas dantescas correrão o mundo nos próximos dias.
Nos EUA, condados e estados inteiros, como a Louisiana, rejeitam remessas seguidas de vacinas contra Covid. Desperdiçam-se imunizantes que salvariam vidas de miseráveis indianos, mexicanos e brasileiros, porque muitos americanos se recusam a vacinar-se.
Pois é, o copo está cheio pela metade, sim —de fel.
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