Entrevista com
Luiza Helena Trajano, empresária
21 de abril de 2021 | 05h00
Atualizado 21 de abril de 2021 | 10h56
Quando a pandemia completou um ano e a situação do País só piorava, a empresária Luiza Helena Trajano sugeriu, numa reunião do seu grupo Mulheres do Brasil: “A gente não pode ficar de braços cruzados”. Daí a criar o movimento Unidos pela Vacina foi um pulo. Com ajuda de bons aliados, como o Instituto Locomotiva, de Renato Meirelles, e a N-Ideias, de Nizan Guanaes, o grupo montou seu plano de ação voltado para os 5.572 municípios brasileiros. Foram enviados questionários perguntando o que eles precisavam – gente, material, orientação – e a resposta foi surpreendente. “Já recebemos retorno de 98% deles. Um fenômeno”, resume a presidente do conselho da holding Magazine Luiza, hoje uma das líderes do varejo no País.
A causa não é fácil. “A vacina é a prioridade número 1, a única coisa que vai aliviar”, adverte a empresária nesta entrevista para a série Cenários. Mas conseguir vacinas “tornou-se uma disputa dificílima, que envolve dezenas de países pelo mundo afora”. Mesmo para o Mulheres do Brasil, que começou com 40 mulheres em 2012 e hoje conta com mais de 80 mil em todo o País.
Nas contas de Luiza Trajano, “superar a pandemia e pôr o Brasil de pé é uma coisa só”. “É preciso vacinar, é preciso garantir uma renda básica, estimular o consumo e criar empregos.” E, para chegar lá, ela defende “uma grande união” de forças, política, industrial, e que seja feito um pacto: “Cada um vai ter de ceder para todos ganharem. E o emprego é que vai dar dignidade às pessoas”. A seguir, os principais trechos da conversa.
No grupo Mulheres do Brasil, vocês criaram o programa Unidos pela Vacina. Como ele funciona?
Com um ano de pandemia, vendo que a situação só piorava, eu disse para o grupo: ‘Olha, a gente não pode ficar de braços cruzados’. O Mulheres do Brasil viu que a vacina era a única salvação. Respeito quem não gosta de tomar, mas não tem outra alternativa. A primeira coisa que fiz foi procurar o Instituto de Desenvolvimento do Varejo, que ajudei a montar. Cheguei para o Marcelo (Silva, presidente do IDV), para os conselhos de lá, conversei, eles toparam, e de repente tínhamos mais de mil pessoas. Nunca vi uma mobilização tão grande. A gente foi se estruturando e tem de trabalhar para até setembro termos 60% ou 70% vacinados. Então, temos um grupo de executivos, de empresários já acostumados a exportar, importar, que têm negócios com Índia e China, e que está junto com o Ministério da Saúde ajudando a destravar e procurar vacinas no mundo.
Como está a mobilização pelo País?
Tem um trabalho lindíssimo, olha que são 5.572 municípios no País. E temos um comitê de saúde do SUS. Você não imagina o que é esse SUS. Em cada um desses tantos pequenos municípios tem uma UBS (Unidade Básica de Saúde) do SUS. Então, junto com o (sociólogo) Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, criamos um questionário de 13 perguntas para os secretários de Saúde, encarregados da vacina, e prefeitos responderem, no digital. Você não sabe da maior, já recebemos retorno de 98% deles. Um fenômeno. Eles dizem o que estão precisando, como estão aparelhados, se querem uma câmara frigorífica, caixa térmica, agulha, crachá...
E a vacina?
Temos uma equipe lutando para fazer chegar a vacina o mais rápido possível. Mas não adianta chegar a vacina e não ter como vacinar. Aí tem a outra ponta, na área municipal. Bom, diante de tudo o que estamos recebendo, o Brasil inteiro está querendo doar. É uma coisa impressionante, estou muito agradecida. Então, criamos um outro grupo, que se chama Conexão, para cruzar os dados. Perguntam ao doador: ‘Você quer doar?’ Então, vai ser padrinho ou madrinha nesta área, naquela.
Fazem uma checagem de tudo o que se precisa?
Isso mesmo. Fui recentemente a Cássia, cidade do sul de Minas, e vi que o que mais faltava era mão de obra, mas também mesas, cadeiras... E a gente tem banner de sinalização, camisetas para as pessoas da equipe. Enfim, esse é um legado que o Unidos pela Vacina vai deixar. A Unicef está nos ajudando, cuidando da vacina em crianças. Olha, vamos deixar as UBS bem mais montadas do que antes. O Renato está impressionado com o que viu.
O trabalho do Renato Meirelles no Locomotiva é muito sério, competente.
Ele está fazendo isso, está junto. E agora temos esse grupo, o Conexão, três agências trabalhando, tudo voluntário. Está o Nizan Guanaes, da N-Ideias, ajudando, criando logotipo, comunicação... O Nizan está coordenando, chamou as agências junto. Tem um outro grupo de ciência que está estudando esse novo vírus.
Você tem preocupação quanto ao volume de vacinas? Tem muita gente dizendo que vai faltar...
O que eu sinto é que, a partir de maio, junho, começamos a ter mais vacina chegando, pois quem comprou em agosto e setembro passados já recebeu. A da Pfizer vai chegar uns 10% em junho, 20% depois. Estamos torcendo é para chegar o prometido até setembro, para se vacinar 70%, que é a nossa meta. A partir de outubro, novembro, e no ano que vem, todo mundo vai poder comprar a vacina. E aí você pergunta, é o que os outros dizem, e se eu vacinar 50% dos meus empregados e der 50% ao governo. Mas e aí, as famílias dos meus empregados? E as pessoas que estão desempregadas? Não dá...
Numa conversa recente o (presidente do Instituto Butantan) Dimas Covas ponderou que os países mais desenvolvidos estão vacinando todo mundo e que está começando uma guerra econômica entre Europa, EUA e China. E eu pergunto: adianta abrir a economia primeiro se o país vizinho está contaminado?
Acho que o Dimas tem feito um trabalho maravilhoso, mas não vejo como guerra econômica, pois nenhum país está tendo interesse de não ajudar o outro. Não adianta abrir um sem abrir o outro. Pode, sim, haver aumento de preço (das vacinas), o que custava 10 vai custar 20, mas isso é a lei da oferta e da procura.
Não é guerra de empresas, eu falava de guerra econômica geral.
Eu acho que não, porque a pandemia não pegou só o Brasil ou a China, pegou o mundo inteiro. A Alemanha está fechada desde dezembro. Paris abriu e fechou de novo. Portugal fechou, só abriu supermercado. Se o Brasil tivesse comprado em setembro, outubro, já estaríamos praticamente vacinados, porque ninguém tem a nossa experiência. Agora, se chegar tudo que está atrasado, o Butantan vai começar a fabricar o IFA em setembro, outubro.
Como você imagina que os países sairão dessa crise? Os EUA já estão injetando uma montanha de dinheiro na economia. Teremos algum tipo de inflação?
Vai ter de haver uma grande união de forças, política, industrial, para que se possa fazer um pacto. Porque, por outro lado, vamos ter um consumo muito bom se gerar emprego no Brasil. Por exemplo, as pessoas estão doidas para viajar. Eu tenho estado muito perto desse setor de turismo e do de restaurantes. O que mais se fala é em divulgar o nosso turismo. Tem de formar uma cadeia para que todos consigam baixar os custos. Não dá para pagar mais caro para ir ao Rio Grande do Norte do que para Miami. E, quando fizerem isso, o Brasil vai estourar. Mas uma medida que devia ser tomada logo seria a simplificação do País, porque, quando se fala em reforma tributária, vai pegar um Estado, pegar outro...
O comércio reclama muito da reforma tributária que está tramitando no Congresso, não é?
Tem uns que reclamam, outros não. Olha, faz 25 anos que eu participei de um comitê de reforma tributária, nunca vi uma reforma tão difícil como essa de agora. Mas nós conseguimos a trabalhista, que não foi a ideal, mas melhorou muito. A reforma da aposentadoria também ajudou. Agora, não pode deixar o juro subir, nem a inflação, e gerar emprego. O emprego é que vai dar o desenvolvimento para os pobres, emprego e crédito.
Mas, 25 anos atrás, a indústria pagava uns 80% dos tributos na área da iniciativa privada. Hoje, o comércio paga esses 80%, e uns 20%, os industriais. Como fazer essa reforma se ninguém quer abrir mão de nada?
Cada um vai ter de ceder para todos ganharem. Mas, olha, neste momento eu acho que a vacina é a única coisa que vai aliviar, tem de ser a prioridade número 1. E veja, foi escancarada a desigualdade social. Eu, às vezes, vou para o sertão, tem gente lá morrendo de fome e sem oportunidade. Agora teremos de ter a renda básica, da qual o (Eduardo) Suplicy falava o tempo todo. E, em seguida, gerar emprego. O emprego é que vai dar dignidade às pessoas.
Qual é, a seu ver, a participação do empresariado nesse processo?
Existem várias correntes. Tem uma que diz ‘olha, se não assumir o poder não vai ter jeito’. Outra corrente entende que a sociedade civil é que vai resolver o problema. Foi por isso que criamos o Mulheres do Brasil, que já é hoje o maior grupo político apartidário do País. Tem 84 mil mulheres e vamos chegar a 100 mil em maio. A gente deu uma parada por causa da vacina, mas tem de fazer um planejamento estratégico do Brasil de 2022 a 2032.
Por que não abrir espaço para os homens nesse projeto?
Já abrimos. Agora tem sempre uma ‘Mulher do Brasil’ e executivos. Amanhã, ao se fazer um planejamento estratégico, vamos chamar de ‘Unidos pelo Brasil’.
Qual a diferença de gestão entre homens e mulheres? Você, que criou o Magazine Luiza, diria que a das mulheres é diferente?
Antigamente, a gestão era inteiramente mecânica. No trabalho, ninguém podia falar o que estava sentindo. Os homens foram criados nisso. E como é agora? Com as startups e a cultura digital? Digital não é um aplicativo, é um modo de vida. E para esse mundo orgânico, nós mulheres estamos muito preparadas.
Que mensagem de despedida gostaria de deixar aqui?
Que este é um momento muito delicado para o mundo, que exige que você não pense só no seu pedacinho. Que exige generosidade para que a gente saia disso. Vamos, Unidos pela Vacina, vacinar 70% até setembro. É uma luta de todos.
*PRESIDENTE DO CONSELHO DO MAGAZINE LUIZA E DO GRUPO MULHERES DO BRASIL. ATUA EM CONSELHOS DO INSTITUTO PARA DESENVOLVIMENTO DO VAREJO, DA FIESP E DA UNICEF.
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