Uma amiga que frequenta há anos uma igreja neopentecostal me contava outro dia como escolheu esse caminho. Estava desempregada e sozinha. Vinha de um lar instável, cheio de conflitos. Foi para a igreja buscar forças para seguir em frente. Os cultos reacenderam sua fé, mas o que a fez ficar mesmo foi o acolhimento: "No meu aniversário, chegaram com um bolo e oraram por mim. É assim todo ano. Nunca na minha vida ninguém tinha se lembrado do meu aniversário".
As igrejas são um espaço religioso e também funcionam como uma rede de apoio social. São lugares de convivência para quem estava na solidão. Lugares de ajuda para quem não tinha com quem contar. A banda e os grupos de jovens atraem uma geração que não encontra espaços públicos de lazer e cultura. Não por acaso o chamado da igreja Universal é "pare de sofrer!". Numa sociedade deprimida, onde milhões são relegados à humilhação e à falta de oportunidades, o chamado tem força.
Sem olhar para essa dimensão, é impossível compreender o crescimento vertiginoso dos evangélicos pentecostais e neopentecostais no Brasil. Há 40 anos, a Igreja Católica teve uma forte experiência de redes de acolhimento com as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que organizavam clubes de mães, grupos de solidariedade e rodas de formação nas periferias do país. Criar espaços onde quem não tem nada seja acolhido e ouvido é algo muito potente.
Naquele momento, o trabalho das CEBs tinha forte integração com a esquerda e com os movimentos sociais. Hoje existe um divórcio entre a esquerda e a maioria dos evangélicos. De um lado, porque parte das lideranças das igrejas decidiu politizar seus cultos, transformando-os em pregações contra a esquerda e a favor do bolsonarismo. De outro, porque parte da esquerda passou a estigmatizar os evangélicos como símbolos do atraso. As generalizações não ajudam. Aliás, muitas lideranças evangélicas apoiaram Lula em seu governo. E existem inclusive organizações próximas da esquerda, como a Frente Evangélica pelo Estado de Direito.
Eu atuo há 20 anos num movimento social de luta por moradia, o MTST, que é composto por uma maioria de evangélicos. Pessoas que vivem em situação precária e que se organizaram para buscar direitos básicos. O fato de frequentarem a igreja nunca os impediu de lutar. Ao contrário, há pastores e fiéis na linha de frente de manifestações e na organização de cozinhas solidárias.
Já passou da hora de superar caricaturas. Se queremos que a luta contra a desigualdade e por justiça social ganhe mais força nas periferias do Brasil, é imprescindível reconstruir as pontes —com respeito mútuo— entre o povo evangélico e a esquerda.
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