A lambança produzida no Orçamento aprovado pelo Congresso é conhecida: acotovelaram-se R$ 49 bi em emendas parlamentares, mais de R$ 30 bi delas de caráter não obrigatório, em detrimento de um maior espaço às urgências da população pelos efeitos do recrudescimento da pandemia sobre a saúde e a renda, além da retirada do auxílio emergencial do teto de gastos.
Sancionado na semana passada pelo presidente, após muito ruído e diz que me diz, a peça órfã trouxe algum corte nas emendas (R$ 11,9 bi) e nas despesas do Executivo. Retiraram-se do alcance do teto os gastos diretos com a pandemia, como o programa de corte de jornadas e salários e o de acesso a crédito pelas pequenas empresas, ambos a um custo total estimado de R$ 15 bi, embora, formalmente, não tenham sido estabelecidos limites --um mau presságio.
É falso, portanto, que não havia espaço no Orçamento, mas sim que, acolhidos os interesses menores e paroquiais, não couberam as necessidades maiores. Por mais que não se discuta a urgência das despesas estritamente relacionadas à pandemia, e até a eventual necessidade de excetuá-las do teto em 2021, como convencer a sociedade de que o Orçamento não comportava dois programas cujo custo é cerca de 30% do montante destinado às emendas parlamentares?
Como convencê-la de que o Brasil precisa continuar voando às cegas em suas políticas públicas, pois não foi possível acomodar R$ 2 bi para a realização do Censo? Como dizer que era infactível melhorar a dotação do Bolsa Família para, no segundo semestre, dar conta do fim auxílio emergencial? Como explicar para os 2.700 doutores aprovados por mérito no último edital do CNPq, entre os 4.300 que pediram bolsa, que apenas 400 deles serão contemplados pois "não tinha onde cortar"? Como dizer que foi inevitável passar a tesoura em R$ 1,35 bi da agricultura familiar (Pronaf)?
Como os espectros que produziram tal acordo político no Legislativo e no Executivo irão convencer seus eleitores de que tudo foi feito na melhor tentativa de representar os seus interesses? Como (e quando) irão prestar contas dos recursos gastos em tais emendas, muitas vezes de maneira pouco transparente?
Como explicar que os recursos federais repassados a alguns estados em 2020 foram utilizados para pagar despesas de custeio e 13º salário de funcionários públicos? Como racionalizar que foi possível derrubar um veto de 2009 e gerar uma despesa de R$ 2,7 bi para a União em 2021 ao permitir uma reestruturação de carreiras na Receita Federal?
Como encarar os brasileiros que perdem familiares, amigos, renda e emprego há mais de um ano? Como?
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