Recém-empossado desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Marcelo Semer deixará o Direito Público e voltará ao Direito Criminal, no qual trabalhou durante quase todo o tempo em que foi juiz do primeiro grau.
Mestre em Direito Penal e doutor em Criminologia pela USP, Semer foi juiz substituto na 10ª Câmara de Direito Público do TJ-SP desde outubro de 2013. (*)
“Eu estava muito bem no Direito Público e, se pudesse, lá teria permanecido, depois de sete anos e meio de excepcional convivência. Mas não abriu vaga. Aí meus amigos do Direito Criminal me convidaram para voltar. Como vou para uma câmara inteira de juízes com quem trabalhei e já convivi, certamente será um relacionamento amigável”, diz.
Quando foi promovido a desembargador, Semer escolheu a 14ª Câmara de Direito Privado, onde tinha vaga. De lá, vai permutar com o desembargador Nilo Cardoso Perpétuo, da 13ª Câmara Criminal, que se aposenta em maio.
Semer tomou posse no último dia 8, junto com os desembargadores Luis Roberto Reuter Torro e Luis Fernando Camargo de Barros Vidal.
O presidente do TJ-SP, Geraldo Pinheiro Franco viu no ato a continuidade de uma renovação. “Essa renovação não é apenas uma exigência natural, mas absolutamente necessária e desejada, porque representa a mensagem dos novos tempos, da vida em contínua transformação, o rejuvenescimento imprescindível à renovação do Direito.”
Semer assumiu o compromisso de “jamais abrir mão dos ideais que me guiavam há 31 anos, quando iniciava essa carreira, e que me guiam até os dias de hoje: compreender o papel de juiz como garantidor dos direitos e um defensor intransigente da Democracia”.
Solidariedade
Ex-presidente da AJD (Associação Juízes para a Democracia), Semer manifestou solidariedade à desembargadora Kenarik Boujikian e ao juiz Roberto Corcioli Filho, ambos alvo de censura aplicada pelo Órgão Especial do TJ-SP, punições anuladas pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Boujikian e Corcioli também são membros da AJD.
“Se o juiz deve decidir por princípios e não por políticas — até porque não foi eleito para isso — de diminutíssima valia, a não ser do ponto de vista retórico, é a análise das possíveis consequências de uma determinada decisão”, Semer afirmou em artigo no site Conjur.
Semer entende que “pautar a decisão criminal por certas políticas, como proposto, representaria a imersão naquilo que se acostumou a chamar de ativismo. Ou judicialização da política, impensável, sobretudo, na área penal ou da conexa infância e juventude infracional”.
Com a abertura, no início deste mês, de Processo Administrativo Disciplinar contra o juiz substituto Marcílio Moreira de Castro, de Araçatuba (SP), o tribunal paulista volta a enfrentar a polêmica sobre a independência dos juízes e os limites das corregedorias-gerais.
Uma contribuição de Semer a esse debate está no livro “Sentenciando Tráfico – O Papel dos Juízes no Grande Encarceramento”, versão adaptada de sua tese de doutoramento na USP, a partir de pesquisa de campo realizada com 800 sentenças de tráfico de drogas, envolvendo decisões de oito Estados, 315 municípios e 665 juízes.
Eis algumas conclusões do magistrado-escritor:
– A política criminal brasileira para as drogas conseguiu a proeza de reunir todos os defeitos: não ajudou a reduzir o consumo e manteve a distribuição em pleno crescimento; não cuidou efetivamente da saúde pública e produziu um desgaste sem precedentes nas forças policiais, além de ter impulsionado de forma contundente o encarceramento.
– Enquanto o homicídio mal representa 10% dos presos, quase um terço deles estão atrás das grades em razão do tráfico.
– Os réus são em regra pobres, as apreensões de dinheiro e de droga são modestas, há pouca coautoria e baixíssimo índice de apreensão de armas de fogo.
– Em expressiva maioria, os réus são primários e são presos sem maiores investigações. Os resultados dos processos, no entanto, apontam para um grau elevado de condenações, por volta de 80%, ampla aplicação da prisão cautelar, e penas três vezes superior ao mínimo fixado em lei.
– Cerca de 89% dos processos se iniciam com a prisão em flagrante – em 70% deles, pelos policiais militares. Pouco mais de 10% dos casos se iniciaram com investigações prévias, que levaram, por exemplo, a buscas e apreensões domiciliares ou interceptações telefônicas. O forte mesmo são as ações de patrulhamento, nos quais a seletividade das abordagens é historicamente conhecida.
– Concentrar a prisão nas ruas significa deixar de lado a droga de grandes transações ou mesmo as festas privadas. O pobre é, efetivamente, o grande alvo da abordagem policial – e, embora, a pesquisa em si não tenha tido recorte racial, em face da ausência de informações nas sentenças, sabe-se, por outros levantamentos, que o assédio é muito maior sobre a população jovem e negra.
Recentemente, Semer lançou o livro “Entre Salas e Celas: a dor e Esperança nas Crônicas de um Juiz Criminal”. Reúne crônicas que retratam o cotidiano das audiências criminais.
Crítica ao corporativismo
Semer apoiou a criação do Conselho Nacional de Justiça e critica o corporativismo do Judiciário.
Em dezembro de 2019, quando o CNJ anunciou a intenção de baixar resolução sobre o uso de redes sociais por juízes, ele declarou:
“Curiosamente, a resolução admite a necessidade que pode existir no debate pelos juízes de temas de interesse nacional e na defesa do Estado Democrático de Direito. Mas só permite esse debate aos ‘representantes legais de entidades e associações de classe, durante o exercício de seus mandatos’”.
“É o cúmulo do corporativismo”, disse o ex-presidente da AJD.
Antes da criação do CNJ, foi um dos poucos juízes que defendiam a existência de um controle externo, por entender que “políticas judiciárias poderiam (e deveriam) ser discutidas com a sociedade, considerando que o Judiciário é o único Poder que não é eleito e não se submete, periodicamente, ao crivo popular”.
Em 2017, Marcelo Semer recebeu da então presidente do CNJ, ministra Cármen Lúcia, premiação no 1º Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos.
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(*) Nascido em março de 1966, Marcelo Semer é natural de São Paulo (SP). Bacharelou-se em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), turma de 1987. Atuou como jornalista antes de ingressar na Magistratura. Em 1990 foi nomeado juiz substituto da 45ª Circunscrição Judiciária, com sede em Mogi das Cruzes. Nos anos seguintes judicou nas comarcas de Bariri e Sumaré e foi promovido a juiz auxiliar da Capital em 1992. Assumiu a 15ª Vara Criminal Central em 2005 e em 2013 foi removido para o cargo de juiz substituto em 2º Grau. Assume a carreira deixada pela desembargadora Denise Andréa Martins Retamero, em razão de sua aposentadoria. [Fonte: TJ-SP]
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