terça-feira, 20 de abril de 2021

Magistrados tentam evitar aval do STJ a delação de desembargadora presa, FSP

 José Marques

SÃO PAULO e SALVADOR

A possibilidade de o STJ (Superior Tribunal de Justiça) validar a delação de uma desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia, alvo da Operação Faroeste que investiga suspeita de vendas de decisões judiciais, tem movimentado outros magistrados em uma ofensiva jurídica contrária à colaboração.

Em março de 2020, a Polícia Federal prendeu a desembargadora Sandra Inês Rusciolelli em uma das fases da Faroeste. Também foi preso o filho dela, o advogado Vasco Rusciolelli, suspeito de ser o operador financeiro do esquema.

Mãe e filho foram denunciados sob acusação da prática dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro e de integrar organização criminosa. Segundo o Ministério Público Federal, os dois negociaram propinas de R$ 4 milhões e receberam, efetivamente, R$ 2,4 milhões.

Em uma ação controlada, a Polícia Federal conseguiu registros de Vasco Rusciolelli recebendo R$ 250 mil para a desembargadora dar decisão favorável a uma empresa.

Ambos firmaram uma delação premiada que implica outras autoridades baianas, mas os termos estão sob sigilo e sua validade ainda depende de homologação do ministro Og Fernandes, do STJ. Em setembro, Sandra Inês foi transferida para prisão domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica.

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A desembargadora Sandra Inês Rusciolelli, do TJ-BA, que propôs acordo de delação - Divulgação/TJ-BA

A apuração da Faroeste se expandiu com a ajuda de outras delações premiadas, já validadas pelo STJ. Além de magistrados, a operação tem investido sobre advogados que atuavam intermediando a venda de despachos, além de outras figuras do poder público suspeitas de participar de irregularidades.

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Até fevereiro de 2021, oito desembargadores já haviam sido afastados do Tribunal de Justiça da Bahia, além de outros três juízes. Três outras desembargadoras estão presas preventivamente, além de Sandra Inês, em regime domiciliar.

Na Operação Faroeste, segundo as apurações do Ministério Público, advogados intermediavam os interesses de pessoas que precisavam de decisões judiciais em seu favor e estavam dispostas a subornar magistrados.

Em alguns casos, os rascunhos de despachos apresentados por algum juiz ou desembargador eram elaborados por esses advogados, de acordo com a investigação. A operação também avançou sobre o Executivo e sobre o Ministério Público da Bahia, e há processos ligados a envolvidos em outros estados.

O ponto de partida para a Faroeste foram suspeitas de grilagem em uma área de 366 mil hectares no extremo oeste da Bahia, próximo à divisa com o Piauí —por isso o nome da operação. O terreno tem cinco vezes o tamanho de Salvador. Depois, descobriu-se que a área objeto de decisões supostamente compradas era próxima de 800 mil hectares.

Como desde o início envolveu suspeita sobre desembargadores, que têm foro especial, a operação tramita no STJ, sob a relatoria de Og Fernandes.

DELAÇÃO

A possibilidade de homologação da delação de Sandra Inês movimentou um grupo de magistrados, incluindo a juíza Nartir Weber, presidente da Amab (Associação de Magistrados da Bahia), entidade que representa os juízes do estado –entre os representados está a própria desembargadora que propôs a delação.

O advogado de Sandra e de Vasco, Pedro Henrique Duarte, não nega nem confirma que seus clientes tenham firmado colaboração. Mas ele também virou alvo das ações judiciais. E agora pede investigação contra a presidente da Amab por suposta obstrução de Justiça.

O motivo dos atritos é que, no ano passado, começaram a circular supostas versões da colaboração em grupos em um aplicativo de mensagens, com menções a outros juízes e desembargadores, relacionando-os a suspeitas de irregularidades.

Essas versões da delação nunca foram reconhecidas como autênticas e têm sido rechaçadas pela defesa de Sandra Inês, mas geraram pedidos de investigações sobre o suposto vazamento e contatos feitos à família da desembargadora.

Em áudios enviados a uma pessoa da família de Sandra Inês em 2 de setembro de 2020 e obtidos pela Folha, a presidente da Amab afirma que as negativas de soltura da desembargadora advinham do desejo de que ela delatasse. Também afirmou se preocupa com Sandra “porque a reação dos colegas em relação a ela foi muito, muito dura”.

“As pessoas ficaram muito chateadas, e a gente não sabe [os motivos], porque envolve muitos advogados, muita gente, é uma lista imensa, e fico até preocupada com a segurança dela”, afirmou a presidente da Amab, que disse ainda a ambas apagarem suas conversas no aplicativo de mensagens.

A presidente da Amab ainda afirma que gostaria de visitar Sandra Inês, que na época estava presa em regime fechado, mas disse achar que o encontro seria inoportuno e poderia ensejar suspeitas de que ela estaria tentando “convencê-la de alguma coisa”.

No mesmo áudio, a juíza Nartir afirma que no dia anterior, 1º de setembro, teria encaminhado um ofício à procuradora e à delegada responsáveis pelo caso para avisar sobre o vazamento da suposta lista da delação.

De janeiro a março deste ano, houve uma série de pedidos de providência tanto de sete magistrados mencionados na suposto termo de colaboração premiada quanto da presidente da Amab.

As petições dos magistrados foram enviadas ao STJ, com pedidos de consideração a respeito de eventuais vazamentos quando o ministro Og for decidir sobre a homologação. Também pedem acesso integral à delação.

Já as da juíza Nartir foram enviadas à subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, responsável pela operação no Ministério Público Federal, pedindo que investigue eventual vazamento de informações e afirmando que havia possível quebra de sigilo.

Além dos pedidos de providências, os sete magistrados, representados formalmente pela Amab, ingressaram com uma representação na Justiça baiana em março deste ano contra o advogado Pedro Henrique Duarte, que representa a da desembargadora e seu filho.

Na interpelação, eles citam o suposto protótipo da delação que circulou em redes sociais e afirmam considerar o conteúdo “altamente ofensivo à honra e imagem”, dos magistrados e permeado por calúnias, injúrias e difamações.

Na segunda-feira passada (12), foi a vez do advogado Pedro Henrique Duarte ingressar com uma petição na PGR acusando a presidente da Amab, juíza Nartir Weber, de obstruir o desenrolar das apurações da Operação Faroeste, “envidando esforços no sentido de desmoralizá-la e quem quer que com ela colabore”.

Ele cita o áudio enviado à família da desembargadora, classifica o seu teor como estarrecedor e acusa a presidente da Amab de ameaçar Sandra Inês.

“Ao invés de apoiar as investigações [...], a presidente da Amab prefere enveredar pelo caminho da impunidade, do acobertamento, da dissimulação”, afirma o advogado na petição.

Em nota à Folha, a presidente da Amab informou que, diante da circulação do que parecia ser uma delação premiada que expunha nomes de magistrados, foi instada pelos associados atingidos a tomar providências, o que motivou o pedido de abertura de investigação à PGR.

Sobre o áudio encaminhado à família de Sandra Inês, a juíza Nartir Weber diz que a desembargadora sempre buscou apoio da Amab e, após ser presa, seus familiares passaram a entrar em contato com ela buscando apoio institucional.

“A preocupação externada decorreu da exposição que naturalmente ela se submeteria, externada em um contexto de naturalidade e diálogo com alguém que buscava auxílio institucional”, afirma.

Sobre a petição da defesa de Sandra Inês que a acusa de obstrução de Justiça, a presidente da Amab disse desconhecer o seu teor, razão pela qual não iria se pronunciar.

A guerra de narrativas e versões tem sido uma marca da Operação Faroeste, que envolveu produtores rurais, magistrados políticos e até um falso cônsul.

Com a primeira fase deflagrada há menos de um ano e meio, a operação teve origem em uma disputa de terras na divisa da Bahia com o Piauí e o Tocantins e se expandiu com a ajuda de delações premiadas.

OUTRAS OPERAÇÕES E ESCÂNDALOS QUE ENVOLVERAM O JUDICIÁRIO

Operação Naufrágio
Em 2008, prendeu três desembargadores, após suspeitas de venda de sentenças. Foram denunciadas 26 pessoas.

Operação Expresso 150
Investigação apurava suspeita de vendas de sentença por desembargador do Ceará. Segundo denúncia, um grupo negociava pelo WhatsApp decisões favoráveis a presos durante o plantão judiciário, nos fins de semana em que o magistrado estava escalado para atuar​.

Operação Cosme
Em novembro, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal cumpriram busca e apreensão ligados a desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas, em apuração sobre suposto recebimento de propina para influenciar na solução e no andamento de processos judiciais.

Operação Plantão
Operação sobre suspeita de venda de liminares levou ao afastamento de um desembargador do Rio de Janeiro. Ordem foi dada pelo ministro do STJ Luiz Felipe Salomão, egresso do Tribunal de Justiça do Rio.

Operação Appius
Fase da Lava Jato de São Paulo, a Appius cumpriu em 2019 busca e apreensão em endereços ligados ao ex-presidente do STJ Cesar Asfor Rocha, aposentado em 2012. A intenção era investigar suspeita de pagamentos de propina com o objetivo de suspender e anular a Operação Castelo de Areia, considerada uma prévia da Lava Jato. A investigação acabou suspensa.

Caso Lalau
Protagonista de um dos maiores escândalos do Judiciário brasileiro, o ex-presidente do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo Nicolau dos Santos Neto, que ficou conhecido como Lalau, foi condenado em 2006 com o ex-senador Luiz Estevão pelo desvio de quase R$ 170 milhões do Fórum Trabalhista de São Paulo. Ele morreu em 2020, aos 91 anos.


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