Pouca gente se lembrava, até o Supremo Tribunal Federal deliberar sobre o tema, de que o Brasil tem instituído na legislação um programa que garante a todos os seus residentes, independentemente da condição socioeconômica, uma mesma renda básica.
A lei 10.835, de janeiro de 2004, é exemplo dos mais eloquentes de como boas intenções e medidas ambiciosas, até bombásticas, podem chegar ao papel sem produzir nenhum efeito prático.
Aprovado sem maior controvérsia pelo Congresso nos primórdios do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o texto servia como uma espécie de prêmio de consolação para a militância de esquerda e, em particular, para o então senador Eduardo Suplicy (SP), o mais notório defensor da proposta no país.
Na época, a administração petista estava mais preocupada com reformas e ajustes orçamentários, enquanto lançava um programa social bem mais realista —o Bolsa Família, com foco apenas nos estratos mais carentes da população.
A ideia de que o bem-sucedido Bolsa Família pudesse ser gradualmente ampliado até se converter em uma renda universal de cidadania caiu no esquecimento.
Nunca houve entendimento técnico e político para levar adiante uma empreitada cujos custos, a depender do formato adotado, podem atingir algo entre 5% e 10% do Produto Interno Bruto (a conta do Bolsa Família ronda 0,5% do PIB).
Passados 17 anos desde a sanção da lei, eis que o STF concluiu, na segunda (26), que o Executivo se omitiu na regulamentação do benefício —no que tem toda a razão.
A corte determinou que o programa seja implantado gradualmente a partir de 2022. Prevaleceu, porém, a tese de que seu alcance não deve ser universal, mas limitado a famílias com renda per capita até R$ 178 mensais. Nesse ponto, apesar da louvável preocupação orçamentária, os magistrados se aventuraram a legislar sobre o tema.
O debate, que é dos mais pertinentes, deve se dar no Congresso Nacional. Lá já tramitam propostas para o aperfeiçoamento e eventual ampliação das ações de seguridade. O projeto da Lei de Responsabilidade Social, por exemplo, constitui um bom ponto de partida.
Sob Jair Bolsonaro, o Executivo não tem sido capaz de apresentar nada relevante nessa matéria —o auxílio emergencial na pandemia foi movimento parlamentar.
Para que novas iniciativas não venham a cair no vazio, sua formulação precisa estar associada à discussão do Orçamento. Do contrário, serão inócuas ou, pior, gerarão crises que agravarão a pobreza.
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