Não canso de me chocar com imagens que colocam lado a lado o Irã dos anos 1970 com o mesmo país após a Revolução Islâmica de 1979. Vemos nas fotos atuais a deterioração completa do lugar da mulher na sociedade iraniana, a perda de liberdade de ambos os gêneros, o inferno da perseguição a credos e costumes, o controle da vida privada dos cidadãos. Mas atenção, sua versão jabuticaba não pode ser subestimada.
A marcha à ré acelerada que o povo brasileiro engatou recentemente é um projeto de tirar o fôlego e representa anseios autoritários antigos, como Lilia Schwarcz documenta em sua obra “Sobre o Autoritarismo Brasileiro” (Cia das Letras, 2019).Tem conseguido retrocessos em todas as áreas de forma ampla e irrestrita: velhíssima política, escola sem reflexão, Estado francamente religioso, agenda ambiental digna da Revolução Industrial, pauta de costumes ultraconservadora. Olhe para qualquer lado e você verá algo a ser denunciado e contra o qual lutar para que sejam mantidos direitos básicos, conquistados a duras penas.
No entanto, esse show de horror só tem como se instalar definitivamente se a educação for impedida de cumprir sua função primordial: instruir com crítica, informar, socializar, enfim, educar para a cidadania e para o bem comum, a partir da ciência, sem ignorar a subjetividade.
Se a transmissão geracional se deteriorar ainda mais, seremos sucedidos por uma geração para quem racismo, misoginia e outrasformas de opressão serão naturalizadas de forma programática e não haverá contraponto ao discurso hegemônico. Isso equivale a dizer que as crianças criadas no Estado fundamentalista não encontrarão nem nos livros de história —d evidamente censurados — a versão do Estado laico e democrático que o precedeu.
Então, se você luta contra a reprodução de relações sociais nas quais existam sujeitos com mais direito a viver do que outros e contra todo tipo de injustiça social, comece a se ocupar seriamente com o projeto que tramita atualmente no Congresso Nacional em favor da “educação domiciliar”.
O cavalo de Troia, que vai passando despercebidamente a partir do uso necessário e pontual da escola virtual durante apandemia, carrega em seu bojo o pior. Animados por lobbies da educação que vendem acessibilidade, democratização do ensino e desempenho, mesmo os progressistas têm tido dificuldade de lutar contra o risco iminente
Encampado pela ministra Damares Alves — que tem se mantido fora dos holofotes para melhor passar sua boiada—, o ensino domiciliar aponta para um caminho natural e inequívoco na direção do uso de recursos da educação (Fundeb) para financiar grupos religiosos e filantrópicos que assumam a tutoria pedagógica de um grupo considerável de crianças que se verão afastadas da escola presencial. Lembrando que o “bispo” Edir Macedo declarou publicamente que desaconselha sua filha a estudar, pois o estudo da mulher atrapalha o casamento — fica claro o rumo dessa conversa.
No Brasil a escola representa merenda, resistência ao trabalho infantil, vigilância contra a violência doméstica, convívio entre sujeitos de origens e costumes diferentes, igualdade de oportunidades, alternativa aos limites da família.
Entre interesses financeiros inescrupulosos, a retirada dos filhos de evangélicos do campo da escola presencial e a possibilidade de produção de material pedagógico próprio — projeto defendido há anos por OlavoTerra Plana de Carvalho —, alguém tem alguma dúvida do estrago irreversível que estão tramando sob nossos olhos?
Deputada Tabata Amaral, peço que diga não a mais essa terrível ameaça.
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