O povo diz que Deus limitou a inteligência para que os homens não invadissem Seus domínios. Pena não ter feito o mesmo com a burrice humana.
No Brasil e em outros países, têm ganhado força os movimentos de oposição às vacinas. É um contingente formado, sobretudo, por pessoas que tiveram acesso a escolas de qualidade e às melhores fontes de informação, mas acreditam piamente em especulações estapafúrdias sobre os possíveis malefícios da vacinação.
Os argumentos para justificar suas crenças contradizem as evidências científicas mais elementares. Afirmam que as vacinas debilitam o organismo, impedem o desenvolvimento do sistema imunológico, causam alergias, autismo, retardo mental e outros males.
Defendem essas crendices com ar de superioridade intelectual, como se estivessem diante de um interlocutor estúpido, incapaz de entender a lógica cristalina de suas ideias concebidas nos blogs e sites mais bizarros que infestam a internet. Não lhes falta segurança; vivem embrenhados numa floresta de certezas.
Esquecem que, se chegaram à vida adulta sem as sequelas motoras da poliomielite, as cicatrizes da varíola ou a infertilidade da caxumba, é porque as gerações que os antecederam não foram insensatas como eles. Com a prepotência que a ignorância traz, negam ao filho os cuidados preventivos que receberam de seus pais.
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Discutir com um desses sábios é tarefa mais inglória do que convencer um judeu a rezar virado para Meca ou uma evangélica a receber a Pomba Gira.
Quando o pediatra lhes recomenda vacinar as crianças, apelam para a teoria da conspiração: os médicos estariam mancomunados com a indústria farmacêutica, o governo e o capital internacional para explorar a boa fé de famílias indefesas.
Essas sumidades têm todo o direito de discordar dos médicos e dos avanços científicos, mas deveriam ser coerentes. Por que não aconselham os filhos a fumar? As filhas a fazer sexo sem proteção? Por que não amamentam os recém-nascidos com mamadeiras e leite em pó em vez de oferecer-lhes o seio materno, por pelo menos seis meses, como recomenda o mesmo Ministério da Saúde que vacina as crianças?
Nem todos os que deixam de completar o esquema vacinal dos filhos, fazem-no por ideologias de porta de botequim. Paradoxalmente, boa parte dessas crianças não é levada à Unidade de Saúde em virtude do sucesso dos programas de vacinação que tornaram raras essas doenças. Pais que não ouvem falar delas na vizinhança, tendem a menosprezar o risco que os filhos correm.
Esse descaso alimentado pelos grupos de ativistas que se comunicam pela internet, é responsável por mais de 7 mil casos de sarampo ocorridos em países europeus, nos quais a doença estava para desparecer.
Nasci num mundo sem vacinas. Tive sarampo, caxumba, catapora, rubéola e coqueluche, na época conhecidas como “doenças da infância”, espécie de tributo universal a ser pago por todos. Na escola e nas ruas, ouvíamos o som metálico das órteses mecânicas dos que sobreviviam à paralisia infantil. O menor sinal de febre e fraqueza nas pernas enlouquecia os pais.
Quando fiz internato do Hospital das Clínicas, na década de 1960, faltavam vagas na enfermaria de tétano. No Hospital Emílio Ribas, havia uma enfermaria para isolar os portadores de varíola, hoje erradicada do mundo. Na maturidade, entrei em coma e quase morri de febre amarela, pelo descuido absurdo de não renovar a vacina.
Avançamos muito em uma geração. Hoje, o Brasil é reconhecido como o país que organizou o maior programa de vacinações gratuitas, do mundo. Pessoas que se negam a imunizar os filhos não têm a desculpa da falta de recursos.
Os que alegam razões ideológicas assentadas em argumentos pseudocientíficos para não vaciná-los e os médicos que prescrevem vitaminas, extratos de plantas ou vacinas homeopáticas em lugar das que fazem parte do calendário do Ministério da Saúde, devem responder criminalmente por expor crianças ao risco de morte e a sociedade à disseminação de doenças quase extintas.
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