quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Ricardo Viveiros - A democracia depende da verdade, FSP

 

Ricardo Viveiros

Jornalista, professor e escritor, é doutor em educação, arte e história da cultura; autor, entre outros, de “A Vila que Descobriu o Brasil” (Geração), “Justiça Seja Feita” (Sesi-SP) e “Memórias de um Tempo Obscuro” (Contexto)

Logo depois das eleições municipais de 2024, foi dada a largada para as presidenciais em 2026. E o Brasil debate um tema cada vez mais relevante: fake news.

Pesquisa do Instituto DataSenado revela que 81% dos brasileiros acreditam que as notícias falsas podem influenciar significativamente os resultados eleitorais. Tal dado destaca a urgência de aprofundarmos o debate sobre desinformação e suas consequências para a democracia.

Big techs resistem a medidas regulatórias - Arun Sankar/AFP

De acordo com o mesmo levantamento, 72% dos entrevistados relataram ter encontrado notícias falsas nas redes sociais nos últimos seis meses que antecederam as eleições de 2024. Essa realidade levanta preocupações sobre a integridade do processo eleitoral, uma vez que a disseminação de informações enganosas pode distorcer a percepção pública e manipular a opinião dos eleitores. A produção de fake news é prática desonesta, que adultera informações e busca mudar a verdade. Tem crescido com o mal uso da inteligência artificial, porque a burrice natural segue sendo uma triste realidade.

Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, que investigaria a propagação de desinformação nas redes sociais, nasceu e morreu sem conclusões. E o projeto de lei sobre o tema, por que não anda? A necessidade de um combate mais rigoroso às fake news, com um olhar para 2026, poderá evitar um impacto perigoso sobre os resultados das urnas.

A pesquisa "Panorama Político" do DataSenado, realizada em junho do ano passado, entrevistou mais de 21 mil brasileiros de todos os estados e revelou que 72% dos usuários de redes sociais desconfiam de notícias que encontram online. Tal sentimento é um reflexo da dificuldade em identificar informações falsas, com 50% dos entrevistados considerando difícil a tarefa.

polarização política também desempenha um papel importante, com 29% dos brasileiros se identificando como de direita, 15% de esquerda e 11% de centro. Enquanto 40% não se alinham a nenhuma corrente política —o que preocupa ao mostrar a perigosa desesperança dos eleitores com a política. Cinco por cento nem sequer responderam.

A responsabilidade das plataformas de redes sociais na disseminação de fake news é outro ponto crucial. A pesquisa indica que 81% da população acredita que essas empresas devem ser responsabilizadas ao não impedir a propagação de informações falsas. Isso sugere um apoio crescente na implementação de filtros e políticas de moderação mais rigorosos. O que temos observado na prática é o contrário, como na decisão do executivo do Grupo Meta, que controla FacebookInstagram e WhatsApp, o norte-americano Mark Zuckerberg, anunciando o fim da checagem de fatos em suas plataformas. Ele usa a questionável justificativa de que há erros nos mecanismos verificadores, gerando censura. Como visa apenas lucro, esquece que liberdade de expressão exige responsabilidade de expressão.

Por fim, a pesquisa do DataSenado revela que um terço dos brasileiros está insatisfeito com a democracia, embora 66% ainda acreditem que é a melhor forma de governo. Esse desagrado pode ser exacerbado pela desinformação, que mina a confiança nas instituições democráticas. É fundamental fortalecê-las e garantir que o processo eleitoral seja transparente e justo. Que mentiras não contaminem os eleitores, ludibriando os fatos com falsas versões.

Para identificar fake news, deve-se observar: títulos exagerados; erros de ortografia em gramática; mensagens que incentivam o compartilhamento rápido; e a falta de fontes confiáveis —estes são alguns dos indícios de que a informação pode ser falsa. A conscientização sobre como reconhecer fake news é uma ferramenta essencial para proteger a democracia e garantir que os eleitores façam escolhas baseadas na realidade.

O combate às fake news é uma questão crucial que requer a participação de todos os setores da sociedade. À medida que nos aproximamos das eleições de 2026, é vital que os cidadãos estejam cientes dos riscos da desinformação e que as instituições trabalhem para garantir um ambiente eleitoral correto e transparente. A manutenção do Estado democrático de Direito, das liberdades constitucionais e da justiça social são nosso valioso patrimônio.

José Roberto Santin - Proibição não é prevenção: regulação é o melhor caminho para os vapes, FSP

 

José Roberto Santin

Doutor em ciências pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, com foco em toxicologia e análises toxicológicas; ex-presidente da Sociedade Brasileira de Toxicologia

Uma pesquisa do Ministério da Saúde divulgada no final de abril trouxe um sinal de alerta: o número de fumantes no Brasil registrou aumento no ano passado pela primeira vez desde 2007. O dado chama a atenção justamente porque o país já foi reconhecido globalmente por suas políticas antitabagistas bem-sucedidas, que levaram a uma redução significativa no número de fumantes nas últimas décadas.

O levantamento traz ainda outro dado revelador: 2,6% dos adultos no Brasil —o que equivale a cerca de 4 milhões de pessoas— são usuários de dispositivos eletrônicos (ou vapes), o maior percentual registrado nos últimos cinco anos. No entanto, esses produtos são proibidos no país desde 2009 por decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que ratificou e ampliou essa restrição no ano passado. Isso significa que todos os dispositivos atualmente em uso no Brasil são ilegais e não passam por nenhum tipo de controle sanitário.

Homem usa cigarro eletrônico - Carl Recine/Reuters

Não se sabe ao certo quais substâncias estão presentes nesses produtos nem em quais concentrações. A ausência de regulamentação, portanto, não elimina o consumo, mas o transfere para ambientes clandestinos e não fiscalizados, alimentando redes ilegais, elevando o risco toxicológico e dificultando tanto a atuação sanitária quanto as estratégias de educação em saúde.

É importante destacar que, embora a nicotina cause dependência, ela não é considerada uma substância cancerígena. Os principais responsáveis pelas doenças relacionadas ao tabagismo —como câncer de pulmão, enfisema e doenças cardiovasculares— são os produtos da combustão do tabaco, como alcatrão, monóxido de carbono e diversas substâncias tóxicas e carcinogênicas.

A nicotina é um estimulante que atua sobre o sistema nervoso central e o sistema cardiovascular, podendo aumentar a frequência cardíaca, a pressão arterial e o risco de doenças cardíacas e hipertensão a longo prazo. O uso crônico também pode impactar a função cognitiva, o humor e aumentar a vulnerabilidade à dependência.

Regulamentar não é incentivar o uso. É criar normas com critérios técnicos e científicos, protegendo não só a saúde dos usuários desses dispositivos, mas também prevenindo o acesso de pessoas que nunca tiveram contato com a nicotina. Enquanto o número de adultos fumantes aumenta no Brasil, países que já regulamentaram os dispositivos eletrônicos de entrega de nicotina vêm registrando quedas significativas nas taxas de tabagismo e nas vendas de cigarros. A redução de danos é uma abordagem reconhecida em saúde pública, já adotada por países como Reino Unido, Suécia, Japão e Canadá.

Simplesmente proibir não funciona —e, muitas vezes, o resultado é o oposto do esperado. Há 100 anos, os Estados Unidos viveram a chamada Lei Seca, que proibiu o comércio e o consumo de bebidas alcoólicas por 13 anos. O que se viu foi o fortalecimento do mercado ilegal e um aumento nos problemas de saúde provocados por produtos sem qualquer fiscalização. Precisamos aprender com os erros do passado para construir um futuro mais seguro, responsável e baseado em evidências científicas.