domingo, 20 de abril de 2025

Lula terá que governar com pouco dinheiro, ELio Gaspari, FSP

 Na semana passada os brasileiros souberam de duas novidades: é possível que haja vida no planeta K2-18b, a 124 anos-luz de Brasília, e foram avisados por Fernando Haddad e Simone Tebet de que em 2027 o governo não terá dinheiro para honrar os compromissos de verbas para a educação e a saúde.

A primeira novidade pertencia ao campo da busca do conhecimento. O telescópio James Webb varre o espaço desde 2021 procurando sinais de vida. A segunda novidade pertencia ao campo da empulhação, pois nada há de novo no fato de que o governo ficaria sem dinheiro para fechar suas contas, honrando os compromissos constitucionais.

A imagem mostra duas pessoas sentadas em uma mesa durante uma reunião. À esquerda, um homem com cabelo escuro e liso, usando um terno escuro e gravata, parece concentrado. À direita, um homem mais velho, com cabelo grisalho e barba, está com a cabeça baixa e uma expressão pensativa. O fundo é composto por um padrão de ondas em tons de azul.
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em evento no Palácio do Planalto - Gabriela Biló - 12.fev.25/Folhapress

Sabe-se pouco sobre o K2-18b, pois ele está a 124 anos-luz e uma notícia vinda agora de lá teria sido emitida em 1901, quando aqui na Terra um sinal de rádio de Guglielmo Marconi atravessou o Atlântico. Já o apagão orçamentário é coisa atual, por perene.

Em 2016 tentou-se conter os gastos do governo criando-se um teto constitucional para as despesas. Deveria vigorar por 20 anos, mas pfff. Apareceram PECs emergenciais e o teto acabou virando arcabouço. O teto caiu e o arcabouço está ruindo. Como avisa um sábio: "Lula não sabe governar com pouco dinheiro".

Percebidos o buraco de R$ 10,9 bilhões e a possibilidade de um apagão, entrou em cena o lero-lero: "Tem muitos desafios aí pela frente. Tem a questão dos precatórios. A gente precisa abrir uma discussão com a sociedade e com o próprio Poder Judiciário de como tratar esse tema, que ganhou tração no último governo", avisou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Os precatórios são dívidas da União que a Justiça mandou pagar. A sociedade tem pouco a ver com isso, afinal, ela é composta por famílias que pagam suas dívidas ou caem nas listas negras. Margaret Thatcher (1925-2013) ensinava: "Esse negócio de sociedade não existe. Existem homens, mulheres e famílias". Se existe, no Brasil seu santo nome é usado em vão, sobretudo para onerar homens, mulheres e famílias.

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A possibilidade de um apagão orçamentário para o próximo governo será cruel com o de Lula 3.0. Ele chegou à segunda metade do mandato sem qualquer vestígio de austeridade. Ministros aninharam-se em conselhos de estatais e até mesmo em empresas privadas para bombar seus rendimentos. O pacote de contenção de gastos revelou-se exercício de marquetagem. A única despesa deixada de lado foi a da compra de um novo avião, com chuveiro, para o presidente.

Antes de tudo, governos obrigam-se a passar a impressão de austeridade. Se o presidente dos Estados Unidos pede um hambúrguer à cozinha da Casa Branca, paga por ele. A Viúva só paga por eventos oficiais. Caronas privadas do Air Force One pagam pela viagem. Na Corte Suprema dos Estados Unidos, só o presidente tem carro oficial. Com seu gosto por gestos, quando o general De Gaulle foi para o palácio, em 1958, instalou um relógio na ala residencial para pagar a conta de sua luz.

Percebida a possibilidade do apagão orçamentário, os çábios de Brasília sopraram que poderá faltar dinheiro para os compromissos com a saúde e a educação. Para gastar, os ministérios são 39, mas quando se fala que vai faltar dinheiro, surgem logo esses dois.

Marcus André Melo - O Supremo e sua reputação, FSP

 Raros ministros de cortes supremas foram objeto de reportagens em revistas internacionais de prestígio, como The Economist. O tom da reportagem sobre o ministro Alexandre de Moraes é de reprovação. O desgaste da corte é evidente —e agora se internacionaliza. A questão relevante é: a reputação judicial importa? Segundo Nuno Garoupa e Tom Ginsburg, importa muito.

Em Judicial Reputation: A Comparative Theory, os autores argumentam que a reputação é central para a autoridade e eficácia das cortes, especialmente porque os juízes carecem, como diria Hamilton, "do poder da espada e do dinheiro". A partir de um modelo principal-agente, o livro propõe que os juízes são agentes da sociedade (o principal) e que a reputação funciona como um mecanismo para garantir conformidade, acesso a recursos e proteção institucional.

Sessão plenária do STF (Supremo Tribunal Federal), em junho de 2024 - Pedro Ladeira - 7.jun.24/Folhapress

A reputação é moldada por audiências internas (membros da corte e atores judiciais) e externas (mídia, políticos, público e academia). Os autores sustentam ainda que há uma tendência crescente de os juízes se voltarem para audiências externas, especialmente em contextos de maior transparência se há pressão pública. Entre essas tendências, destaca-se a internacionalização da reputação, por várias razões, como uma dinâmica praticamente inexorável.

Por outro lado, existe um importante trade-off entre a reputação individual dos juízes e a reputação coletiva da corte. No nosso caso, as decisões monocráticas exacerbam o problema. Entre os fatores que os autores identificam como prejudiciais à reputação do Judiciário está o envolvimento individual de juízes em funções não judiciais —empresariais, participação em comissões, elaboração de políticas públicas. Examinar o Supremo à luz dos achados do livro é um exercício de catalogação de anomalias.

As implicações mais graves do declínio da reputação judicial dizem respeito à vulnerabilização paulatina da instituição. Todas as tentativas bem-sucedidas de intervenção em cortes superiores na América Latina foram precedidas por uma perda gradual de confiança no Judiciário, motivada por ataques à sua reputação. É o que demonstra Gretchen Helmke em um estudo minucioso sobre interferências dos poderes Executivo e Legislativo nas supremas cortes de 18 países latino-americanos ao longo de 30 anos. Essas interferências assumiram formas diversas —nomeações e demissões irregulares, impeachments, aumento unilateral do número de juízes. Tais ataques são reações de líderes populistas a ameaças percebidas à sua sobrevivência política e tendem a ocorrer no início dos mandatos. A probabilidade de interferência é inversamente proporcional ao grau de confiança da população no Judiciário. E há aqui um mecanismo perverso: a popularidade presidencial tende a subir após os ataques.

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A confiança nas instituições judiciais na América Latina é, em geral, baixa —e apenas mediana no Brasil. É curioso observar que todos os ministros do STF têm avaliação negativa superior à positiva, segundo pesquisa da Atlas/Intel. Ou seja, as reputações individuais não superam a reputação coletiva.

Quanto mais poder acumulam os tribunais superiores, maiores são os incentivos para controlá-los. O controle do STF tornou-se o objetivo central da disputa política no país. O que afeta sua reputação. As consequências são incomensuráveis.


Atingidos por mortandade de peixes no Tietê reclamam de valor liberado por SP, FSP

 Simone Machado

São José do Rio Preto (SP)

O Governo de São Paulo começou a liberar na segunda-feira (14) uma linha de crédito emergencial no valor de R$ 2,5 milhões para pescadores e piscicultores afetados pela mortandade de peixes no rio Tietê na região de São José do Rio Preto e Araçatuba, no interior de São Paulo. Os valores, porém, não agradaram os profissionais afetados.

Estimativa da Associação Paulista de Piscicultores aponta que o prejuízo chega a R$ 11 milhões. A linha de crédito disponibilizada por meio do Fundo de Expansão do Agronegócio Paulista, que tem juro zero, possui o teto de R$ 5.000 para pescadores artesanais e de até R$ 20 mil para piscicultores.

Procurada, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento afirmou que "o valor total da linha [de crédito] poderá ser suplementado em caso de necessidade da cadeia produtiva".

A imagem mostra uma área de água verde, onde vários peixes mortos flutuam na superfície. A água reflete a luz do sol, criando um brilho na superfície. Na borda da imagem, há uma margem de pedras e vegetação seca.
Pescadores reclamam do subsídio de R$ 5.000 que seria insuficiente

Criador de tilápias há cinco anos, o piscicultor Nelson Benedito Moreira contabilizou a perda de 30 toneladas de peixes, um prejuízo estimado em R$ 1 milhão.

Ele possui tanques para criação no afluente do rio Tietê em Ubarana (SP). As perdas começaram no mês passado, quando a água do rio ficou verde, com aspecto denso e cheia de algas.

"Em um dos tanques os peixes já estavam grandes, alguns com dois quilos, prontos para serem vendidos para a Semana Santa e perdi tudo. No outro, ainda eram de tamanho médio e também não salvou nada. Tive que descartar tudo", diz.

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Ainda segundo Moreira, o crédito de R$ 20 mil oferecido pelo governo estadual não é suficiente para cobrir os prejuízos e ele ainda não sabe se vai seguir com a criação de tilápias no local.

"Se eu pegar esse empréstimo só vai aumentar o meu prejuízo, porque como vou pagar se não tenho mais peixe para vender? Acredito que o ideal seria o Governo nos ajudar a fazer a criação em tanques piscinais", acrescenta.

A imagem mostra uma superfície de água coberta por uma camada espessa de algas verdes. As ondas da água estão visíveis, criando um efeito de ondulação na superfície. Algumas partes da água estão mais claras, possivelmente indicando a presença de peixes ou outros organismos subaquáticos.
Água do rio Tietê e seus afluentes ficou esverdeada causando a mortandade de toneladas de peixes

Mauro Gusmão, pescador e que também depende do rio Tietê para levar o sustento para casa, ressalta que, além do prejuízo, há a incerteza sobre quando voltará a pescar.

"Todo ano a água fica esverdeada, mas é só nas margens. Como aconteceu neste ano, eu nunca tinha visto, o rio todo ficou verde", disse. "Vou tentar fazer um bico em outras coisas para repor esse prejuízo, porque os R$ 5.000 não dão para nada. Os peixes têm um ciclo, precisam de tempo para crescer, não sei quando vamos voltar a pescar".

O noroeste paulista é responsável por 70% da produção de tilápia no estado de São Paulo. A Peixe SP (Associação de Piscicultores em Águas Paulista e da União) também criticou o valor liberado e afirma que está em contato com o Governo Estadual para que novas medidas sejam tomadas para ajudar o setor.

"Esse valor na piscicultura não faz nada. Para se ter ideia, uma produção pequena de 10 toneladas de tilápia, só de ração, o gasto é de R$ 50 mil por mês. Então essa linha de crédito realmente não ajuda em nada a piscicultura", diz.

Causas da mortandade

O fenômeno que afeta diretamente o rio Tietê, seus afluentes e toda a cadeia produtiva do local, acontece devido a vários fatores como alterações na qualidade da água devido às chuvas e despejos irregulares de poluentes.

A cor esverdeada é devido a reprodução excessiva de algas que afetam o oxigênio da água causando a mortandade dos peixes. Essa reprodução de algas em grande quantidade é devido ao excesso de nutrientes na água, que são provenientes de esgoto doméstico, fertilizantes usados na lavoura e vinhaça, que vão parar no rio devido às chuvas, que são mais constantes nessa época do ano.

Na tentativa de coibir o despejo irregular, o Governo estadual criou o Grupo de Fiscalização Integrada das Águas do Rio Tietê formado pela Semil (Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística) e suas vinculadas (Cetesb, Fundação Florestal e SP Águas), além da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, Polícia Militar Ambiental, Comitês de Bacias Hidrográficas e prefeituras municipais.

Em três semanas de operação, o grupo percorreu 2.348 quilômetros do rio e fiscalizou 188 mil hectares de áreas de preservação ambiental às suas margens.

Segundo o Grupo, foram emitidos 25 autos de infração ambiental, totalizando pouco mais de R$ 121 mil em multas. Dessas infrações, 11 estavam relacionadas ao desmatamento irregular, cinco ao descumprimento de Termos de Compromisso de Recuperação Ambiental, duas à fauna silvestre, uma à pesca irregular e uma por infração administrativa.

Já a Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) vistoriou sete Estações de Tratamento de Esgoto e quatro empresas, além de coletar 22 tipos de amostras para análise. Também foi instalada uma sonda e realizadas coletas nas cidades de Zacarias, Ubarana e Mendonça, todas no noroeste do estado.