quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Ofensiva policial em Paraisópolis, FSP

 Vicente Vilardaga

São Paulo

Nos últimos cinco dias, a favela de Paraisópolis, na zona Sul de São Paulo, foi alvo de uma implacável ofensiva policial. Tudo começou no dia 2, depois que o tenente da Polícia Militar Ronald Quintino Correia, de 50 anos, foi baleado com dois tiros de fuzil, um no braço e outro no ombro, durante um serviço de rotina na comunidade.

Um suspeito também foi baleado e encaminhado para o Hospital Universitário da USP (Universidade de São Paulo). Um fuzil e munições foram apreendidos. A polícia faz diligências para identificar outros envolvidos no caso. As investigações estão sendo conduzidas pelo 89º Distrito Policial.

Desde então, a favela foi tomada por policiais do 16º Batalhão da Polícia Militar, que responde pela área, do COE (Comandos e Operações Especiais) e do Baep (Batalhão de Ações Especiais).

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública informou que intensificou o policiamento na região para garantir a segurança da população e combater atividades ilícitas. Disse também que nenhum desvio de conduta dos policiais será tolerado.

Fila de viaturas na favela de Paraisópolis
Fila de viaturas em Paraisópolis: nos últimos cinco dias comunidade esteve sob forte vigilância

No último fim de semana, Paraisópolis também estava sendo policiada pela cavalaria e havia seis comandos espalhados pela favela, um deles na avenida Hebe Camargo, que vai da ponte João Dias até a avenida Giovanni Gronchi.

Os moradores temem que se repita o que aconteceu no final de 2022, quando, durante uma visita do então candidato a governador Tarcísio de Freitas, houve um tiroteio na localidade e um homem chamado Felipe Silva de Lima, de 27 anos, foi morto.

Na ocasião, Tarcísio falou que se tratava de um atentado e que sua equipe havia sido atacada por criminosos. O que se seguiu a esse incidente foi uma grande ação repressiva que limitava a movimentação e ameaçava os habitantes da comunidade.

Favela de Paraisópolis
Moradores temem que uma nova situação de violência policial extrema se repita na favela

O vice-presidente da União dos Moradores de Paraisópolis, Janilton Jesus de Oliveira, diz que a situação nos últimos dias tem sido extremamente tensa, com muita truculência policial. "Eles entram em vielas e colocam fuzis na cara das pessoas", conta. "Apesar da hostilidade, felizmente ainda não aconteceu nenhuma morte e nem há feridos."

Oliveira afirma também que circulam pela favela um grande número de viaturas enfileiradas para intimidar a população. Havia policiais com motocicletas por toda parte.

"O que a gente sente é que eles já estão premeditando outra ação covarde e, para evitar isso, os moradores estão fotografando e filmando tudo que acontece", diz.

Ação policial em Paraisópolis
O 16º Batalhão da Polícia Militar, responsável por Paraisópolis, é o mais letal de São Paulo

Até ontem, comandos vinham sendo montados no local e policiais vigiavam motociclistas. Um vídeo divulgado pela União dos Moradores mostra um desses motociclistas sendo agredido dentro de uma loja de acessórios para telefones celulares. O homem, de 34 anos, suspeito de integrar uma facção criminosa e foragido da Justiça, foi detido.

A Secretaria de Segurança Pública informou que na operação de ontem foram apreendidos "104 tabletes de pasta de cocaína, duas mil porções de maconha e 1,9 mil papelotes de cocaína, causando prejuízo ao crime organizado".

Um estudo do Caaf, da Unifesp, e da Defensoria Pública, divulgado em meados do ano passado, mostra que o 16º Batalhão da Polícia Militar é um dos mais letais da cidade, responsável pela morte de 337 pessoas entre 2013 e 2023. Em 2019, houve um massacre em uma baile funk na favela. Doze jovens morreram e nove ficaram feridos.

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Hélio Schwartsman - Leis podem ser uma mina de ouro, FSP

 Leio no UOL que o extintor de incêndio veicular poderá voltar a ser obrigatório. Um projeto de lei (PL) com esse teor já passou na Câmara e aguarda votação no Senado. O PL anula resolução de 2015 do Conselho Nacional de Trânsito que tornou o equipamento opcional em carros de passeio.

A lógica que anima a proposta é linear. Veículos podem pegar fogo, de modo que a exigência do extintor é medida que protege a vida e a integridade física de todos. É preciso, porém, cuidado com essa lógica de ampliar a segurança.

Nunca sair de casa sem um paraquedas é algo que aumenta sua segurança pessoal. Você sempre pode ser sequestrado por piratas aéreos e ter de fugir pulando do avião. Só que a probabilidade de isso ocorrer é tão ínfima que nem indivíduos com inscrição ativa na ordem dos malucos cogitam de carregar o paraquedas a tiracolo.

Idealmente, qualquer regulação que imponha custos aos cidadãos deve estar amparada em estudos ou análises que mostrem que os benefícios superam os ônus. O PL do extintor não aponta nenhum trabalho assim.

Na verdade, o simples fato de não termos visto nenhuma explosão no número de queimados em acidentes automobilísticos após o fim da obrigatoriedade é um bom indicativo de que o equipamento não é muito necessário.

Isso nos remete ao problema da captura de reguladores por interesses particulares. Estamos falando aqui de um mercado de mais de 100 milhões de veículos cujos proprietários teriam de adquirir extintores ou renovar sua carga.

Não é um problema fácil de resolver, pois, na democracia, algumas pessoas necessariamente detêm o poder de tomar decisões que afetam a todos e não há como blindá-las inteiramente de influências espúrias. Só o que podemos esperar é que casos muito gritantes de lobby gerem algum tipo de revolta popular que os inviabilize.

Vale destacar que o caso dos extintores é café pequeno perto, por exemplo, dos jabutis do setor elétrico, que encarecem nossas contas de luz em 11%. Ou das exceções que entraram na reforma tributária. Nossos reguladores são a proverbial presa fácil.

Alvaro Costa e Silva - l Em defesa da bala, bet, boi, Bíblia e o diabo, FSP (definitivo)

 Não só as emendas Pix —instrumento sem transparência em que a verba cai direto na conta das prefeituras e governos estaduais e cujo valor foi multiplicado por 12 desde 2020— definem o Congresso. O parlamentar de sucesso segue uma receita.


Com auxílio da IA, um estudo do jornal O Globo mostrou que os discursos em plenário encolheram 39% no século 21. Falas longas e elaboradas não cabem na modernidade que exige cortes precisos para divulgação nas redes sociais. Um Carlos Lacerda hoje, com sua oratória eloquente e de português compreensível, seria visto como estranho no ninho. Logo um colega de Rondônia iria chamá-lo num canto e dizer ao pé do ouvido: uma peruca colorida faz muito mais efeito. Atualize-se, rapaz. Compre um celular e o mantenha sempre ligado. Registre qualquer coisa, principalmente as mais insignificantes.

Plenário da Câmara dos Deputados durante sessão não deliberativa - Pedro Ladeira - 12.ago.24/Folhapress

A cartilha de modos e maneiras determinou que em 2024 a Câmara adotasse um ritmo acelerado, com o objetivo de aprovar o maior número de projetos. Pouco importa que, ao chegar ao Senado, a casa revisora, haja rejeição. O negócio é causar polêmica —não, polêmica é uma palavra antiga e gasta. O negócio é lacrar.

Esse açodamento não permite a discussão e o debate aprofundado dos temas, os quais podem ou não interessar à sociedade, mas que no fundo são mais importantes para eles próprios, os deputados, que se agrupam para defender as bets, a bala, o boi, a Bíblia e o diabo a quatro.

Foi assim que surgiu, nos últimos dias de Arthur Lira à frente da Câmara, uma proposta de 115 artigos, cuja medida central é a criação de uma tal Associação Interfederativa para a Cooperação no Enfrentamento ao Crime Organizado Transnacional. Nome mais enfeitado, impossível.

No pacote estão a castração química para pedófilos, a anistia para portadores de armas ilegais (alô, alô, milicianos!), a liberação e a aquisição de armas para quem é investigado ou condenado (alô, alô, traficantes!), a permissão a juízes de aplicar a pessoas inimputáveis períodos de 20 anos de internação e um dispositivo que é o famigerado excludente de ilicitude —só que disfarçado. A turma não trabalha: atrapalha.