terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Eduardo Sodré - Novas fábricas aumentarão capacidade da indústria automotiva em 2025, FSP

 O início das operações fabris das chinesas BYD e GWM vai aumentar a capacidade de produção da indústria automotiva nacional a partir de 2025.

Somadas, essas empresas terão potencial para montar 500 mil unidades por ano, número que pode ser atingido até o fim da década. Entretanto, trata-se de um resultado que dificilmente será alcançado.

Funcionário trabalha na linha de produção da chinesa GWM em Rayong, na Tailândia - Wang Teng - 12.jan.24/Xinhua

A Anfavea (associação das montadoras) estima que o parque industrial instalado hoje no país tem capacidade para fabricar 4,2 milhões de veículos leves e pesados por ano. Contudo, há 45% de ociosidade nas linhas de produção, e parte desse problema se deve às importações feitas pelas empresas chinesas nos últimos dois anos.

Essas montadoras ainda não revelaram quais são as metas para conteúdo local de seus produtos, algo que terá impacto direto nas regiões em que estão instaladas. Quanto maior a produção nacional de componentes, maior será a geração de emprego e renda na indústria.

Por enquanto, a GWM confirma a contratação de 700 funcionários até o início das operações da fábrica de Iracemápolis (interior de São Paulo). A previsão é que a montagem tenha início em maio.

"Inicialmente construída para ter uma capacidade instalada de 20 mil veículos por ano, a fábrica da GWM será ampliada e modernizada para atingir a capacidade produtiva de 50 mil unidades dentro de três anos", diz o comunicado divulgado pela empresa.

Já a BYD prevê a abertura de 2.000 vagas em Camaçari (BA) neste mês, seguidas por mais 3.000 em maio e outras 5.000 em agosto. A montadora, que pretende ter uma planta capaz de fazer 450 mil veículos por ano, vai iniciar a produção ainda no primeiro semestre.

No momento, a fabricante busca recuperar a imagem após uma força-tarefa afirmar ter resgatado 163 trabalhadores chineses em condições análogas à escravidão nas obras da fábrica baiana. Os funcionários foram contratados pela empreiteira terceirizada JinJiang, que nega as acusações.

Há ainda novas montadoras que devem anunciar linhas de produção local ao longo de 2025, como Neta, GAC e Omoda/Jaecoo. Nesses casos, a montagem local deve ter início entre 2026 e 2030.

O sucesso desses empreendimentos depende não só do crescimento do mercado nacional. É necessário expandir as exportações, sem as quais há o risco de a capacidade ociosa da indústria automotiva aumentar ainda mais.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Para Michael Walzer, liberal não define o que se é, mas como se é, João Pereira Coutinho - FSP

 João Pereira Coutinho

Flanando pelas ruas de Edimburgo, leio nesta Folha o artigo de Deirdre McCloskey sobre os verdadeiros liberais.

Sorrio. Estou no lugar certo: foi aqui, na Escócia, em pleno século 18, que a palavra "liberal" surgiu pela primeira vez em inglês com conotação abertamente política.

Um pormenor, porém, merece ser realçado: "liberal" nasceu como adjetivo antes de se tornar substantivo. Como explica o economista Daniel Klein, que tem estudado essas arqueologias conceituais, foram iluministas escoceses, como Adam Smith, que definiram como liberal um sistema de governo que permite a cada um procurar os seus interesses e fins de vida, desde que respeitando a lei geral.

A palavra acabaria por evoluir até se cristalizar numa ideologia política —o liberalismo— e num substantivo —o liberal. E, como normalmente acontece com ideologias, surgiram escolas, subescolas, sub-subescolas, que se guerreiam e se excomungam.

Mas haverá alguma vantagem em retornar ao adjetivo? E, em caso afirmativo, será possível encontrar espíritos liberais nos lugares mais inusitados?

O filósofo Michael Walzer, em ensaio testamentário, se ocupa dessas questões todas citadas.

O título e o subtítulo resumem o espírito da sua obra: "The Struggle for a Decent Politics: On ‘Liberal’ as an Adjective" (ou em português, a luta por uma sociedade decente: sobre ‘liberal’ como adjetivo, Yale, 184 págs).

Cachos da peruca de Adam Smith se desenrolam como pergaminhos com escrituras
Ilustração de Angelo Abu para coluna de João Pereira Coutinho de 7 de janeiro de 2025 - Angelo Abu/Folhapress

Eis a proposta de Walzer: hoje, a palavra liberal deveria ter uma dimensão essencialmente moral. Ser uma pessoa liberal significa, em traços gerais, ter uma mente aberta, ser generoso, ser capaz de aceitar a ambiguidade, condenar o fanatismo e não tolerar a crueldade.

Como escreve o filósofo, "liberal" não define o que se é, mas como se é. É uma forma de estar na vida, de agir em sociedade, de nos relacionarmos com os outros. Com liberalidade.

Isso significa que o número de liberais pode ser bem maior do que Deirdre McCloskey imagina. No seu artigo, McCloskey fala em progressistas, libertários —e liberais "suficientes", como ela.

Mas Walzer é mais generoso (mais liberal?) com a fauna humana. Conservadores liberais, nacionalistas liberais, democratas liberais, até socialistas liberais têm espaço nessa arca de Noé. "Liberal", quando aplicado a cada um desses nomes, é uma forma de evitar que as ideologias degenerem nas suas piores versões, mantendo ainda um respeito primordial pela liberdade e dignidade humanas.

Usando os exemplos de Walzer, um democrata liberal respeita a vontade da maioria. Mas também entende que as maiorias necessitam de limites constitucionais que muitas vezes frustram as pulsões da multidão.

Há quem discorde. Há quem prefira uma democracia "iliberal", como acontece na Hungria de Viktor Orbán. É um desejo arriscado: quando tudo depende da maioria, é melhor você ter a certeza de que nunca estará entre a minoria que participa.

E que dizer de socialistas liberais, esse supremo paradoxo?

Walzer não fala, obviamente, de ideologias totalitárias, como o comunismo. Fala da tradição social-democrata que aceita a "liberdade civil burguesa" como forma de atingir uma sociedade menos desigual.

Um socialista liberal não abandona o seu desejo de igualdade; mas entende que esse destino deve ser trilhado por via democrática, sem atropelo de direitos fundamentais e fazendo uma distinção entre desigualdades toleráveis e intoleráveis.

Ou, como escreve Walzer, é tudo uma questão de convertibilidade: há coisas que o dinheiro pode comprar e outras que não pode. É indiferente se os mais ricos compram artigos de luxo que estão inteiramente vedados à restante população.

Não é indiferente se apenas os mais ricos têm acesso a saúde, justiça ou influência política.

Por último, Walzer dedica algumas linhas aos "professores liberais", esse artigo cada vez mais raro nos departamentos de humanidades. Como reconhecer um?

Muito fácil: um professor liberal é aquele que, apesar das suas convicções mais firmes, não as impinge aos alunos como a última verdade revelada. Ou, então, é aquele que apresenta visões contrárias à dele com a honestidade intelectual possível.

Imagine um professor progressista que apresenta argumentos conservadores sem hostilidade ou caricatura. Ou vice-versa.

Eu não disse que este era um artigo para lá de raro?

Sim, os liberais podem ser divididos em vertentes clássicas, modernas, ordoliberais, libertárias, neoliberais, o diabo.

Mas a questão decisiva é saber primeiro se estamos na presença de liberais liberais.

De Faulkner a Oswald: o espetacular domínio público de 2025, Ronaldo Lemos, FSP

 "O passado nunca está morto. Ele não é nem mesmo passado". A frase de William Faulkner não poderia ser mais adequada para celebrar o domínio público de 2025. Afinal, seu livro O Som e a Fúria é uma das obras-primas que acabaram de ser promovidas ao domínio público nos EUA no último dia 1º de janeiro.

É sempre assim. Logo no primeiro dia do ano uma quantidade avassaladora de obras tem o prazo de proteção pelo direito autoral expirado e se tornam bens comuns de toda a humanidade. Podem então ser livremente publicadas, traduzidas, adaptadas, editadas sem a necessidade de autorização.

Oswald de Andrade aos 58 anos
Oswald de Andrade aos 58 anos - Unicamp

Este ano está espetacular. Na literatura, além de Faulkner, temos Adeus às Armas de Ernest Hemingway, Um Quarto Só Seu de Virginia Woolf e Colheita Sangrenta de Dashiell Hammett. O curioso é que o título "O Som e a Fúria" é ele próprio uma utilização do domínio público. Faulkner pegou a frase de Shakespeare em Macbeth: "A vida... é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, significando nada". A partir de agora qualquer pessoa pode fazer com Faulkner o que ele fez Shakespeare.

Quanto ao cinema, o domínio público deste ano está mais marxista do que nunca. Não no sentido Karl, mas no sentido Groucho. O primeiro filme dos Irmãos Marx, chamado Os Cocos, acabou de se tornar bem comum. Vários filmes do Mickey Mouse também entram no domínio público deste ano, inclusive a primeira versão do ratinho usando luvas brancas (a primeira versão do personagem, que se tornou livre no ano passado, ainda não usava). O primeiro filme falado de Hitchcock também é nosso agora, chamado Chantagem e Confissão.

Outra novidade bombástica é que a primeira versão do marinheiro Popeye juntou-se ao domínio público. Nesta versão ele já tinha poderes sobre-humanos. Mas ainda não comia espinafre. Ele começou a comer espinafre só em 1931, então essa característica do personagem ainda esperará por mais dois anos para ser nossa.

Na música a seleção é de tirar o chapéu. Nada mais, nada menos que a composição de Um Americano em Paris de George Gershwin está agora no domínio público. Além dela, a famosíssima composição de Cantando na Chuva, o Bolero de Ravel e a deliciosa Ain´t Misbehavin´ de Fats Waller.

Já no campo dos fonogramas (as músicas gravadas propriamente ditas), temos Rhapsody in Blue de George Gershwin executada pelo próprio e It Had to Be You gravada por Marion Harris e a Isham Jones Orchestra.

No Brasil é ano de festa também. Toda a obra de Oswald de Andrade foi promovida ao domínio público este ano. Dá para fazer o que quiser com o Manifesto Antropófago, o Rei da Vela, Serafim Ponte Grande e muito mais. Aliás, ter Oswald no domínio público é um luxo para a humanidade. Uma verdadeira celebração das suas ideias: "Só a ANTROPOFAGIA nos une. Tupi or not Tupi, that is the question. Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago. Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Comi-o". Desejo muitas comilanças em 2025!

A regra sobre quando uma obra entra em domínio público varia de acordo com a lei de direitos autorais de cada país. No Brasil, os direitos autorais cessam 70 anos após a morte do autor. Nos EUA, o prazo geral é 95 anos apos a publicação, mas essa regra geral tem várias exceções e detalhes, que variam inclusive dependendo do tipo de obra.

Já era – não valorizar nem celebrar o domínio público

Já é – Oswald de Andrade em domínio público em 2025

Já vem – Carmen Miranda em domínio público em 2026