terça-feira, 5 de novembro de 2024

Gustavo Alonso - A eterna juventude da gerontocracia, FSP

 O maior risco da possível eleição de Donald Trump para presidente dos EUA não é só o golpismo latente do empresário populista, mas a consolidação da gerontocracia na principal democracia do Ocidente. Queremos mais velhos no poder?

Trump caminha, de braços abertos, sobre uma passarela com sete bandeiras dos Estados Unidos hasteadas a seu redor. Em torno da passarela, apoiadores o filmam e fotografam com celulares.
Donald Trump participa de comício no estado do Michigan - Kamil Krzaczynski - 5.nov.2024/AFP

O termo gerontocracia, de origem grega, se refere a uma forma de poder oligárquico em que a população é governada por líderes que são significativamente mais velhos do que a maior parte da população adulta. Historicamente, isso sempre aconteceu. Mas a longevidade dos políticos idosos nunca durou tanto, como acontece hoje nos EUA e, em alguma medida, em boa parte do Ocidente.

A média de idade nos EUA é hoje a mais alta da história: 38,9 anos. Dentro do Legislativo, 24 deputados e senadores têm mais de 80 anos. Um em cada 5 congressistas têm mais de 70, o que faz da profissão uma das mais idosas da nação em média. Apenas cerca de 7% do Congresso tem menos de 40 anos.

A decisão de Joe Biden de abrir mão da candidatura foi uma vitória do bom senso sobre a gerontocracia. Biden assumiu a presidência com 78 anos, quando bateu o recorde de Trump, que havia sido o presidente mais velho eleito nos EUA, então com 70 anos, em 2016. Se Trump ganhar este ano, se tornará o presidente mais velho a assumir o cargo. Se completar o mandato, terá sido o mais velho de toda a história americana.

Os atuais idosos já foram jovens. Um dado curioso é que foi a atual geração de idosos que inventou a noção de juventude no Ocidente.

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Até meados dos anos 1950, não havia a noção de juventude tal como a entendemos hoje e passava-se da infância direto para a vida adulta. Festas de 15 anos para as meninas, e o uso de calças compridas para os meninos demarcavam estes marcos. Com o advento da cultura jovem, tudo mudou.

Desde a segunda metade do século 20 associamos a juventude a uma época de rebeldia, contestação, hormônios à flor da pele, de modas e posturas que diferenciam os jovens das crianças e dos adultos. A geração formada entre os anos 60 e 70 viveu intensamente a ascensão do poder jovem e se esmerou em repudiar os velhos governantes.

No entanto, aqueles "velhos governantes" hoje não seriam tão velhos assim. Getúlio Vargas tinha 72 anos quando se suicidou. Ernesto Geisel, o mais velho governante da ditadura militar, tinha 71 anos quando deixou a Presidência. Quando morreram e abandonaram o poder na URSS, Stálin e Brejnev, tinham 75 anos. A dama de ferro, Margaret Thatcher, tinha 65 anos quando deixou o cargo de primeira-ministra inglesa.

François Mitterrand, presidente da França, e Ronald Reagan, dos EUA, deixaram o poder com 78 anos. Idosos para a época. Mas não o bastante para a gerontocracia atual.

Lula foi o presidente mais velho a assumir no Brasil, aos 77 anos, 2 meses e 5 dias. Caso ele tente a reeleição em 2026 terá 81 anos. Daniel Ortega, o ditador da Nicarágua, fará 79 anos este mês. Fidel e Raúl Castro, irmãos gerontocratas, só abandonaram o poder em Cuba quando não tinham mais condições físicas de governar. Fidel largou o osso aos 82 anos. Raul, aos 87.

O poder jovem envelheceu. Mas a sede de poder permanece. Como já escreveu o poeta Paulo Leminski, "o poder é o sexo dos velhos".

Poucos votos terão grandes repercussões nos EUA, editorial FSP

 

Kamala Harris durante um comício de campanha em 31 de outubro e Donald Trump em comício em 1º de novembro de 2024 - David Becker e Kamil Krzaczynski/AFP

Mais de 240 milhões de pessoas estão aptas a eleger quem presidirá os Estados Unidos pelos próximos quatro anos. Mais de 160 milhões de escrutínios serão apurados a partir desta terça-feira (5) caso o comparecimento, facultativo, se assemelhe ao de 2020.

Apesar das somas demográficas multimilionárias, uma fração de algumas dezenas de milhares de votos deverá decidir, uma vez mais, o comando da mais longeva democracia do planeta e da maior potência econômica e militar.

confronto apertadíssimo entre democratas e republicanos, fato recorrente nas últimas décadas, e o modelo de escolha estadual transformam alguns condados de estados como Pensilvânia, Michigan e Wisconsin em potenciais fiéis da balança entre Kamala Harris e Donald Trump.

Não se trata de diferença trivial entre desfechos. A depender de para onde caminhe o pêndulo da eleição dos EUA, as consequências para a política doméstica e sobretudo as repercussões internacionais serão diversas.

Na economia, a restrição ao comércio global, em especial mediante a imposição de barreiras contra interesses chineses, perpassa as duas candidaturas.

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A intolerância à imigração, embora se mantenha como marca do trumpismo, deixou de encontrar nos democratas um opositor frontal. Harris promete dificultar a entrada de estrangeiros.

Ambos os postulantes também se importam pouco com déficits e endividamento do governo federal. Esse problema deve se agravar seja com o republicano, pelo corte de impostos, ou com a sua adversária, pela expansão de gastos. Fechar a economia, inibir a imigração e incentivar a demanda com a política fiscal é uma combinação que atiça a inflação.

Uma vitória de Kamala Harris manteria o curso básico da administração de Joe Biden na aliança transatlântica com as democracias europeias e no apoio financeiro e bélico à Ucrânia e a Israel.

Nesse tema repousa o mais significativo contraste com Donald Trump. O republicano é na teoria um isolacionista, que deseja recolher as garras de Washington para aquém das fronteiras.

Na prática o ex-presidente, reinstalado na Casa Branca, faria aumentar sobremaneira a confusão e a incerteza geopolítica num mundo já conflagrado. A agenda da transição energética pela descarbonização negociada multilateralmente seria prejudicada.

Além disso, um hipotético segundo mandato de Trump, o derradeiro permitido pela Constituição, teria também a inconveniência de devolver ao palco político mais destacado do planeta um líder que desrespeita, sabota e ataca a institucionalidade, além de mentir compulsivamente.

Não que o desafio tenha a capacidade de ameaçar a subsistência da democracia em seu berço moderno.

A federação e os outros sistemas de freios e contrapesos dos EUA são enraizados o suficiente para resistir mais quatro anos a um governante hostil, se esse for o veredito das urnas.

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