quinta-feira, 3 de outubro de 2024

Ruy Castro Banana no lugar do voto, FSP

 Num dos 150 debates de que participaram nas últimas semanas, Ricardo Nunes acusou Guilherme Boulos de não poder ser prefeito de São Paulo por não ter condições de administrar "nem um carrinho de cachorro-quente". Ao denunciar a suposta incapacidade administrativa de Boulos, Nunes se traiu e revelou sua opinião sobre os carrinhos de cachorro-quente —para ele, a forma mais baixa, desprezível e reles de comércio.

Por que Ricardo Nunes despreza os honestos carrinhos de cachorro-quente? Será que não vê nenhum valor na arte de botar a salsicha para ferver, calcular o ponto exato do cozimento, abrir um pão ao meio, depositar nele a salsicha e escoltá-la com o molho, adrede preparado, de cebola, tomate e pimentão? O que Nunes sabe de picar ingredientes de modo a que adquiram o equilíbrio que irá determinar o seu sabor? E se o cliente também quiser mostarda? Como tratar a salada para harmonizá-la com a mostarda e a meiga textura da salsicha?

Tão rigoroso com a capacidade administrativa alheia, Nunes tem sido levado aos tribunais por sua duvidosa administração de creches, de cemitérios e até da merenda escolar como prefeito de São Paulo. A seu favor, diga-se que ele tem administrado bem as acusações de agressão à própria esposa —a dança de B.Os., ora confirmando, ora desmentindo a agressão, é uma prova. E ninguém poderá acusá-lo de incréu —em seus tempos de vereador, destacou-se pela generosa anistia a templos religiosos em situação ilegal.

Paradoxalmente, Nunes nunca exigiu um vasto currículo administrativo de seu inspirador e estrela-guia Jair Bolsonaro quando este se candidatou à Presidência. Pode-se argumentar que, em 30 anos de fulgurante carreira política em Brasília, Bolsonaro não iria se rebaixar a administrar carrinhos de cachorro-quente. E, para Nunes, talvez já bastasse o talento de Bolsonaro para administrar rachadinhas e a subsequente compra de imóveis com os rendimentos das ditas rachadinhas.

Se Ricardo Nunes tinha eleitores entre os vendedores de cachorro-quente em São Paulo, não será surpresa se estes agora lhe servirem uma banana no lugar do voto.

The Conversation - Cientistas da PUC vão analisar composição de vapes vendidos no Rio e seus impactos na saúde, FSP

 Adriana Gioda

Departamento de Química, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio)

The Conversation

Os cigarros eletrônicos, também conhecidos como vaporizadores (vapes), e-cig ou e-cigarettes, começaram a ser comercializados em 2004, na China. A partir de 2006, eles foram introduzidos na Europa e na América do Norte e ganharam muitos adeptos por serem considerados uma alternativa ao cigarro tradicional. Os cigarros eletrônicos evoluíram muito nestes últimos anos em termos de tecnologia, com o surgimento de vaporizadores maiores, modulares e líquidos com uma vasta gama de sabores.

Os cigarros eletrônicos são proibidos no Brasil desde 2009, de acordo com a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 46 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em 24 de abril de 2024 a Anvisa publicou RDC 855/2024 reiterando a proibição.

A RDC 855 "proíbe a fabricação, importação, comercialização, distribuição, armazenamento, transporte e propaganda de dispositivos eletrônicos para fumar (DEF)". A resolução também proíbe "o uso destes dispositivos em recintos coletivos fechados, como restaurantes, bares, cinemas, salas de aula, teatros e estádios".

Pods descartáveis
Cientistas da PUC-Rio vão analisar composição dos cigarros eletrônicos vendidos na cidade e seus possíveis impactos na saúde - Raíssa Basílio/Folhapress

Muitos usuários de cigarros eletrônicos no Brasil, no entanto, não têm conhecimento da proibição devido à facilidade de adquirir esses produtos em diversos estabelecimentos, como quiosques e bares, e com ambulantes etc. Como a importação é proibida, os produtos que eles compram são claramente provenientes de contrabando. Apesar dos esforços da Polícia Federal para impedir a entrada, muitas cargas passam sem ser apreendidas em meio à vastidão de nossas fronteiras.

O uso de cigarros eletrônicos tem aumentado no Brasil, despertando preocupação quanto aos possíveis danos à saúde dos usuários. Por serem um produto relativamente novo, ainda não se sabe exatamente quais são os danos que os vapes podem causar ao longo do tempo.

Preocupação que cresce pelo aumento do seu consumo entre os jovens, além de poder servir de porta de entrada para o tabagismo tradicional. O setor de saúde brasileiro considera um retrocesso a possível liberação do produto no Brasil em discussão no Congresso, ainda mais pelo fato de o país ter um programa exitoso na redução do consumo de tabaco.

O que tem no ‘vape’

Em alguns países os vapes são usados como uma estratégia para parar de fumar. Mas, diferente do que muitos pensam, o que sai do vape não é só um vapor de água inofensivo. Esse tipo de produto contém quatro substâncias básicas: nicotina, glicerina vegetal, propilenogligol e saborizantes. A nicotina é altamente viciante, e seu uso crescente entre adolescentes e indivíduos que não precisam parar de fumar pode levar a uma dependência geral maior de nicotina na população.

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Além disso, outros contaminantes adicionados de forma intencional e não podem estar presentes na fumaça do vape. Os líquidos também podem ser de fabricação artesanal, já que as substâncias que o compõem são comercializadas no país. Isso aumenta o risco de haver produtos de má qualidade no mercado. Estas substâncias desconhecidas podem apresentar riscos potenciais indefinidos à saúde tanto dos usuários de cigarros eletrônicos quanto de pessoas expostas aos seus vapores.

Os cigarros eletrônicos também não costumam ser descartados corretamente. Os resíduos destes dispositivos apresentam componentes importantes como circuitos, baterias de íons de lítio e tanques que contém a nicotina que podem acabar espalhados pelo ambiente.

Parceria para análises

Diante disso, o Laboratório de Química Atmosférica (LQA) do Departamento de Química da PUC-Rio está à frente de estudos sobre o tema desde 2017. Naquele ano, organizou o seminário "Produtos de tabaco de nova geração: o que diz a ciência?" com a colaboração de outros professores do departamento para discutir com a sociedade, pesquisadores, indústria e órgãos governamentais os prós e contras desses novos produtos, repetindo o encontro em 2019.

Devido a tantas incertezas sobre a composição desses produtos, o LQA articulou com a Anvisa a importação de amostras para pesquisa. Mas como o produto é proibido no Brasil, mesmo com o aval da agência a importação foi barrada.

Comprar o produto no mercado ilegal para o estudo, por sua vez, colocaria em xeque os resultados e a ética. Dessa forma, a alternativa encontrada foi uma parceria com o Instituto Municipal de Vigilância Sanitária, Vigilância de Zoonoses e Inspeção Agropecuária (IVISA-Rio), órgão da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.

O IVISA-Rio é responsável pela fiscalização e apreensão de cigarros eletrônicos na cidade do Rio, que serão doados para análises no LQA. Esse acordo de colaboração técnica está sendo finalizado e em breve receberemos as primeiras amostras.

Decisões informadas

Enquanto ainda não temos os produtos em mãos, estamos desenvolvendo metodologias já analisando a composição química e toxicologia dos solventes, nicotina e aromatizantes que são comercializados legalmente no país e podem estar sendo usados para o preparo de líquidos de forma artesanal.

Inicialmente, avaliamos os efeitos biológicos destes produtos em fungos Saccharomyces cerevisiae (levedura de cerveja) e células humanas do coração da linhagen H9c2 usando diferentes proporções de glicerina vegetal e propilenoglicol, os líquidos que estão em maior proporção e servem para dissolver a nicotina e dos aromatizantes dos vapes.

Nossos resultados preliminares mostraram que a toxicidade das matérias-primas usadas em vapes nas leveduras tem relação dependente da concentração, com inibição de seu crescimento e morte. Na exposição aguda, a glicerina pura e o propilenoglicol foram tóxicos tanto para leveduras quanto para as células humanas H9c2, sendo mais tóxica com aumento da quantidade de propilenoglicol na solução.

Testes de conteúdo elementar e composição orgânica ainda serão realizados, assim como análises de toxicidade dos elementos isolados usados nos líquidos, como nicotina e saborizantes.

Em paralelo, fizemos uma parceria com o professor Sergio Lifschitz, do Departamento de Informática da PUC-Rio, para o desenvolvimento de um questionário visando identificar o perfil dos usuários maiores de 18 anos destes produtos.

O questionário está disponível no site: Pesquisa Vapes e também será aplicado na comunidade dos frequentadores do campus da PUC-Rio por meio de uma parceria com a Vice-reitoria Comunitária e a agência Comunicar e Serviço Médico.

O LQA busca, por meio dessas pesquisas, fornecer o máximo de conhecimento à sociedade e aos órgãos reguladores sobre os cigarros eletrônicos, permitindo que tomem decisões mais informadas e eficazes sobre o futuro destes tipos de produtos no Brasil.

Este artigo foi publicado no The Conversation e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original.

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Hélio Schwartsman Pelo voto útil, FSP

 Sou fã incondicional do voto útil, que é um outro nome para pensamento estratégico. O panorama da disputa pela prefeitura paulistana, contudo, dá um nó nos raciocínios que normalmente embasam um voto útil.

A grande dificuldade é definir o objetivo que orienta as preferências do eleitor. Uma meta "civilizacional" defensável seria excluir do segundo turno o candidato extremista e antissistema que é Pablo Marçal. Seria uma aposta na volta da normalidade eleitoral, com um candidato mais à esquerda enfrentando um da direita republicana.

Os candidatos Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Boulos (PSOL) e Pablo Marçal (PRTB)

Nesse contexto e considerando que é a direita que está dividida, o mais lógico seria votar em Ricardo Nunes. Reforça esse raciocínio a alta probabilidade de Marçal ser beneficiário de um voto envergonhado, não captado pelas pesquisas.

Embora a chance de um segundo turno paulistano sem um representante da esquerda seja historicamente baixa, ela é diferente de zero. Assim, se o eleitor com inclinações progressistas vota em Nunes para tirar Marçal e isso acaba custando a vaga de Guilherme Boulos, ele se condenará a uma espécie de opróbrio de consciência eterno.

Em nenhum lugar está escrito que o pensamento estratégico deve ficar limitado ao primeiro turno. É perfeitamente possível e legítimo estendê-lo para a segunda votação, o que torna o espaço de raciocínios possíveis ainda mais exuberante.

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O eleitor de esquerda está obviamente interessado em eleger um prefeito de esquerda. E, dado que o campeão de rejeições é Marçal, seguido por Boulos, o melhor caminho para a vitória do psolista é enfrentar o ex-coach. Progressistas corajosos deveriam votar em Marçal no primeiro turno para facilitar a eleição de Boulos no segundo.

Generalizando um pouco mais e considerando que a rejeição a Marçal é tão alta que praticamente inviabiliza suas chances de vitória final, alguém pode ficar tentado a dizer que o que mais amplia a utilidade do voto é o eleitor, no primeiro turno, escolher o candidato que corresponde a sua preferência genuína, o que, paradoxalmente, é uma negação do voto útil.