quarta-feira, 2 de outubro de 2024

Bruno Boghossian - Três fatores vão desatar o nó da eleição de São Paulo, FSP

 Três fatores vão desatar o nó da disputa pela Prefeitura de São Paulo: o voto de última hora, o eleitor silencioso e a abstenção. O apelo final dos candidatos vai levar em conta quem são esses paulistanos e o que eles pensam. As últimas pesquisas dão pistas importantes.

Há um atalho para entender esses votos e ausências que serão decisivos. É o grupo de entrevistados que, poucos dias atrás, não sabiam citar um candidato de forma espontânea, sem ver uma cartela com as opções. Segundo o Datafolha, eles eram 28% dos paulistanos na semana anterior à votação.

A indefinição do voto, representada por esse segmento, é bem maior entre as mulheres (35%) do que entre os homens (20%), assim como entre os mais pobres (39%) em comparação com os mais ricos (17%). O grupo se distribui de maneira equilibrada pelas regiões da cidade, sem distinção relevante entre católicos e evangélicos.

Quando observa a cartela com os nomes dos candidatos, esse grupo de eleitores mantém o jogo embolado. Há apenas uma desvantagem para Guilherme Boulos e Pablo Marçal, que pontuam abaixo da média nesse segmento.

O prefeito Ricardo Nunes (MDB), o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), o influenciador Pablo Marçal (PRTB) e a deputada federal Tabata Amaral (PSB), candidatos à Prefeitura de São Paulo
O prefeito Ricardo Nunes (MDB), o deputado Guilherme Boulos (PSOL), o influenciador Pablo Marçal (PRTB) e a deputada Tabata Amaral (PSB), candidatos à Prefeitura de São Paulo - Jonas Santana e Pedro Affonso/Folhapress

A volatilidade desses eleitores é a chave da questão. Uma maioria notável escolhe um candidato (82%) ou declara voto nulo (8%) após ver a cartela, mas essa é uma decisão frágil: 72% do segmento diz que pode mudar de ideia até o dia da eleição.

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É uma tradição. Em disputas competitivas, três de cada dez eleitores costumam escolher candidatos a prefeito na última semana de campanha. Foi assim nas disputas de 2020 em São Paulo e no Rio.

Os candidatos têm uma barreira um pouco mais baixa para tentar conquistar esses eleitores. A rejeição a Marçal cai de 48%, na pesquisa geral, para 39% nesse grupo de indecisos. Boulos passa de 38% para 29%, e Ricardo Nunes marca míseros 12% de rejeição.

O grupo que "não sabe" em quem votar também oferece uma amostra dos eleitores envergonhados, um desafio para as pesquisas de intenção de voto. Alguns se recusam a falar com os entrevistadores, e outros omitem suas escolhas ou exibem uma indecisão maior.

Uma fatia do voto silencioso está nesse segmento. A principal suspeita recai sobre potenciais eleitores de Marçal, uma vez que esse comportamento costuma ter uma correlação maior com candidaturas de questionamento à política tradicional e maiores índices de rejeição.

A característica final é a falta de interesse: 36% desse grupo de eleitores dizem ter pouca ou nenhuma vontade de votar. Cruzando os dois números, os indecisos e desinteressados representam 10% do eleitorado total.

Nunes pode sofrer o grande desfalque da abstenção no primeiro turno. Seus eleitores são os menos decididos e seu melhor desempenho está entre os paulistanos de baixa renda, grupo que tem, tradicionalmente, menores índices de comparecimento.

Deirdre Nansen McCloskey - Estatismo indiano versus estatismo brasileiro, FSP

 Visitei recentemente a Índia para uma reunião da Sociedade Mont Pélerin. Fui empossada como a nova presidente da sociedade. Foi glorioso.

Um amigo chinês liberal me deu uma tiara de rainha —como piada, porque os verdadeiros liberais não aprovam a hierarquia hereditária de rainhas, reis ou aristocratas.

O ponto original do Movimento pela Liberdade, desde 1776, era derrubar tudo isso.

Em um dia que estávamos de folga na conferência, fomos visitar castelos gloriosos e o superglorioso Taj Mahal. Esses lugares despertaram em nós a reflexão de que o liberalismo não aprova a tributação ou a escravização de dezenas de milhares de camponeses para servir ao poder e à vaidade dos reis.

No entanto, os Estados modernos dos dias de hoje nos tributam e nos escravizam para que sirvamos ao poder e à vaidade dos nossos governantes. E os governantes nos dizem que isso é para o nosso próprio bem; e, afinal, nós os elegemos de vez em quando.

O Taj Mahal, no estado de Uttar Pradesh, Índia - Chen Dongshu/Xinhua

Mas permitam-me fazer uma pergunta: é para o seu próprio bem que o Brasil mantém um grande Exército? Exército que às vezes ocupa o Estado e que, de qualquer forma, protege a população brasileira apenas do Paraguai?

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Algumas pessoas conseguem bons empregos no Exército, mas o resto da população é que paga.

É para o bem dos brasileiros que o Estado cria tarifas protecionistas para que vocês não possam comprar produtos estrangeiros que seriam oferecidos a preços mais baixos? Algumas pessoas conseguem com isso obter preços mais altos por seus produtos feitos no Brasil, mas o resto de vocês paga por isso.

Durante a conferência na Índia, entrei em uma discussão com o principal conselheiro econômico do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, que presidiu uma sessão sobre o equilíbrio entre a ação estatal e ação a privada na economia.

Fiquei irritada com o fato de ele ter ido a uma conferência organizada por verdadeiros liberais para alegar que os mercados privados têm muitas "imperfeições" e que, portanto, o Estado, que é perfeito, claro, deveria intervir.

Eu já disse a vocês, e disse então também a ele, que essa alegação é na verdade um conto de fadas científico.

No entanto, a Índia, desde o governo de Manmohan Singh (2004-2014), e depois com Narendra Modi, tornou-se muito mais liberal em sua economia do que era sob o socialismo sombrio que existiu no período 1947-1991.

Como resultado disso, o PIB real per capita da Índia aumentou em 300%. Enquanto isso, o do Brasil aumentou apenas 50%.

Em 1991, a renda da Índia era inferior a 7% da renda brasileira, mas atualmente ela já atinge 23% da renda do Brasil.

Por favor, por favor, meus amados brasileiros, parem de eleger estatistas.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

DANIELA MACHADO O estranho caso de punição à ciência, FSP

 2.out.2024 às 15h55

Daniela Machado

Coordenadora do EducaMídia, programa de educação midiática do Instituto Palavra Aberta

"A ciência é um meio de desmascarar aqueles que apenas fingem conhecer", escreveu o físico, astrônomo e professor de ciências espaciais Carl Sagan em seu famoso livro "O Mundo Assombrado pelos Demônios". Publicada há quase 30 anos, a obra expõe sua preocupação com uma onda de pseudociência e mistificação, facilmente abraçadas pela população diante dos mistérios do Universo.

Sagan foi um dos mais importantes divulgadores do conhecimento científico no século 20, num período em que editoras estabelecidas e a imprensa profissional estavam entre os escassos meios de comunicação disponíveis para o público leigo. O cenário era de poucas vozes —tanto para informar quanto para desinformar.

Nos últimos anos, a internet ampliou exponencialmente essas possibilidades, também para o bem e para o mal. Atualmente, o contato entre cientistas dispostos a "traduzir" as complexidades de seus campos e a sociedade em geral é muito mais frequente, assim como os riscos de proliferação de conteúdos enganosos (produzidos e compartilhados de propósito ou por engano).

Uma lupa sobre fundo azul claro
Educação midiática é o caminho para o consumo e a produção de conteúdos de forma mais consciente e crítica - Unsplash

Um episódio recente ilustra bem os desafios que vivemos, e nos convida a uma vigilância constante para que os mecanismos de checagem e correção não sejam intimidados ou desencorajados. A conta em rede social NuncaVi1Cientista, da bióloga Ana Bonassa e da farmacêutica Laura Marise, foi condenada em primeira instância a pagar indenização de R$ 1.000 por dano moral, além de multa, após desmentir a informação de um outro perfil em rede social que atrelava a ocorrência de diabetes à presença de vermes no organismo e oferecia "protocolos de desparasitação" para enfrentar a doença.

Para alívio de todos que prezam por informações acuradas e cientificamente embasadas, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou a condenação. Em sua manifestação, o ministro Dias Toffoli destacou que a publicação do canal NuncaVi1Cientista é fundada em fatos e dados científicos e que a desinformação usada para venda do protocolo contra vermes deve ser denunciada.

O episódio nos propõe reflexões importantes sobre responsabilidade e ética em um ecossistema informacional cada vez mais complexo, e ressalta a importância da educação midiática como caminho para o consumo e a produção de conteúdos de forma mais consciente e crítica. Sob a ótica da educação midiática, o caso que chegou à Justiça merece ser examinado em diversas frentes, como, por exemplo:

  • Influenciadores e redes sociais: quem são as pessoas e perfis que seguimos, as evidências que apresentam e o propósito de suas mensagens;
  • Liberdade de expressão: quais os valores de quem se vê no direito de disseminar desinformação, mas busca calar quem os questiona e confronta;
  • Conteúdo viral: o que faz com que certas mensagens ou posts que propõem soluções fáceis e curas milagrosas para doenças recebam tanto engajamento;
  • Viés de confirmação e apelos emocionais: por que tendemos a acreditar com mais facilidade nas mensagens que confirmam nossas crenças pré-existentes, e como a desinformação aproveita-se das nossas emoções.

As preocupações de Carl Sagan continuam atuais. Para enfrentá-las, precisamos mais do que nunca de ciência e de educação.