quinta-feira, 20 de junho de 2024

O governo caiu na real, Elio Gaspari. FSP

 A alta do dólar, a queda da Bolsa e a confirmação de que o aumento da arrecadação era um sonho levaram o governo a admitir a relevância do controle de gastos e a consequente valorização de uma administração comprometida com o feijão com arroz.

Em dois anos de governo, o ministro Fernando Haddad teve vitórias e derrotas. Brilhou com o projeto de reforma tributária, mas seu déficit zero era lorota. Ele conseguiu restabelecer as boas relações de um governo petista com a banca.

Na segunda-feira (17), Haddad e Simone Tebet, sua colega do Planejamento, mostraram a Lula o dreno provocado pela distribuição de incentivos. A iniciativa tem mérito, mas não tem valor, o Sol congelará antes que um Congresso resolva podar os benefícios dados à Zona Franca de Manaus. Cada incentivo é um jabuti velho, escolado e bem relacionado.

Sob fundo amarelo e azul, como na bandeira do Brasil, homem grisalho de barba inclina a cabeça para ouvir homem que aparenta idade de 60 anos falar como se fosse um segredo, cobrindo a mão com a boca. Ambos usam terno escuro e gravata com camisa clara
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad - Lucio Tavora - 20.mai.2024/Xinhua

A discussão da política de incentivos, como a taxação das grandes fortunas, é um tema que lustra a biografia de quem a propõe, mas não vai a lugar algum.

Infelizmente o déficit zero era um espécie de pau do circo de Haddad: arrecadando mais, o governo poderia induzir o crescimento. Daí viriam as picanhas prometidas durante a campanha. Sem esse salto arrecadador, Lula 3.0 arrisca tornar-se um governo durante o qual a economia andou de lado.

É melhor andar de lado do que ir galhardamente na direção errada, como sucedeu com a nova matriz econômica do governo de Dilma Rousseff.

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Vendo que não pode gastar, Lula terá a oportunidade de se voltar para a boa administração do dia a dia. Apesar do estilo triunfalista do presidente, seu governo vai bem no feijão com arroz. Vai bem mesmo quando é comparado a outros governos, sem levar em conta o caos de Bolsonaro.

Derrapou feio na compra de arroz importado, pretendendo comercializá-lo a preços tabelados. Esse desastre só aconteceu porque no lance estava a mão peluda do interesse político.

Talvez algum petista lembrou-se de que, em 1962, o governador gaúcho Leonel Brizola teve 200 mil votos no Rio porque vendeu arroz barato em caminhões.

Terminar obras que estão paradas é uma das boas maneiras de administrar o trivial variado. Infelizmente ela vem sendo instrumentalizada em marquetagens.

Getúlio Vargas foi um presidente de grandes ideias, mas, lendo-se seu diário, percebe-se a atenção quase obsessiva com a rotina da administração.

Lula, ou qualquer político brasileiro, dispõe de um boqueirão, resgatando o agronegócio e colocando-o na galeria do orgulho nacional, como Juscelino Kubitschek colocou a indústria no final dos anos 50.

Por diversos motivos, Lula jogou fora essa oportunidade e hoje ela está em cima de um montinho de cal, esperando que alguém bata esse pênalti.


Polícia faz operação contra bailes funk na zona norte de São Paulo, FSP

 Francisco Lima Neto

SÃO PAULO

Polícia Civil em conjunto com a Polícia Militar fazem operação na manhã desta quinta-feira (20) contra organizadores de bailes funk clandestinos, também conhecidos como pancadões, na zona norte de São Paulo.

São cumpridos 53 mandados de busca e apreensão contra 31 adegas, 14 veículos e oito pessoas investigadas e apontadas como organizadoras desses eventos.

Batizada de Hypnos, a operação, segundo a Polícia Civil, também visa desarticular organização criminosa, que atua no tráfico de drogas, falsificação de bebidas e lavagem de dinheiro por meio desses bailes.

Movimentação de viaturas da polícia durante cumprimento de mandados em adegas na rua Pedro Alba, no Jardim Elisa Maria, região da Brasilândia - Reprodução/TV Globo

O serviço de inteligência da Polícia Militar e equipes de investigação da Polícia Civil se infiltraram nos pancadões na zona norte da capital para chegar até os organizadores, identificar os veículos com aparelhagem de som para formar os chamados paredões, os financiadores dos eventos, traficantes de drogas, e adegas promotoras.

Com base nas informações levantadas na investigação, foram solicitados e atendidos os mandados de busca e apreensão e prisão por meio do Judiciário.

Esses bailes são conhecidos por usarem diversos veículos com grande aparelhagem de som alto, fecharem vias públicas e promover grandes aglomerações de público. As festas duram muitas horas e são alvo de reclamação de vizinhos em razão do barulho durante a noite e madrugada.

O novo planeta Portugal, Ruy Castro -FSP

 Leitores habituados a ir a Portugal nos últimos tempos e a se encantar com a vida e a euforia de suas cidades parecem acreditar que sempre foi assim. Daí estranharem quando o classifiquei outro dia ("Desmemória coletiva") de ser, antes do dia 25 de abril de 1974, o país "mais triste e atrasado da Europa". "Como assim?", perguntaram. "Que milagre aconteceu nesses 50 anos?" É uma resposta que deixo aos economistas. Só posso descrever como era naquele tempo —porque eu estava lá.

Era o país dos homens de cinza e das mulheres de preto, em permanente luto por uma vida sem expectativas. Uma ditadura de 48 anos dependente da receita colonial e fascista. A polícia política por toda parte. Ninguém era estimulado a investir, a se arriscar. O analfabetismo batia os 60%. O congelamento dos táxis e dos aluguéis, de décadas, dizia tudo —os carros e os imóveis caíam de velhos, assim como o país.

Aliás, era o país dos velhos. Eu tinha 26 anos e não via gente da minha idade ao meu redor. Os moços estavam na África, na guerra contra os movimentos de libertação de suas colônias, Angola, Moçambique e Guiné —os poucos nas ruas de Lisboa eram os mandados de volta, ainda de farda, sem um braço ou perna, perdido em combate. Era uma guerra impopular, que sangrava o país e que o governo mantinha com dinheiro tomado aos bancos. A imprensa, esmagada pela censura, mentia sobre o seu andamento —todos já a sabiam perdida. As moças, inexpugnáveis, viviam trancadas em casa. Os costumes eram do século 13.

Portugal era um belíssimo túmulo ao sol, mas nem o sol lhe servia para nada. Enquanto a Espanha, também uma ditadura, fervia de turistas, tudo conspirava contra eles em Portugal. Um visto de entrada era uma agonia. Até a Coca-Cola era proibida. Todos os dias tinham a modorra dos domingos.

Não é que Portugal seja hoje outro país. É outro planeta.

Turistas em frente ao Mosteiro dos Jerônimos, em Belém - Carlos Costa/AFP