domingo, 7 de abril de 2024

Em Pindorama, a corrupção ganha, Elio Gaspari FSP

 Em janeiro passado, a Transparência Internacional divulgou que o Brasil havia perdido dez posições no Índice de Percepção da Corrupção, caindo para o 104º lugar, atrás do Uruguai, Chile, Cuba e Argentina numa lista de 180 países. Na origem da desclassificação, entre outros fatores, estava o desmanche da Operação Lava Jato.

Dias depois, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, determinou que a Procuradoria-Geral da República investigasse as atividades da Transparência nas negociações de acordos de leniência firmados com o Ministério Público. (Existia um ofício da PGR, de 2020, tratando do assunto, sem ter encontrado anormalidades.) Se um ministro do STF quer que se investigue, é melhor que haja investigação e que, no menor tempo possível, seu resultado seja conhecido.

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Policiais federais durante buscas na 7ª fase da Operação Lava Jato, em 2014 - Luiz Carlos Murauskas - 14.nov.2014/Folhapress

Numa malvadeza dos deuses, passados dois meses dessa saia justa, a multinacional Trafigura aceitou pagar US$ 127 milhões ao governo americano por conta dos propinodutos mantidos entre 2003 e 2014 em inúmeros países, inclusive no Brasil.

A ponta brasileira das propinas é uma aula. Ela foi puxada em 2014, no amanhecer da Lava Jato, quando as investigações pegaram Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras e destinatário de uma rede de capilés.

Dois anos depois, Mariano Marcondes Ferraz, operador da Trafigura, foi preso quando embarcava para Londres. O amigo da Petrobras havia confessado que o doutor lhe deu US$ 868 mil entre 2011 e 2014. Marcondes Ferraz pagou uma fiança de R$ 3 milhões e foi para casa. Na audiência de custódia, ele reconheceu o pagamento das propinas. Em 2016, Marcondes Ferraz desligou-se da Trafigura.

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A ponta brasileira das investigações seguiu seu curso. Noutra ponta, a americana, tanto a Trafigura como duas outras grandes multinacionais do mercado de petróleo começaram a ser investigadas pelo Departamento de Justiça americano.

Ao longo de dez anos as coisas andaram para a frente nos Estados Unidos e para trás no Brasil. As ligações voluntaristas da República de Curitiba com os procuradores americanos foram demonizadas. Confissões foram desqualificadas, multas foram congeladas e, como se vê, o ex-juiz Sergio Moro corre o risco de perder o mandato de senador. (O procurador Deltan Dallagnol já perdeu sua cadeira de deputado.)

Isso no Brasil, porque nos Estados Unidos outras duas gigantes do comércio internacional de petróleo, a Vitol e a Glencore, renderam-se. Uma pagou US$ 164 milhões em 2020 e a outra entregou perto de US$ 1 bilhão em 2022. A Trafigura foi a última a capitular. Nos Estados Unidos a Viúva faturou cerca de US$ 1,3 bilhão.

No Brasil, o processo foi congelado pelo Superior Tribunal de Justiça e, depois que o ministro Dias Toffoli anulou provas relacionadas com as traficâncias da falecida Odebrecht, a defesa dos maganos da Trafigura pediu à Justiça que seja "declarada a imprestabilidade de todo o acervo probatório".

A Justiça sabe o que faz com sua reputação. A política ajudou a desmanchar a Lava Jato, mas o processo congelado da Trafigura contém uma gracinha: um confessou que recebeu, o outro reconheceu que pagou e a própria empresa aceitou uma multa de US$ 127 milhões por manter propinodutos pelo mundo afora, inclusive no Brasil.

A terra das palmeiras, onde canta o sabiá, caiu no ranking da percepção de roubalheiras e a Transparência Internacional deve ser investigada.

MORO COM GILMAR MENDES

Ganha um fim de semana num garimpo ilegal quem souber de um caso em que um ministro do Supremo Tribunal Federal recebeu um ex-juiz e senador, enquanto o processo de cassação de seu mandato estava sendo julgado.

O senador Sergio Moro informa que não foi ao ministro Gilmar Mendes para se defender. Claro, em tese, Gilmar não tem assento no TRE do Paraná, nem no TSE, para onde poderá ir o caso.

Deve ter ido para explicar o que dizia do seu anfitrião.

PRENDE? E DEPOIS?

De quem já viu de tudo:

"Tem muita gente querendo ver o Bolsonaro preso. Toda vez que você prende um político, deve se perguntar o tamanho que ele terá ao sair da cadeia. Lula ficou quase dois anos preso, saiu do mesmo tamanho e elegeu-se presidente da República.

Se Bolsonaro tivesse sido preso depois do 8 de janeiro, teria sido poupado da palhaçada de sua passagem pela embaixada da Hungria".

Como esconder um furo, José Henrique Mariante, FSP

Em meados do ano passado, a coluna criticava o excessivo fatiamento do noticiário na Folha, característica do jornalismo atual, que se esgueira por qualquer fresta em busca de audiência. A prática ganha corpo e sofisticação, mostrou o jornal na última semana.

A começar pelo aniversário do golpe de 1964, marcado por série de reportagens, uma em muitas que o jornal mantém neste momento, e pesquisa Datafolha. Vários títulos para o levantamento: 63% são contra anistia a responsáveis pelo 8/165% acham que foi vandalismo37% aprovam Moraes55% dizem que Bolsonaro quis dar um golpe63%, que o 31 de Março deve ser desprezado71%, que democracia é a melhor forma de governo53% descartam nova ditadura59% acham que Lula fez bem ao vetar atos sobre os 60 anos do início da ditadura militar. Um dia e meio de manchetes e pushes no celular, que, ao fim do ciclo, já soavam redundantes.

Tal sensação era menor na versão impressa de domingo (31), em que a edição, capitaneada por um editorial de registro histórico, reunia e concatenava as informações. No site, fragmentação. Havia um diagnóstico a ser feito e debatido, mas é como se o jornal preferisse listar os resultados do exame de sangue, não o que significam para o paciente.

Algo mais orgânico ajudaria a leitura e a avaliação do momento do país, porém a imprensa, não apenas a Folha, parece não conseguir abdicar da ideia de noticiar em compartimentos. Se sua fatia não vier com a cereja, paciência.

Mas a semana era de terremotos, e 1964 virou história rapidamente. O grande fato na imprensa, com repercussão em diversos veículos e reflexos importantes nos mercados, foi a entrevista do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, aos repórteres Fábio Pupo e João Gabriel. "Silveira reconhece conflito com presidente da Petrobras e diz não abrir mão de autoridade; veja vídeo" foi o título que habitou o site do jornal durante boa parte da quarta-feira (3). Uma paulada em Jean Paul Prates, que derrubou as ações da Petrobras e suscitou temores de intervenção na empresa e na política de preços dos combustíveis, para ficar na primeira camada da altercação.

Um bolo repartido, a parte cortada leva uma cereja que, na verdade, é uma bomba com o pavio aceso. O fundo é branco.
Carvall/Folhapress

Silveira fala muito e não economizou assuntos na conversa com a Folha. Decretou que o Brasil vai explorar petróleo enquanto for pobre, ou seja, até não poder mais; que cogita rediscutir o "fracking", um método violento de obtenção de gás, muito criticado por ambientalistas; que vai propor alterações nos contratos de empresas de energia a partir do caso Enel em São Paulo. Tudo isso, é claro, porcionado, desta vez em estratégia acertada.

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A coisa foi bem até a confecção do impresso. Aquele primeiro título, o mais forte, que ocuparia o jornalismo nacional pelos dias seguintes, com diversas citações à Folha, simplesmente sumiu. Não estava na Primeira Página nem na interna de Mercado. O conteúdo foi embutido em uma versão da entrevista, que abria com a discutível visão do ministro sobre transição energética.

A capa do jornal ignorou também um desenvolvimento da novela, um pedido de audiência que Prates fez a Lula, outra revelação da Folha a campear nas páginas da concorrência, publicada na coluna Mônica Bergamo. Como notícia se impõe, o equívoco foi superado nas duas edições seguintes, em que as manchetes do jornal se ocuparam do presidente e da crise fabricada.

A dúvida que fica é se a Folha acreditou que sua primeira fatia de informação, a mais importante, perderia força no dia seguinte ou se projetou seu impresso como uma espécie de prosseguimento da edição do site. Em qualquer hipótese, falhou ao não perceber ou respeitar a hierarquização dos eventos em todas suas plataformas.

Leitores do impresso certamente engordarão a crítica com outros episódios de omissão, como, por exemplo, a não publicação até hoje no papel de que R$ 82 milhões de Paulo Maluf bloqueados na Suíça foram repatriados em março.

Se o jornal não consegue deixar de retalhar seu conteúdo, que ao menos consiga dar luz ao que mais interessa. Ser corrigido pelos fatos acontece, mas não é bom sinal.

NO MEIO DA CONFUSÃO

Wilson Gomes faz diagnósticos precisos sobre o país. Sua última coluna pergunta por que o debate público parece cada vez mais caótico. Politizamos tudo e misturamos práticas políticas. "Há, sim, discussão política como habitualmente se faz, mas isso é quase nada diante da quantidade de temas, propósitos e atores que colidem entre si numa intensidade sem precedentes", escreve.

O ombudsman pega carona e indaga o quanto a imprensa e a mídia contribuem para tamanha confusão, o quanto estamos nos atendo ao debate público legítimo, se é que podemos nos ater apenas a ele, se é que nossa sobrevivência ainda permite tal opção. Fragmentar o noticiário aumenta o ruído, o que quase nunca informa.

 

Canabidiol deve chegar ao SUS em maio no estado de São Paulo; saiba quem tem direito, FSP

 Leonardo Zvarick

SÃO PAULO

A distribuição de extrato de canabidiol pelo SUS (Sistema Único de Saúde) em São Paulo deve ter início em maio, de acordo com previsão do governo estadual. O medicamento feito a partir da Cannabis sativa será destinado a pacientes de três condições de saúde raras, marcadas por graves crises epiléticas resistentes aos tratamentos convencionais: síndrome de Dravet, síndrome de Lennox-Gasteau e complexo da esclerose tuberosa.

O grupo técnico da Secretaria de Estado da Saúde, responsável pela implementação da política, finalizou recentemente o protocolo com as diretrizes terapêuticas para fornecimento dos produtos. A partir da publicação do documento, prevista para as próximas semanas, pacientes poderão solicitar o medicamento.

"Os pedidos serão feitos nas UBSs (Unidades Básicas de Saúde), e médicos também terão acesso aos formulários por diferentes vias", explica José Luiz Gomes do Amaral, coordenador do grupo do governo. "Esperamos que no mês que vem esteja em andamento a dispensação nas farmácias de alto custo", acrescenta.

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Óleo de canabidiol extraído a partir da flor da maconha - Adriano Vizoni - 26.set.2019/Folhapress

O protocolo prevê a distribuição do canabidiol —ou CBD— apenas para pacientes com resistência comprovada aos demais tratamentos. Por isso, uma série de documentos deverá ser apresentada no momento da solicitação.

A relação inclui um termo de responsabilidade, relatório médico descrevendo quadro clínico, esquema terapêutico adotado e frequência das crises convulsivas, além de exames de imagem –eletroencefalograma, em casos de Dravet e síndrome de Lennox-Gastaut; e tomografia ou ressonância magnética cerebral em casos de esclerose tuberosa.

Também serão exigidos exames complementares atualizados sobre o funcionamento do fígado, hemograma e níveis de creatinina e eletrólitos no sangue do paciente. Estes deverão ser realizados no máximo 30 dias antes do pedido.

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"São condições que, se alteradas, podem justificar piora do quadro. Serve de controle para termos certeza de que a medicação não está produzindo efeitos adversos", justifica Amaral.

Além disso, o acesso não será permitido a crianças menores de dois anos, conforme determina resolução da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que autorizou os produtos de Cannabis no Brasil. A restrição motivou questionamentos de associações de pacientes, já que muitos bebês apresentam epilepsia de difícil controle antes de atingir essa idade.

As solicitações serão analisadas por uma comissão da Secretaria de Estado da Saúde, também responsável por fazer o monitoramento dos pacientes ao longo do tratamento –caso a frequência das crises epiléticas não diminua em pelo menos 30% a cada seis meses, a oferta do medicamento será interrompida.

"Isso vai ser muito importante, porque vamos poder acompanhar os resultados com um produto uniformizado em um grupo controlado", diz Amaral. "O que vemos em várias publicações [sobre efeitos terapêuticos de canabinoides] é que cada paciente se trata com um produto diferente, com teores variados do canabidiol e outras substâncias. Essa é a grande limitação dos estudos existentes", acrescenta o médico.

imagem mostra pequeno frasco âmbar sobre bancada
Extrato de canabidiol que será distribuído pelo SUS em São Paulo - Fabiano Aguiar/Ease Labs

O produto oferecido será o extrato de CBD isolado da farmacêutica mineira Ease Labs, vencedora de licitação recém-concluída. Segundo o diretor-presidente Gustavo Palhares, a empresa já tem medicamento em estoque e aguarda a demanda pela Secretaria da Saúde.

Cada frasco de 30 ml do óleo vai custar aproximadamente R$ 135 ao poder público –nas farmácias, o mesmo remédio chega a custar R$ 1.000.

Ainda assim, segundo Amaral, o governo deve continuar tendo gastos elevados com a compra de produtos de Cannabis após determinações judiciais, em sua maioria motivadas por condições clínicas que não estão foram incluídas na lei. Quando é obrigado a comprar os remédios desta forma, o estado acaba pagando o valor praticado no mercado.

Como mostrou a Folha, essa conta atingiu valor recorde no ano passado. De janeiro a outubro, R$ 25,6 milhões foram destinados para atendimento de 843 ações movidas por pacientes.

O governo ainda não tem dimensão real da demanda pelos medicamentos, mas estima que em torno de 6 mil pessoas vivam com as condições contempladas inicialmente pela política no estado, em grande parte crianças pequenas.

A lei paulista que prevê a distribuição gratuita de medicamentos à base de Cannabis foi sancionada em janeiro do ano passado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

A legislação prevê a atuação contínua de um grupo de trabalho formado por especialistas médicos, pesquisadores e associações de pacientes, com o objetivo de aprimorar a política à luz de novas evidências científicas sobre as propriedades medicinais da planta.

"A nossa luta principal agora é pela ampliação das patologias", afirma o deputado estadual Caio França (PSB), autor da lei. Segundo ele, já existem pesquisas consistentes que indicam eficácia da Cannabis medicinal para o tratamento de dor crônica, autismo e outras condições de saúde. Por enquanto, o acesso está disponível apenas na rede particular, mediante prescrição médica.

De acordo com a consultoria Kaya Mind, o número de pacientes de Cannabis medicinal no Brasil saltou de 188 mil em 2022 para 430 mil no ano passado –alta de 165%. Ainda de acordo com a empresa, especializada em dados e inteligência de mercado no segmento, o país tem cerca de 12 mil médicos que já prescreveram produtos com CBD ao menos uma vez.