domingo, 3 de março de 2024

Neurodireitos: o cérebro é a nova fronteira, Ronaldo Lemos, FSP

 Nas últimas semanas a empresa Neuralink anunciou sucesso em implantar o primeiro chip funcional no cérebro de uma pessoa. O paciente agora consegue controlar um cursor na tela diretamente com o cérebro. Apesar de o crédito recair em Elon Musk, é importante lembrar que esse tipo de pesquisa tem como pioneiro o cientista brasileiro Miguel Nicolelis, que deveria junto com seus colegas ser mais lembrado quando se fala desse tema.

Elon Musk aparece detrás de logo da Neuralink, exebido em tela de computador
O bilionário Elon Musk, fundador da empresa de 'neurotecnologia' Neuralink - Dado Ruvic/Reuters

tecnologia da Neuralink está longe de ser a única a avançar na colonização cerebral. Há uma verdadeira corrida do ouro nesse sentido. Há várias tecnologias que não requerem cirurgia nem intervenções físicas. A Apple está desenvolvendo uma versão futura dos seus fones de ouvido Airpods que consegue ler sinais cerebrais através do ouvido.

É possível hoje comprar uma bandana que faz eletroencefalograma em tempo real. O produto custa cerca de R$ 1.500 e é utilizado para fins de meditação. Enquanto medita o usuário vai recebendo um sinal sonoro indicando seu grau de relaxamento conforme suas ondas cerebrais. É como um guia de meditação que dá feedback baseado na leitura direta do cérebro.

E, é claro, a chegada da inteligência artificial está levando ao desenvolvimento de sensores que traduzem pensamento diretamente em texto. A Universidade de Austin tem sido protagonista nesse tema. Apesar de ainda não haver um produto específico, o resultado da pesquisa saiu na revista Nature com o pomposo título de "reconstrução semântica de linguagem contínua a partir de gravações não invasivas do cérebro".

Em suma, não estamos distantes do momento em que nossos aparelhos serão capazes de interpretar o que se passa na nossa cabeça diretamente. Nesse cenário, o que fazer?

A resposta tem acontecido principalmente no campo do direito. E, vale notar, nossa América Latina tem sido pioneira em avançar nos chamados neurodireitos, um conjunto de direitos e obrigações que buscam proteger cada pessoa contra as diferentes possibilidades de manipulação cerebral.

O pioneiro nesse novo tipo de direitos foi o Chile. O país aprovou em 2021 uma emenda modificando sua Constituição para proteger a atividade cerebral e as informações relacionadas a ela. Curiosamente, a Suprema Corte do país decidiu o primeiro caso sobre o tema no ano passado. Nele, um cidadão chileno processou a empresa Insight, que vendia dispositivos portáteis de monitoramento cerebral no país. A decisão determinou que a empresa não protegia adequadamente a privacidade dos usuários e, na prática, consagrou a importância dos neurodireitos.

Vale notar que no Brasil há um projeto de emenda constitucional de 2023 que quer colocar o "direito à integridade mental" na Constituição. Além disso, há um projeto de lei de 2022 para alterar a lei de proteção de dados definindo o conceito de "dado neural", criando uma série de proteções. Argentina e México também estão tratando do tema. Nos EUA, o Colorado já aprovou uma lei sobre o tema, com amplo suporte bipartidário. Outros estão seguindo o mesmo caminho. Esse assunto veio para ficar. Vamos cada vez mais ouvir falar de neurodireitos. Ainda bem.

READER

Já era Dumb phones

Já é Smartphones

Já vem AI Phones


Há mais gente na fila de ricos coitados do 8 de janeiro, Elio Gaspari, FSP

 Antes que se completasse uma semana da tarde em que Jair Bolsonaro classificou como "pobres coitados" os presos pelo vandalismo do 8 de janeiro, a Polícia Federal prendeu dois empresários. Joveci Andrade e Adauto de Mesquita são sócios na empresa Melhor Atacadista. Eles caíram na roda durante os trabalhos da CPI. Chamados a depor, negaram tudo, mas a quebra dos sigilos mostrou que uma de suas empresas pagou à representante do trio elétrico que se instalou diante do QG do Exército.

Na fila de ricos coitados há mais gente.

Militares diante de várias tendas
Militares do Exército dispersam acampamento em frente ao quartel-general, em Brasília - Mateus Vargas - 09.jan.2023/Folhapress

A LEI DE MURPHY NÃO FALHA

Se uma coisa pode dar errado, errado dará. Não deu outra, a proposta de emenda constitucional que acaba com a reeleição de presidentes, governadores e prefeitos carrega um jabuti que estende os mandatos de todo mundo.

Em nome de uma coincidência dos mandatos, o relator da PEC, senador Marcelo Castro, propõe que presidente e os deputados fiquem com cinco anos, e os senadores, com dez.

Os presidentes sempre tiveram mandatos de quatro anos. Só um, João Figueiredo, foi premiado com seis anos. O resultado foi desastroso.

Com um jabuti desses, fica mais fácil aprovar até a volta da monarquia.

Elio Gaspari - Arma-se a volta do imposto sindical com mão de gato, FSP

 Com mão de gato, arma-se a volta do imposto sindical, embutindo-a num projeto que regula o trabalho aos domingos e feriados.

O imposto sindical foi criado por Getúlio Vargas durante o Estado Novo e custava aos trabalhadores o equivalente a um dia de trabalho por ano. Durante o governo de Michel Temer ele foi extinto. Com isso, os sindicatos perderam cerca de 90% de seus recursos e cerca de 6 milhões de filiados.

Desde a posse de Lula, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, batalha para recriar o tributo, mudando-lhe o nome e a metodologia da mordida. Passou a ser uma contribuição mandatória a ser paga pelos trabalhadores de uma categoria, desde que ela tenha sido aprovada numa assembleia.

Diante de um microfone de mesa, um homem branco, cabelos castanhos, de paleto cinza e camisa cor de rosa. Ele ajeita a lente dos óculos com a mão direita
O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, durante divulgação de dados no Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - Antonio Cruz - 30.jan.24/Agência Brasil

O sindicato que presta bons serviços aos seus associados e negocia direito um dissídio deve ser remunerado por isso. Sindicatos de papel e pelegos devem se remunerar noutro tipo de caridade.

Eis que os sindicatos foram ao Supremo Tribunal Federal, e lá decidiu-se que a cobrança de uma contribuição de todos os trabalhadores de uma categoria é constitucional, desde que seja assegurado o direito de oposição. O que é isso o STF não explicou. Coisa típica de um tribunal que vive uma fase de jurisprudência-roleta, a cada sessão sai um número. Segundo o professor José Pastore, "o STF escolheu o caminho da confusão".

Toda essa encrenca surgiu quando Vargas decidiu que uma categoria só poderia ter um sindicato no município, criando monopólios, tanto no sindicalismo dos trabalhadores como nos patronais. Os patrões livraram-se parcialmente desse peso esquecendo-os e criaram associações privadas para a defesa dos seus interesses.

Pelo andar da carruagem, essa história terminará no de sempre: o sindicato da categoria serve para nada, o trabalhador não é filiado a ele e, mesmo assim, tomam-lhe algum, com desconto na folha.