segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Mulheres dedicam 9,6 horas a mais do que homens a tarefas domésticas, FSP

 Leonardo Vieceli

RIO DE JANEIRO

As mulheres brasileiras dedicaram 9,6 horas a mais do que os homens por semana a afazeres domésticos ou cuidados de pessoas em 2022. É o que apontam dados divulgados nesta sexta-feira (11) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Trata-se da primeira vez que essa diferença fica abaixo de dez horas no levantamento, iniciado em 2016. A redução da desigualdade, contudo, ainda ocorre em um ritmo considerado lento pelo IBGE.

Os dados integram um módulo da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) sobre outras formas de trabalho.

O recorte abrange atividades não remuneradas que historicamente recaem mais sobre as mulheres, como cozinhar, limpar a casa e cuidar de crianças e idosos.

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Panelas colocadas em um fogão de uma casa no interior de Sergipe - Rafaela Araújo - 15.jul.2022/Folhapress

A diferença era de 10,6 horas a mais por semana para elas em 2019, o ano anterior da série histórica. A coleta dos dados desse módulo da Pnad foi interrompida em 2020 e 2021 em razão das restrições da pandemia.

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"É uma questão muito estrutural, não só no Brasil. A diferença ocorre na América Latina, na Europa. Isso está mudando, mas a passos bem lentos", afirma Alessandra Brito, analista da pesquisa do IBGE.

Em 2022, as mulheres destinaram 21,3 horas por semana, em média, a afazeres domésticos ou cuidados de pessoas no Brasil.

Entre os homens, a marca foi de 11,7. A diferença de 9,6 horas, citada no início deste texto, veio a partir dessa comparação.

Na média geral, os afazeres domésticos e cuidados de pessoas consumiram 17 horas por semana no país em 2022. O resultado ficou acima de 2019 (16,8), alcançando o maior patamar da série iniciada em 2016.

Naquele ano, a média era de 16,7 horas por semana. O levantamento abrange pessoas de 14 anos ou mais.

"Esse tipo de pesquisa muda pouco porque tem coisas que dependem de conscientização, de mudança educacional", afirma Brito.

"Quando as pessoas são mais escolarizadas, a gente vê que realizam mais afazeres domésticos e cuidados, sobretudo entre os homens", acrescenta.

Essa avaliação da pesquisadora é ilustrada por dados divulgados nesta sexta. Considerando somente os afazeres domésticos, o percentual de homens que realizaram as tarefas variou de 74,4% entre os sem instrução ou com ensino fundamental incompleto a 86,2% entre aqueles com superior completo.

No caso das mulheres, as maiores proporções foram de 93,3% (ensino médio completo e superior incompleto) e 93% (ensino superior completo).

Considerando apenas os cuidados de pessoas, o percentual de homens que realizaram essas funções variou de 19,8% (sem instrução ou ensino fundamental incompleto) a 27,5% (superior completo).

ELAS COZINHAM, ELES FAZEM CONSERTOS

O tipo de afazer doméstico mais recorrente entre as mulheres é descrito como preparar ou servir alimentos, arrumar a mesa ou lavar a louça. Essa tarefa foi realizada por 95,7% em 2022.

Entre os homens, a proporção ficou em 66%. Ou seja, há uma diferença de 29,7 pontos percentuais.

De acordo com o IBGE, os homens registraram percentual superior ao das mulheres em apenas 1 dos 7 afazeres pesquisados.

Trata-se da realização de pequenos reparos ou manutenção do domicílio, do automóvel, de eletrodomésticos ou de outros equipamentos.

Em 2022, 60,2% dos homens desempenharam essa função. Entre as mulheres, a proporção ficou em 32,9%.

O IBGE também afirma que o tempo dedicado pelos homens a afazeres domésticos ou cuidados de pessoas aumenta quando vivem sozinhos. Nessa situação, eles gastaram 14,3 horas por semana em 2022. A média, porém, ainda é inferior à das mulheres (19,3).

No total, 148,1 milhões de pessoas de 14 anos ou mais realizaram afazeres domésticos na própria casa ou em domicílio de parentes em 2022 –esse contingente desconsidera as atividades de cuidado. Houve um aumento de 3,4 milhões em relação a 2019, aponta o IBGE.

A taxa de realização de afazeres domésticos, contudo, caiu para 85,4% no ano passado –estava em 85,9% na pesquisa anterior.

Isso ocorreu porque o aumento do contingente que desenvolveu as tarefas do lar foi menos intenso do que o crescimento da população de 14 anos ou mais como um todo, estima o IBGE.

Já o grupo que realizou cuidados de pessoas foi de 50,8 milhões em 2022. Houve queda de 5,3 milhões ante 2019. Assim, a taxa de realização de cuidados caiu para 29,3% no ano passado –estava em 33,3%.

O IBGE identificou uma redução no cuidado de crianças e jovens de 0 a 14 anos e um aumento no acompanhamento de idosos (60 anos ou mais).

A queda entre os mais jovens, disse Brito, pode estar associada ao aquecimento do mercado de trabalho e aos possíveis efeitos da pandemia sobre a decisão de ter filhos.

"É muito explicada pela melhora do mercado de trabalho, as pessoas podem ter terceirizado esse cuidado por terem menos tempo disponível, e também pelo efeito da pandemia, de menos filhos", afirmou a pesquisadora.



Paciente com Parkinson volta a andar após estimulação espinhal, FSP

 


SÃO PAULO

Um homem de 62 anos com dificuldade de locomoção por doença de Parkinson conseguiu retomar os movimentos nas pernas e andar normalmente após um implante na medula espinhal.

O paciente, Marc, vive em Bordeaux, na França, e recebeu o diagnóstico de Parkinson há 28 anos. Ele passou por remédios e outras terapias para ajudar a reduzir os sintomas associados à perda dos neurônios ligados à locomoção e equilíbrio, mas sem sucesso.

Com a progressão da doença, Marc precisou de outros tratamentos, como a estimulação cerebral profunda, que consiste em implantar alguns eletrodos no cérebro e fazer a estimulação elétrica de áreas afetadas com baixa produção do neurotransmissor dopamina.

Marc, 62, foi tratado com a terapia de estimulação elétrica epidural (EES) para minimizar a dificuldade motora causada pela doença de Parkinson
Marc, 62, foi tratado com a terapia de estimulação elétrica epidural para minimizar a dificuldade motora causada pela doença de Parkinson - Gilles Weber/CHUV

No entanto, ele continuava a apresentar sintomas como "congelamento do andar" (freezing of gait, em inglês), onde, por um tempo de duração variada, apesar da intenção de andar, os pés e músculos das pernas "não obedecem" aos comandos cerebrais.

Assim, foram colocados os implantes para receber a chamada estimulação elétrica da epidural (EES, na sigla em inglês) e conseguir retomar o andar naturalmente. O aparelho é ligado quando ele está em movimento e desligado na hora de dormir.

Marc foi o primeiro paciente humano tratado após um ensaio pré-clínico usando nove modelos de animais (macacos Rhesus) com doença de Parkinson em laboratório. Os resultados foram publicados nesta segunda (6) na revista científica Nature Medicine.

A pesquisa conta com a colaboração de Jocelyn Bloch e Eduardo Morad, da Neurocirurgia do Hospital da Universidade de Lausanne (Suíça); do neurocientista Grégoire Courtine, da Escola Politécnica Federal de Lausanne e de outros pesquisadores de ambos os institutos. Os cientistas fazem parte do programa NeuroRestore, fundado em 2018 e com apoio da Fundação Defitech.

Segundo os autores, a EES é uma terapia segura, minimamente invasiva e já aprovada para uso desde a década de 1990 em pacientes que sofreram lesões na medula espinhal e, assim, apresentam paralisia.

A EES estimula diretamente os nervos da medula espinhal ligados à musculatura dos membros inferiores, gerando impulsos. Diferente de exoesqueletos robóticos, é a própria perna do paciente que vai desempenhar a função de locomoção. Como o sistema se conecta em diferentes regiões do membro, o andar é o mais natural possível.

Além dos impulsos na coluna, os movimentos foram acompanhados por uma ressonância magnética cerebral para ver as áreas do cérebro ativadas com o movimento.

Segundo Bloch, muitos dos pacientes tratados por ela apresentavam "congelamento" do andar, o que pode levar a quedas frequentes. "Em resposta à estimulação da medula espinhal, vimos pela primeira vez melhorias significativas no tipo de declínio locomotor observado em pacientes com Parkinson", diz.

Até o momento, um único paciente tratado representa a chamada "prova de conceito", mas outros participantes devem ser incluídos em ensaios clínicos para, após esta etapa, aprovar a terapia para uso em larga escala.

Após o sucesso com Marc, primeiro paciente humano tratado, os pesquisadores vão testar com outros seis pacientes até 2025
Após o sucesso com Marc, primeiro paciente humano tratado, os pesquisadores vão testar com outros seis pacientes até 2025 - Gilles Weber/CHUV

Os cientistas caminham para a realização de testes com seis outros pacientes, afirma Courtine. "A terapia é baseada no tipo de estimulação espinhal já utilizado para pacientes com lesões na coluna devido a acidentes adaptados para Parkinson. Um próximo passo natural é aumentar o número de indivíduos para conseguir reproduzir um tratamento que possa ser aplicado em outros pacientes", pontua.

Se depender da melhora na qualidade de vida dos pacientes, a esperança com a nova terapia é grande. Segundo Marc, ele "renasceu pela segunda vez" com os implantes espinhais. "Eu tive o meu primeiro renascimento há 20 anos, quando fiz a estimulação cerebral profunda, mas infelizmente eu tive uma deterioração dos sintomas nos últimos anos, o que provocava muitas quedas. Há dois anos, a estimulação espinhal melhorou significativamente meu dia a dia", diz ele.

Segundo Eduardo Morad, engenheiro neurologista, a tecnologia tem a vantagem de ser adaptável. "Não existe uma fórmula só. Algumas pessoas podem apresentar melhora com medicação, outras com estimulação cerebral e outras também com o implante espinhal. Também não há regra de só pode receber o implante quem já fez a estimulação cerebral. E, mais importante, é uma terapia complementar", afirma.

"Marc já possui Parkinson avançado, e até agora nós vimos uma melhora significativa na sua condição. Isso é muito animador", finaliza Morad.

A expectativa dos pesquisadores é entrar com o pedido de autorização para o ensaio clínico até abril do próximo ano e, se possível, iniciar o tratamento até o final de 2024.

A equipe recebeu um apoio de US$ 1 milhão (cerca de R$ 5,1 mi) da Fundação Michael J. Fox, o maior fundo filantrópico para pesquisas de Parkinson, criado pelo ator de "De Volta para o Futuro", que convive com a doença.

Tropas americanas desembarcam na Amazônia e comandantes de 22 exércitos, no Rio: entenda o motivo, OESP

 Era 19 de outubro quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva autorizou a entrada de 294 militares americanos no Brasil. Integrantes do Exército do Sul, da 101.ª Divisão Aerotransportada, do 7.º Grupo de Forças Especiais, além da Guarda Nacional de Nova York participam de mais um exercício de combinado – o CORE 23/Southern Vanguard 24 – e desembarcaram no Pará para realizar treinamentos e exercícios ali e no Amapá com cerca de 1,2 mil militares brasileiros da 23.ª Brigada de Infantaria de Selva.

Militares americanos recebem de colegas brasileiros instrução de combate na selva em Belém antes de seguirem para o Amapá para a Operação CORE 23
Militares americanos recebem de colegas brasileiros instrução de combate na selva em Belém antes de seguirem para o Amapá para a Operação CORE 23 Foto: Comando Militar do Norte/Divulgação

Em Belém, os militares americanos fizeram um estágio de combate e sobrevivência na selva , encerrado no sábado, e devem embarcar hoje para o Amapá. De acordo com a embaixada americana no Brasil, este é um “exercício anual, planejado e dirigido pelo Exército Sul dos Estados Unidos, e patrocinado pelo Comando Sul dos EUA (Southcom)”. “Ele é realizado em níveis operacionais e táticos, com o objetivo de aumentar a interoperabilidade entre as forças dos EUA e do Hemisfério Ocidental e, neste caso, com o Brasil.”

Na mesma nota divulgada no dia 30, a embaixada americana informou: “Exercícios como esse são planejados com anos de antecedência e não estão relacionados a nenhum evento do mundo real”. No dia 1º de novembro, o blog do Exército republicava uma entrevista do comandante militar do Norte, o general Luciano Guilherme Cabral Pinheiro, ao qual a 23ª Brigada está subordinada. Disse o general: “A diplomacia militar é uma ferramenta crucial para a prevenção de conflitos e para a construção de uma comunidade internacional mais segura e estável”.

Havia um temor no Exército e entre os americanos que o exercício fosse explorado por setores de partidos de esquerda para mais uma vez expor o que seriam as diferenças da diplomacia do Itamaraty e aquela praticada pelas Forças Armadas. Ainda mais depois que, no dia 2 de novembro, a general Laura Richardson, do Southcom, voltou a criticar a presença chinesa na América Latina, alertando mais uma vez para o que ela chama de ameaça para a democracia durante uma entrevista no Gordon Institute da Florida International University.

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É nesse inescapável contexto que os exercícios militares na Amazônia vão se desenvolver com o objetivo, segundo o general Guilherme, de “ampliar a interoperabilidade com o Exército dos Estados Unidos da América e forças compostas por países integrantes da OTAN”. Para ele, a atividade deve assegurar a “capacitação do Exército Brasileiro para participar de operações internacionais, de acordo com os interesses nacionais e os compromissos internacionais assumidos pelo País”.

Ainda de acordo com o general, “a maior novidade” no CORE 23 “é o ambiente operacional, que se caracteriza por possuir grupos específicos que devem ser considerados, como exemplo, a presença predominante de grupos indígenas”. Regiões com grandes vazios demográficos e áreas de selva inabitada, nas quais o transporte fluvial predomina, são ambientes propícios para o deslocamento de tropas aeromóveis, como a da 101.ª Divisão Aerotransportada americana.

A general Richardson não estará em Belém, Macapá e Oiapoque. Mas o general Andrew P. Poppas, do U.S. Army Forces Command (Forscom), deve passar por lá antes de chegar à Conferência de Comandantes dos Exércitos Americanos (CCEA), no Rio. Presidida pelo general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, a conferência reunirá delegações de 22 países das Américas, além de Espanha e de Portugal.

O presidente Lula, acompanhado do general Tomás, comandante do Exército, e do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, em solenidade, em Brasília
O presidente Lula, acompanhado do general Tomás, comandante do Exército, e do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro Filho, em solenidade, em Brasília Foto: Wilton Junior/Estadão

Mais uma vez, a pauta será “integração”. Para os generais brasileiros, é notório que os americanos estão preocupados em ocupar espaço na região. Enviaram à conferência um general quatro estrelas responsável pelo maior comando do Exército dos Estados Unidos, fornecedor de forças terrestres expedicionárias, regionalmente engajadas. Para militares brasileiros ouvidos pela coluna, o crescente aumento da participação chinesa na América do Sul está tirando o sono dos americanos.

É verdade que os exercícios com os brasileiros são anuais, portanto, programados há muito tempo. Eles fazem parte de relações bilaterais, que envolvem ainda ações com outras Forças estrangeiras. Para os militares brasileiros, os exercícios e a conferência são oportunidades para, como disse o general Guilherme, “demonstrar sua capacidade de cooperação, o que fortalece a diplomacia militar do Brasil e a promoção da confiança mútua entre forças armadas de diferentes nações”.

Para Lula, é uma rara oportunidade de se mostrar pragmático. No primeiro semestre, quando o Comando de Operações Terrestres (COTer) convidou exércitos das Américas e da Europa para uma seminário sobre doutrina militar, imediatamente teve a iniciativa bombardeada por setores do PT que viram nela um desafio à política de neutralidade defendida pelo Itamaraty em relação às disputas entre China, Rússia e EUA. E logo o Exército se viu obrigado a estender seu convite ao exército chinês.

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Durante a proposta de venda de blindados Guarani na versão ambulância para Ucrânia, interesses distintos também se chocaram: a Defesa era favorável ao negócio de R$ 3,2 bilhões e o Itamaraty, contra. Lula deu razão então aos seus diplomatas. “Era uma decisão que cabia ao presidente”, disse então o general Tomás. Agora que os olhos americanos se voltam para cada canto do globo onde os chineses podem fincar novos entrepostos de sua nova rota da seda, Lula mantém canais abertos com os Estados Unidos e com a França.

Ali, perto do Amapá, os militares brasileiros estão acostumados a fazer exercícios conjuntos com o 3.º Regimento de Infantaria Estrangeira (3.º REI), aquartelado na Guiana – o último foi em março. Os exercícios com americanos na Amazônia vão até o dia 16, enquanto a conferência ocorre até o dia 9, quando o Brasil passa a sua presidência para o México.

No horizonte não há sinal de exercícios conjuntos com os chineses, dez anos depois de o general Liang Guanglie, então ministro da Defesa da República Popular da China, ter proposto exercícios entre as Forças Aéreas dos dois países. As barreiras doutrinárias, de idioma e logísticas ainda são enormes. Para não falar do custo financeiro em uma ação que misturaria interesses diplomáticos com uma ação militar que deveria mirar sobretudo objetivos tático-operacionais. A general Richardson pode ficar tranquila.