segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Justiça suspende audiência pública sobre privatização da Sabesp na Alesp, FSP

 Guilherme Seto

SÃO PAULO

A Justiça de São Paulo determinou a suspensão da audiência pública na Assembleia Legislativa de São Paulo marcada para segunda-feira (6) a respeito do projeto de lei que autoriza o Governo de São Paulo a privatizar a Sabesp, uma das principais metas da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP). Com isso, a Casa terá que marcar uma nova data.

O pedido de liminar acatado pelo juiz Raphael Augusto Cunha argumenta que o presidente da Alesp, André do Prado (PL), deu prazo exíguo para a divulgação da audiência pública, dificultando a participação de todos os possíveis interessados. A divulgação começou, oficialmente, em 1º de novembro, quando foi publicado aviso no Diário Oficial.

A decisão torna mais difícil o objetivo de Tarcísio de conseguir a aprovação do projeto na Alesp ainda em 2023.

A ação popular foi protocolada pelo deputado estadual Luiz Cláudio Marcolino (PT-SP), Neiva Ribeiro, presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, e Ivone Silva, vice-presidente da CUT-SP, representados pelo advogado Maximiliano Garcez, da Advocacia Garcez.

Estação de tratamento de água da Sabesp no bairro Santo Amaro, em São Paulo
Estação de tratamento de água da Sabesp no bairro Santo Amaro, em São Paulo - Gabriel Cabral-26.jul.19/Folhapress

O Ministério Público de São Paulo deu parecer favorável à suspensão e destacou que a audiência foi marcada para o primeiro dia útil após a publicação do aviso no Diário Oficial, já que quarta-feira (1º) foi véspera de feriado.

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"Obviamente que a eventual privatização de uma das maiores companhias de saneamento do mundo é assunto da mais alta relevância pública, devendo ser tal processo envolto na maior transparência e participação ativa dos reais destinatários daquele serviço essencial, ou seja, a população paulista", escreveu o promotor Wilson Tafner.

Em sua decisão liminar (provisória), o juiz determina que a Alesp, em respeito ao princípio da ampla publicidade, divulgue a audiência pública com oito dias úteis de antecedência, no mínimo.

A ação ainda pede a realização de outras quatro audiências públicas antes da votação do projeto de lei. O magistrado disse se tratar de decisão a ser tomada quando houver apreciação do mérito da ação.

Governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) durante encontro com o presidente Lula (PT) em Brasília
Governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) durante encontro com o presidente Lula (PT) em Brasília - Pedro Ladeira-9.jan.2023/Folhapress

"A convocação açodada da audiência pública é apenas mais uma dentre várias ilegalidades que tem permeado a tentativa de privatização ilegal da Sabesp, e que serão objeto de outras medidas judiciais a fim de defender o interesse público e os direitos da população de São Paulo", afirma Garcez.

"O processo de privatização da Sabesp, além de extremamente prejudicial à população de São Paulo, tem sido feito de modo acelerado e sem permitir o adequado debate por parte da sociedade. A ação ajuizada é apenas um capítulo de nossa luta em defesa do patrimônio público e da água e saneamento como direito e não como mercadoria", completam, em nota, Marcolino, Neiva e Ivone.

O governo Tarcísio afirma que o processo de privatização vai reduzir as tarifas para o consumidor, vai permitir o adiantamento das metas de universalização do saneamento no estado e aumentar os investimentos.

Os deputados de oposição criticam a ideia da gestão estadual de usar recursos obtidos com privatização para subsidiar a redução de tarifa e afirmam que a Sabesp é capaz de adiantar a universalização como empresa pública (que, inclusive, não é ineficiente ou deficitária).


Cúpula jurídica da Cohab de Nunes pede demissão em meio a crises da gestão, FSP

 Guilherme Seto

SÃO PAULO

Os ocupantes dos dois principais postos da equipe jurídica da Cohab-SP (Companhia Metropolitana de Habitação) da gestão Ricardo Nunes (MDB) pediram demissão. Internamente, as saídas são atribuídas ao acúmulo de crises e denúncias e o temor de ter que assumir responsabilidades pelo que tem acontecido no órgão que cuida da habitação popular na capital, atualmente sob comando do diretor-presidente João Cury.

Em maio, o então secretário de Habitação, João Farias, entregou o cargo a partir de uma dessas denúncias, como revelou o Painel.

Cury articulava a publicação de um decreto que desapropriaria um terreno na Cidade Tiradentes, zona leste da cidade, e abriria as portas para que uma empresa específica, a Usu Campeão, mantivesse sua participação no programa habitacional Pode Entrar. Sem o decreto, a empresa seria desclassificada.

Ocupação no largo do Paissandu, no centro de São Paulo
Ocupação no largo do Paissandu, no centro de São Paulo - Avener Prado-8.out.2015/Folhapress

Farias se opôs a Cury, disse que o decreto tiraria a lisura do processo, pois daria benefício a uma empresa que nenhuma outra concorrente recebeu, e pediu demissão ao ver que o texto ganhava força na prefeitura. Com a repercussão, o documento foi deixado de lado na época. Acabou sendo publicado no último dia 20 de setembro, no Diário Oficial do município, reinstalando a crise.

A Usu Campeão pertence ao advogado Alexandre Romano, ex-vereador do PT de Americana (SP) que foi preso em 2015 na Operação Lava Jato. Bruno Araújo, ex-presidente do PSDB e amigo de Romano, mobilizou aliados na prefeitura para que o decreto fosse feito e publicado.

Antes disso, em janeiro, em outro episódio revelado pela coluna, a prefeitura alterou edital bilionário do programa de compra de unidades de habitação social Pode Entrar cinco dias antes da abertura dos envelopes com as propostas de empreiteiras, construtoras e incorporadoras.

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A alteração feita de última hora foi significativa e tem grandes chances de aumentar os gastos da prefeitura (e os ganhos das empreiteiras) com o programa. A medida é questionada na Justiça e no Tribunal de Contas do Município e pode implicar interrupção do Pode Entrar.

Nesse cenário turbulento, o próprio presidente da Cohab, João Cury, tem sido aconselhado por aliados a deixar o posto e disputar a Prefeitura de Botucatu em 2024.

Gabinete de João Cury (esq.), diretor-presidente da Cohab
Gabinete de João Cury (esq.), diretor-presidente da Cohab - Reprodução/Instagram/@fabinhoreisoficial

O advogado Ivan Budinski, então diretor jurídico da Cohab, entregou o seu cargo, e Maria Amália Morais, superintendente jurídica, aderiu ao programa de demissão voluntária (PDV) na sequência.

Em nota, a Cohab-SP afirma que "os desligamentos são independentes e não possuem qualquer relação com a atual gestão na companhia."

Procurado, Budinski afirma que entregou o cargo por razões pessoais e que não tem elementos para comentar a respeito dos motivos da saída de Maria Amália da Cohab.

"Aderi ao PDV, mas ainda não tenho certeza absoluta de que vou sair, o acordo ainda precisa ser homologado internamente. Tenho 40 anos de Cohab, sempre fui muito respeitada, nunca fui pressionada a fazer nada que não quisesse. Se tivesse sido, já teria relatado. Não estou saindo por qualquer motivo relacionado às gestões da Cohab", afirma a advogada à coluna.

Quando os governos mentem sobre a economia, Marcus André Melo, FSP

 No governo de Cristina Kirchner (2007-2015), a inflação oficial anunciada pelo Indec (o IBGE argentino) entre 2007 e 2013 era, na média, 15 pontos percentuais inferior à real.

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O presidente Lula (PT) observa o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que se cumprimentam no Palácio do Planalto na cerimônia de sanção do projeto de lei do novo valor do salário mínimo - Pedro Ladeira - 28.ago.23/Folhapress

Empresas e instituições começaram a produzir índices alternativos. O governo então passou a multá-las, acusando-as de produzirem fake news.

A oposição reagiu criando o seu próprio índice, o "IPC Congreso". Em 2013, o FMI reagiu com uma moção de censura à Argentina que eventualmente poderia evoluir para proibição de empréstimos. Ou sua expulsão, por deliberadamente produzir informações falsas, como aconteceu com a Tchecoslováquia, em 1954.

A competição política gera incentivos para os governos mentirem e manipularem informações fiscais e financeiras. O que pode explicar a diferença entre a percepção da economia pelo eleitorado e a economia real, mensurada em termos de crescimento, inflação e desemprego? Ryan E. Carlin e colegas (2021) analisaram empiricamente a questão. Aqui o link para a Comparative Political Studies.

Se não há incentivos para denúncias, a disponibilidade de informações confiáveis não irá importar muito. Por isso os autores criaram um índice de Qualidade do Ambiente Informacional que combina indicadores de transparência das informações econômicas, liberdade de expressão e força da oposição. O comportamento do índice tem a forma de "u" invertido entre 1993 e 2014. Nesse período, os destaques negativos para a transparência foram o caso Indec na Argentina e a contabilidade criativa adotada no Brasil.

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Em termos gerais, há uma correlação (defasada) entre o que ocorre na economia real e a percebida. A memória coletiva é curta: a associação começa a se dissipar após três meses e se dilui após um ano. O efeito global depende do que os autores chamam ambiente informacional: quanto melhor ele for, mais robusto o efeito da economia na opinião pública. Caso contrário, maior a incongruência entre a economia real e a percebida.

No Brasil, a incongruência foi maior em 2008 e 2010 (não estávamos passando apenas por uma "marolinha"). O trabalho daqueles autores não cobre todo o governo Dilma nem o pós-covid, cujo impacto nas finanças públicas foi brutal.

A manipulação escancarada de informações, de que o Indec é emblemático, é, na realidade, a etapa final de um processo que tem início com o descaso com a responsabilidade fiscal.

Aqui, o ambiente informacional na atual conjuntura é marcado pelo que chamei de um governo de coalizão monstro inédita, sem oposição efetiva (cujas consequências analisei aqui), pela transparência pública fortalecida pela criação do IFI (Instituição Fiscal Independente) e por ampla liberdade de expressão. Mas quem defende politicamente a responsabilidade fiscal? O presidente, o centrão, Haddad? Essa defesa é crível?