sábado, 21 de janeiro de 2023

Lula demite comandante do Exército após crise de confiança, FSP

 

BRASÍLIA

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) demitiu o comandante do Exército, general Júlio Cesar de Arruda, em meio a uma crise de confiança aberta após os ataques do dia 8 de janeiro, em Brasília. A decisão foi comunicada ao militar neste sábado (21).

Arruda estava no comando da Força desde o dia 28 de dezembro, antes da posse de Lula como presidente. Ele havia sido escolhido por critério de antiguidade pelo ministro da Defesa, José Múcio Monteiro.

Segundo auxiliares do presidente, a decisão foi tomada porque Arruda não demonstrou disposição de tomar providências imediatas para reduzir as desconfianças de Lula em relação a militares do Exército após a invasão do Palácio do Planalto e das sedes do STF (Supremo Tribunal Federal) e do Congresso.

O comandante do Exército, Júlio Cesar de Arruda - Marcos Correa - 28.dez.2022/Divulgação Presidência da República

A demissão tem potencial para agravar as tensões entre Lula e o comando das Forças Armadas. Os governistas afirmam, no entanto, que a saída de Arruda é necessária para que Lula exercesse sua autoridade como presidente.

Depois dos ataques à praça dos Três Poderes, Lula manifestou publicamente sua desconfiança em relação às Forças Armadas, em críticas direcionadas especificamente ao Exército.

No dia 12, ele afirmou que "muita gente das Forças Armadas" dentro do Palácio do Planalto foi conivente com a invasão. "Estou convencido de que a porta do Palácio do Planalto foi aberta para essa gente entrar porque não vi a porta de entrada quebrada", disse. As declarações de Lula provocaram reações negativas dentro da Força.

O Alto Comando do Exército, formado pelos generais de quatro estrelas, se reuniu neste sábado para discutir a demissão.

Lula cumpre agenda neste sábado em Roraima para anunciar ações contra uma crise de saúde em terras yanomamis. Ele deve retornar a Brasília no fim do dia.

Na sexta-feira (20), o presidente se reuniu com Arruda e os comandantes da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, e da Aeronáutica, Marcelo Kanitz Damasceno. O encontro foi articulado por Múcio como uma maneira de reduzir as tensões deste início de governo.

A reunião, no entanto, não foi suficiente para "virar a página" na relação, como pretendia o ministro da Defesa. A conversa se concentrou em projetos estratégicos e planos de investimentos das Forças Armadas. Dirigentes da Federação das Indústrias do Estado do de São Paulo foram chamados por Lula para participar do encontro.

Nos dias que antecederam a reunião, Lula disse a auxiliares que esperava uma providência enérgica contra os militares que teriam sido coniventes com o ataque à praça dos Três Poderes, no dia 8. A sinalização incluiria uma punição aplicada a esses indivíduos pelas próprias Forças Armadas.

Um dos focos mais vivos de tensão era a chefia do Batalhão da Guarda Presidencial, responsável pela segurança do Palácio do Planalto. Lula exigiu a troca do comandante da tropa, mas o Exército defendeu afastá-lo só depois de uma investigação que pudesse comprovar que ele teria facilitado a invasão do prédio.

O governo também exige uma mudança clara de posição dos militares diante de eventuais ameaças de protestos em frente aos quartéis. Neste ponto, há sinais de convergência: a determinação dos militares é impedir novas ocupações.

Aliados de Lula que fazem uma ponte com os militares afirmam que o novo governo conseguiu melhorar as relações com a Marinha e a Aeronáutica. O Exército, por outro lado, era visto como um problema —o que ficou marcado com a demissão de Arruda.

Josué Gomes e o mito plantado na Avenida Paulista, Frederico Vasconcelos FSP

 Em novembro de 2004, conversei com o industrial Josué Christiano Gomes da Silva, destituído há dois dias da presidência da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva nomeara o vice-presidente da República José Alencar, pai de Josué, para o cargo de ministro da Defesa. Alencar, morto em 2011, substituiu o ministro José Viegas, que deixara o governo depois de atritos com os militares.

Naquela ocasião, vislumbrei a hipótese de que a Coteminas (Companhia de Tecidos Norte de Minas), empresa de Alencar, poderia ser fornecedora de tecidos para a confecção de fardamentos das Forças Armadas.

Era.

Destituição de presidente da Fiesp reproduz antigas distorções da entidade da indústria paulista
Josué Christiano Gomes da Silva, presidente destituído da Fiesp, Jair Bolsonaro, ex-presidente da República, e Paulo Skaf, ex-presidente da Fiesp - Zanone Fraissati/Folhapress e Alan Santos/PR

Josué, então diretor-presidente da Coteminas, veio ao telefone. Não recorreu a assessores. Confirmou que o grupo assumira meses antes o controle de uma empresa que tinha a Marinha e a Aeronáutica entre seus clientes.

"Estamos avaliando qual será a melhor forma de agir, se vamos interromper o fornecimento ou não", disse ele. "Com a surpresa que tivemos [a nomeação do pai], desde ontem estamos estudando qual decisão tomar".

Acompanhei durante anos, na Folha, os fatos envolvendo a Fiesp. Duas décadas depois, identifico, na destituição de Josué, distorções iguais às que registrei tempos atrás.

Como informa a jornalista Fernanda Perrin, em análise na Folha, atribui-se ao ex-presidente Paulo Skaf, bolsonarista, oposição semelhante à enfrentada pelo presidente Horácio Piva (1998-2004), que tentou modernizar a entidade.

Piva anunciara, no dia da posse, um modelo de gestão participativa, elaborado pela Trevisan, firma privada de consultoria. A nova estrutura operacional acomodou em órgãos consultivos dirigentes ligados aos três presidentes anteriores (Carlos Eduardo Moreira Ferreira, Mario Amato e Luis Eulalio de Bueno Vidigal Filho).

"Skaf não é um empresário tradicional. Seus críticos, aliás, gostam de destacar que se trata de um industrial sem indústria", escreveu Perrin.

No final dos anos 80, escrevi na Folha um artigo sob o título "Um Mito Plantado na Avenida Paulista". Tratava da perda de influência da Fiesp, então citada na mídia como a "poderosa entidade da indústria".

O artigo abria com bravata atribuída ao presidente Moreira Ferreira: "Ninguém governa este país sem o apoio desta casa".

Morto em maio de 2022, o advogado, depois deputado federal pelo PFL, também foi "um industrial sem indústria".

O ABC havia deixado de ser o centro de tensões no país. Com a redemocratização, o Congresso, em Brasília, passara a ser o palco maior dos conflitos de interesses. A Fiesp perdera o poder de indicar e "fritar" ministros.

Perrin diz que Skaf "soube reunir em torno de si os interesses de dirigentes de sindicatos de pouco peso, sintomas de uma indústria combalida, que vivem de e para a Fiesp".

Em 1995, o artificialismo da representação sindical era exemplar no conjunto 1.009 do prédio da Fiesp. Ali estavam abrigados os sindicatos de cordoalha e estopa, balanças, pesos e medidas e os de discutível contribuição para o PIB paulista, como os de chapéus, guarda-chuvas e bengalas.

Esses "sindicatos de papel" mantinham poder de voto igual ao do sindicato da indústria de máquinas.

Havia um sindicato de chapéus de "homem" e um de "senhoras". O sindicato da "indústria da confecção de roupas" coexistia com o sindicato da indústria de "alfaiataria e de confecção de roupas de homem" e com o de "camisas para homem".

O advogado Miguel Reale Jr., que representa Josué, diz que a destituição foi uma reação ao fato de o empresário ter organizado um manifesto a favor da democracia, do qual participaram a Febraban e entidades sindicais. "É golpe em letras grandes", diz ele.

Na mesma Folha, a jornalista Fernanda Brigatti diz que, "apesar de apartidário, o documento foi entendido como de oposição ao então presidente Jair Bolsonaro (PL), de quem Paulo Skaf, ex-presidente da entidade, foi apoiador nas eleições de 2022".

Ou seja, uma manifestação da Fiesp a favor do "mito" Bolsonaro; vinte anos atrás, o mito era a própria entidade.


'Militar brasileiro não acredita no STF, mas ouve militar americano', diz cientista político, FSP

 "O que aconteceu no dia 8 de janeiro foi resultado de quase dez anos de infiltração deliberada de uma cultura política autoritária no Brasil", diz Christian Lynch, cientista político e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ)

Ele se refere à data em que bolsonaristas invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF).

Vândalos no salão principal do Palácio do Planalto durante os atos golpistas de 8 de janeiro - Gabriela Biló - 8.jan.2023/Folhapress

Reflexões como essa deram o tom ao nono debate do ciclo Perguntas sobre o Brasil, série de diálogos promovido pelo Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc São Paulo, pela Associação Portugal Brasil 200 anos (APBRA) e pela Folha.

O evento foi realizado na tarde de quarta (18) a partir da pergunta "Como afastar o país de suas raízes autoritárias?".

Junto a Lynch, participou do debate João Roberto Martins Filho, professor do departamento de ciências sociais da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e autor de livros como "O Palácio e a Caserna: A Dinâmica Militar das Crises Políticas na Ditadura" (1995).

PUBLICIDADE

Os bolsonaristas "entraram em modo de indignação a partir do momento em que ficou claro que o Exército não ia fazer o que estavam esperando que fizesse, já que eles estavam reivindicando uma intervenção", afirma Martins Filho.

A partir dos ataques do dia 8, os dois especialistas discutiram o papel das Forças Armadas ao longo da história do Brasil, a radicalização autoritária dos últimos anos e os acampamentos antidemocráticos em frente aos quartéis.

"Sempre que você tem um colapso da legitimidade do sistema representativo, aparecem novos atores em cena dizendo que eles representam a nação", diz Lynch, coautor de "O Populismo Reacionário: Ascensão e Legado do Bolsonarismo" (2022). "E os militares sempre vêm com essa ideia do Poder Moderador".

As Forças Armadas, porém, não correspondem a um Poder Moderador, figura inexistente na Constituição de 1988. Ao contrário do que têm pregado apoiadores de Jair Bolsonaro (PL), o artigo 142 da Carta não tem dispositivos que concedam aos militares o poder de arbitrar conflitos entre os Poderes ou de fazer qualquer tipo de intervenção militar ou federal.

Para Martins Filho, vários foram os fatores que brecaram a tentativa de um golpe. Um dos principais foi a falta de apoio da comunidade internacional, especialmente dos Estados Unidos.

"O militar brasileiro não acredita no Supremo Tribunal Federal, na democracia e nos políticos, mas ouve o que diz o militar americano", ele ressalta. O presidente dos EUA, Joe Biden, foi um dos líderes que prestaram apoio ao presidente Luís Inácio Lula da Silva (PT) e à democracia brasileira após os ataques.

"Eu nunca consegui entender o raciocínio de que o Exército ia dar um golpe para manter o Bolsonaro no poder. Se desse um golpe, seria para tirar o Bolsonaro e colocar outra pessoa", enfatiza Lynch.

Para ele, o ex-presidente disseminou um modelo que se proliferou entre outros atores políticos, como as atuais deputadas federais Carla Zambelli (PL-SP) e Bia Kicis (PL-DF), e Nikolas Ferreira (PL-MG), que toma posse como deputado em fevereiro. "Eu chamo isso de 'cafetinagem democrática', você trata a democracia e a República como se fosse um cafetão, batendo nelas o tempo inteiro para arrancar dinheiro".

A conversa foi mediada pelo jornalista Naief Haddad, repórter especial da Folha, e apresentada por Patrícia Dini, da programação do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc.

O evento, transmitido pelos canais do Sesc São Paulo, do Diário de Coimbra e da APBRA no Youtube, pode ser assistido na íntegra.

Esse foi o primeiro evento do ano do ciclo Perguntas sobre o Brasil, que discute temas relevantes da contemporaneidade a partir das obras indicadas pelo projeto 200 anos, 200 livros, iniciativa da Folha, da APBRA e do Projeto República (núcleo de pesquisa da UFMG).

A próxima edição está marcada para o dia 10 de fevereiro e discute o rap e o samba no Brasil. Até maio deste ano, serão abordadas questões sobre economia, religiões de matriz africana e tropicalismo, além de analisadas as contribuições de escritores clássicos brasileiros, como Guimarães Rosa, Euclides da Cunha e Machado de Assis. Veja a programação completa.