Em novembro de 2004, conversei com o industrial Josué Christiano Gomes da Silva, destituído há dois dias da presidência da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva nomeara o vice-presidente da República José Alencar, pai de Josué, para o cargo de ministro da Defesa. Alencar, morto em 2011, substituiu o ministro José Viegas, que deixara o governo depois de atritos com os militares.
Naquela ocasião, vislumbrei a hipótese de que a Coteminas (Companhia de Tecidos Norte de Minas), empresa de Alencar, poderia ser fornecedora de tecidos para a confecção de fardamentos das Forças Armadas.
Era.
Josué, então diretor-presidente da Coteminas, veio ao telefone. Não recorreu a assessores. Confirmou que o grupo assumira meses antes o controle de uma empresa que tinha a Marinha e a Aeronáutica entre seus clientes.
"Estamos avaliando qual será a melhor forma de agir, se vamos interromper o fornecimento ou não", disse ele. "Com a surpresa que tivemos [a nomeação do pai], desde ontem estamos estudando qual decisão tomar".
Acompanhei durante anos, na Folha, os fatos envolvendo a Fiesp. Duas décadas depois, identifico, na destituição de Josué, distorções iguais às que registrei tempos atrás.
Como informa a jornalista Fernanda Perrin, em análise na Folha, atribui-se ao ex-presidente Paulo Skaf, bolsonarista, oposição semelhante à enfrentada pelo presidente Horácio Piva (1998-2004), que tentou modernizar a entidade.
Piva anunciara, no dia da posse, um modelo de gestão participativa, elaborado pela Trevisan, firma privada de consultoria. A nova estrutura operacional acomodou em órgãos consultivos dirigentes ligados aos três presidentes anteriores (Carlos Eduardo Moreira Ferreira, Mario Amato e Luis Eulalio de Bueno Vidigal Filho).
"Skaf não é um empresário tradicional. Seus críticos, aliás, gostam de destacar que se trata de um industrial sem indústria", escreveu Perrin.
No final dos anos 80, escrevi na Folha um artigo sob o título "Um Mito Plantado na Avenida Paulista". Tratava da perda de influência da Fiesp, então citada na mídia como a "poderosa entidade da indústria".
O artigo abria com bravata atribuída ao presidente Moreira Ferreira: "Ninguém governa este país sem o apoio desta casa".
Morto em maio de 2022, o advogado, depois deputado federal pelo PFL, também foi "um industrial sem indústria".
O ABC havia deixado de ser o centro de tensões no país. Com a redemocratização, o Congresso, em Brasília, passara a ser o palco maior dos conflitos de interesses. A Fiesp perdera o poder de indicar e "fritar" ministros.
Perrin diz que Skaf "soube reunir em torno de si os interesses de dirigentes de sindicatos de pouco peso, sintomas de uma indústria combalida, que vivem de e para a Fiesp".
Em 1995, o artificialismo da representação sindical era exemplar no conjunto 1.009 do prédio da Fiesp. Ali estavam abrigados os sindicatos de cordoalha e estopa, balanças, pesos e medidas e os de discutível contribuição para o PIB paulista, como os de chapéus, guarda-chuvas e bengalas.
Esses "sindicatos de papel" mantinham poder de voto igual ao do sindicato da indústria de máquinas.
Havia um sindicato de chapéus de "homem" e um de "senhoras". O sindicato da "indústria da confecção de roupas" coexistia com o sindicato da indústria de "alfaiataria e de confecção de roupas de homem" e com o de "camisas para homem".
O advogado Miguel Reale Jr., que representa Josué, diz que a destituição foi uma reação ao fato de o empresário ter organizado um manifesto a favor da democracia, do qual participaram a Febraban e entidades sindicais. "É golpe em letras grandes", diz ele.
Na mesma Folha, a jornalista Fernanda Brigatti diz que, "apesar de apartidário, o documento foi entendido como de oposição ao então presidente Jair Bolsonaro (PL), de quem Paulo Skaf, ex-presidente da entidade, foi apoiador nas eleições de 2022".
Ou seja, uma manifestação da Fiesp a favor do "mito" Bolsonaro; vinte anos atrás, o mito era a própria entidade.
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