sábado, 21 de janeiro de 2023

Josué Gomes e o mito plantado na Avenida Paulista, Frederico Vasconcelos FSP

 Em novembro de 2004, conversei com o industrial Josué Christiano Gomes da Silva, destituído há dois dias da presidência da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva nomeara o vice-presidente da República José Alencar, pai de Josué, para o cargo de ministro da Defesa. Alencar, morto em 2011, substituiu o ministro José Viegas, que deixara o governo depois de atritos com os militares.

Naquela ocasião, vislumbrei a hipótese de que a Coteminas (Companhia de Tecidos Norte de Minas), empresa de Alencar, poderia ser fornecedora de tecidos para a confecção de fardamentos das Forças Armadas.

Era.

Destituição de presidente da Fiesp reproduz antigas distorções da entidade da indústria paulista
Josué Christiano Gomes da Silva, presidente destituído da Fiesp, Jair Bolsonaro, ex-presidente da República, e Paulo Skaf, ex-presidente da Fiesp - Zanone Fraissati/Folhapress e Alan Santos/PR

Josué, então diretor-presidente da Coteminas, veio ao telefone. Não recorreu a assessores. Confirmou que o grupo assumira meses antes o controle de uma empresa que tinha a Marinha e a Aeronáutica entre seus clientes.

"Estamos avaliando qual será a melhor forma de agir, se vamos interromper o fornecimento ou não", disse ele. "Com a surpresa que tivemos [a nomeação do pai], desde ontem estamos estudando qual decisão tomar".

Acompanhei durante anos, na Folha, os fatos envolvendo a Fiesp. Duas décadas depois, identifico, na destituição de Josué, distorções iguais às que registrei tempos atrás.

Como informa a jornalista Fernanda Perrin, em análise na Folha, atribui-se ao ex-presidente Paulo Skaf, bolsonarista, oposição semelhante à enfrentada pelo presidente Horácio Piva (1998-2004), que tentou modernizar a entidade.

Piva anunciara, no dia da posse, um modelo de gestão participativa, elaborado pela Trevisan, firma privada de consultoria. A nova estrutura operacional acomodou em órgãos consultivos dirigentes ligados aos três presidentes anteriores (Carlos Eduardo Moreira Ferreira, Mario Amato e Luis Eulalio de Bueno Vidigal Filho).

"Skaf não é um empresário tradicional. Seus críticos, aliás, gostam de destacar que se trata de um industrial sem indústria", escreveu Perrin.

No final dos anos 80, escrevi na Folha um artigo sob o título "Um Mito Plantado na Avenida Paulista". Tratava da perda de influência da Fiesp, então citada na mídia como a "poderosa entidade da indústria".

O artigo abria com bravata atribuída ao presidente Moreira Ferreira: "Ninguém governa este país sem o apoio desta casa".

Morto em maio de 2022, o advogado, depois deputado federal pelo PFL, também foi "um industrial sem indústria".

O ABC havia deixado de ser o centro de tensões no país. Com a redemocratização, o Congresso, em Brasília, passara a ser o palco maior dos conflitos de interesses. A Fiesp perdera o poder de indicar e "fritar" ministros.

Perrin diz que Skaf "soube reunir em torno de si os interesses de dirigentes de sindicatos de pouco peso, sintomas de uma indústria combalida, que vivem de e para a Fiesp".

Em 1995, o artificialismo da representação sindical era exemplar no conjunto 1.009 do prédio da Fiesp. Ali estavam abrigados os sindicatos de cordoalha e estopa, balanças, pesos e medidas e os de discutível contribuição para o PIB paulista, como os de chapéus, guarda-chuvas e bengalas.

Esses "sindicatos de papel" mantinham poder de voto igual ao do sindicato da indústria de máquinas.

Havia um sindicato de chapéus de "homem" e um de "senhoras". O sindicato da "indústria da confecção de roupas" coexistia com o sindicato da indústria de "alfaiataria e de confecção de roupas de homem" e com o de "camisas para homem".

O advogado Miguel Reale Jr., que representa Josué, diz que a destituição foi uma reação ao fato de o empresário ter organizado um manifesto a favor da democracia, do qual participaram a Febraban e entidades sindicais. "É golpe em letras grandes", diz ele.

Na mesma Folha, a jornalista Fernanda Brigatti diz que, "apesar de apartidário, o documento foi entendido como de oposição ao então presidente Jair Bolsonaro (PL), de quem Paulo Skaf, ex-presidente da entidade, foi apoiador nas eleições de 2022".

Ou seja, uma manifestação da Fiesp a favor do "mito" Bolsonaro; vinte anos atrás, o mito era a própria entidade.


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