sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 é erro grave de Lula, VTF FSP

 Manter o valor do Auxílio Brasil em R$ 600 é inevitável, por motivos sociais e políticos, embora o programa seja muito ruim e precise de reforma urgente. Aprovar a isenção de Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5.000 por mês é um tiro no pé que vai provocar sangramento durante Lula 3.

Mas o governo de transição já discute de fato colocar o projeto no pacote que quer aprovar no Congresso até o final do ano.

A medida é socialmente injusta. As pessoas que recebem até R$ 5.000 de fato deixariam de pagar Imposto de Renda. Apenas a Receita Federal tem os dados mais precisos, mas, com tal teto de isenção, talvez apenas 7 milhões de 31 milhões de contribuintes ou declarantes continuariam obrigados a declarar ou também pagar IR.

Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de pé com o microfone na mão e camisa azul escura, com o vice na chapa, Geraldo Alckmin, sentado ao seu lado
O ex-presidente e candidato Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado de seu vice na chapa, Geraldo Alckmin, em ato de campanha que reuniu políticos, intelectuais e movimentos sociais organizados - Marlene Bergamo - 10.out.2022/Folhapress

Parece alcançar muita gente e, portanto, parece justo. Mas há cerca de 100 milhões de pessoas que trabalham no país. A maioria, portanto, não seria beneficiada (para nem mencionar os que procuram emprego e não o conseguem e os cronicamente desempregados).

A isenção beneficiaria também aqueles que continuariam a pagar o IR, as pessoas mais ricas do país. Não importa a renda da criatura, todo mundo deixará de pagar imposto sobre R$ 5.000 que recebe.

Pode-se argumentar que, mais adiante, Lula 3 e associados vão inventar algum modo de cobrar mais imposto dos mais ricos, talvez por meio de alíquota maior sobre lucros, dividendos, outras rendas ou sobre patrimônio.

Sabe-se lá. O fato é que o governo vai trocar uma perda de receita certa e enorme por uma incógnita.

Não se sabe também exatamente de quanto seria a perda de receita. Os cálculos atuais, além de meio chutados a partir de dados genéricos, são apenas contábeis, sem levar conta efeitos econômicos.

Suponha-se que a perda de receita fique em torno de R$ 150 bilhões. É o custo anual aproximado do Auxílio Brasil a R$ 600 por mês, mais um tanto de novos beneficiários. Parece justo? Não é.

A tabela do IR talvez precise de reajuste, mas até isso é discutível. Impostos sobre renda são dos mais justos (e, sim, os mais ricos precisam pagar muito mais).

Lula 3 tem grandes pretensões sociais. Sabe-se lá quais tentará levar à prática. Para tanto, precisará de dinheiro que já não tem ou vai ficar sem, gastando mais já no Orçamento de 2023. Isto é, de cara, o governo já estará tomando mais dinheiro emprestado, fazendo mais dívida pública e pagando juros de quase 14% ao ano (juros que vão, claro, para os mais ricos, os credores do governo).

Uma das prioridades nacionais é melhorar a escola das crianças. Creches e escolas infantis maravilhosas poderiam fazer com que as crianças mais pobres chegassem à fase de alfabetização em condições parecidas com as das filhas dos ricos.

Seria um lugar onde poderiam ficar seguras, alimentadas e acompanhadas. Mães e pais poderiam trabalhar com tranquilidade. É um programa com efeitos no curto, no médio e no longo prazo. Não é atribuição da União, mas o governo federal poderia bancar o custo, assim como poderia contribuir para o aumento da rede de escolas em tempo integral para crianças maiores.

Lula 3 também quer aumentar o investimento público. Vai precisar colocar dinheiro na melhoria do SUS. Quer gastar em bobagens, também, como subsídio para grande empresa, de novo. Mesmo que fique apenas no meritório, essencial e urgente e socialmente justo, mal tem dinheiro. Além de remanejar os gastos, Lula 3 precisa de aumento de receita. Perder R$ 150 bilhões é, pois, piorar o problema fiscal (crescimento sem limite da dívida), assunto para o qual não tem até agora solução alguma e que pode solapar seu governo.

Ruy Castro O futuro presidiário, FSP

 

O ex-imbrochável está com medo. É o que se deduz da afinada de Bolsonaro junto aos caminhoneiros, de sua acoelhada visita ao STF e das consultas desesperadas a advogados. Ele busca uma fórmula que o salve de, despojado de suas imunidades como presidente, ver seus processos caírem na primeira instância, onde serão julgados como os de um criminoso comum — o que ele é. Se não conseguir, seus seguidores terão de acrescentar ao epíteto de ex-presidiário, que conferiram a Lula, um novo epíteto, a aplicar a ele: o de futuro presidiário.

Bolsonaro disse um dia que só três alternativas o tirariam do Planalto: ser preso, ser morto ou perder a eleição. "A primeira alternativa não existe", arrotou — frase que eu gostaria de vê-lo repetir agora. A terceira já se confirmou. E ninguém lhe deseja a segunda. Ao contrário, todos o querem vivo para pagar por seu legado. Pena Bolsonaro não ter tempo de vida para cumprir todas as sentenças que receber, devido ao número de quesitos em que a lei pode enquadrá-lo. Eis alguns.

Homofobia, xenofobia, racismo, desvio de verba pública (rachadinhas), formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, peculato, estelionato, corrupção passiva, crime hediondo (suas atitudes na pandemia), charlatanismo (como garoto-propaganda da cloroquina), prevaricação, vazamento de dados sigilosos, uso de milícias digitais, propagação de fake news, ofensas e ameaças ao STF, abuso do poder, incitação à baderna, tentativa de golpe de Estado e, não por último, crimes contra a humanidade.

Até 1º de janeiro, Bolsonaro deverá sua liberdade a dois presidentes da Câmara, Rodrigo Maia e Arthur Lira, cujos traseiros sufocaram centenas de pedidos de impeachment, e ao PGR Augusto Aras, que protagonizará os alívios cômicos nas futuras biografias de Bolsonaro.

Se, depois de tudo, ele escapar da grade, será para esta que deveriam se destinar os que o absolverem.

Manual de convivência para reconstruir um projeto de nação, Frederico Vasconcelos, FSP

 "Democracia só vale na possibilidade de alternância de poder. Quem sucede não é uma pessoa, mas um projeto de nação. Sucede para superar e não para aniquilar o diferente e o adversário."

Esses princípios foram realçados pelo sociólogo José de Souza Martins, em artigo publicado no jornal Valor, dias antes das eleições do último domingo. (*)

Martins imaginou o que poderia ocorrer com a vitória de cada candidato à Presidência.

Num país dividido, com elevado grau de intolerância, sugeriu modos "para que nos reencontremos na consciência de que a sociedade é a unidade do diverso e não a desunião do único e da linha reta".

Manifestações de grupos a favor e contra Bolsonaro
Manifestações de grupos contra Bolsonaro e a favor do Presidente - Mariana Schreiber/BBC News e Anderson Coelho/AFP

A seguir, trechos do artigo:

- Se vencer Bolsonaro, o país amanhecerá com um desafio de, nas sombras de seu obscurantismo, se reconstruir, no marco das tradições inconformistas e poéticas do povo brasileiro. O de reencontrar-se como nação da esperança a partir dos valores e possibilidades da Constituição de 1988.

- Se vencer Lula, ele, o PT e os grupos também democráticos não petistas terão que compreender os complexos desafios de superar o autoritarismo residual da ditadura de 1964. E viabilizar o diálogo entre a sociedade civil e as Forças Armadas, para que se convençam de que sua missão histórica não é a de tutelar a sociedade nem tratá-la como inimiga do Estado.

- O Brasil não é um quartel, não é uma confraria religiosa, não é um curral político, não é um cercadinho de bajuladores de porta de palácio.

- Se as Forças Armadas não compreenderem que a modernidade democrática é a da sociedade pluralista, diversificada, diferençada e não a de direita e menos ainda de extrema direita, nos bloquearão no meio do caminho.

- Muitos dos que se supõem democratas entendem que democracia é o direito de expressar e impor à sociedade sua vontade pessoal. (...) Acham que a sociedade não existe como um ser coletivo que pode ser posto em risco por qualquer deslize derivado de vontades pessoais. Bolsonaro tem optado por essa concepção antidemocrática de democracia.

- Com razão, o erudito pastor batista Ed René Kivitz, reconhecidamente competente teólogo e exegeta, tem insistido em que o que está em jogo nesta eleição não é corrupção. O que está em jogo é o marco civilizatório que regulará o nosso destino como nação.

José de Souza Martins é sociólogo. Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP