quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Bolsonaro tenta imitar Trump e invasão do Capitólio, Hélio Schwartsman, FSP

Jair Bolsonaro tenta emular os passos de Donald Trump. Ele esperou quase 48 horas para se pronunciar sobre o pleito e, quando finalmente falou, agradeceu os votos recebidos e reclamou de uma suposta injustiça do sistema eleitoral. Não parabenizou Lula nem reconheceu explicitamente a derrota. Fê-lo apenas indiretamente, indicando que jogaria nas quatro linhas da Constituição. Também autorizou seu ministro da Casa Civil a dizer que daria início ao processo de transição.

Se fosse só isso, poderíamos classificar a atitude como uma infantilidade sem maiores consequências. Denotaria uma tremenda falta de educação e de compromisso com os ritos da democracia, mas Bolsonaro já fez coisas piores. Se ele não quiser entregar a faixa a Lula, sua ausência não será lamentada. João Figueiredo, o último ditador militar, também saiu pela porta dos fundos.

O ex-presidente dos EUA Donald Trump acena durante boas vindas ao presidente Jair Bolsonaro, durante visita à Casa Branca, em 2019 - Jim Watson - 19.mar.19/AFP

Há motivos, porém, para recear que o comportamento de Bolsonaro tenha configurado um ensaio de sublevação, uma tentativa brancaleônica de reverter o resultado da eleição. As longas horas de silêncio do presidente serviram de senha para que uma ala radical de seus apoiadores promovesse bloqueios em estradas.

O que ele precisaria ter feito agora seria condenar com veemência esse movimento e exigir sua imediata cessação. O que vimos, porém, foi uma leve admoestação, que alguns fanáticos podrão ler até como estímulo, já que ele justificou a motivação dos baderneiros.

É a versão tupiniquim da invasão ao Capitólio, em que o mandatário, por omissão ou estímulo direto, cria uma situação de desordem, na esperança de que ela sirva de pretexto para algum tipo de intervenção com desfecho desconhecido.

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Bolsonaro, porém, se viu isolado e teve de recuar, exatamente como ocorrera com Trump em 2021. Bolsonaro não recebeu apoio nem dos militares nem de seus principais aliados políticos. Aparentemente, só a milícia rodoviária federal estava com ele.

 

Elio Gaspari - Bolsonaro ficou fora da curva, FSP

 Lula já mostrou que sabe agregar e os luminares do centrão sabem agregar-se. Já Bolsonaro, com seu silêncio dominical, confirmou o que se sabia desde janeiro de 2019, quando ele chegou ao Planalto: o figurino das instituições democráticas assenta-lhe mal.

Prever a sua morte política é uma precipitação. Ela só ocorre, às vezes, com a morte física. Mais morto que Lula no cárcere do Curitiba, só Getúlio Vargas no leito de seu quarto no palácio do Catete. Nenhum dos dois morreu politicamente e Lula viveu o suficiente para ser eleito pela terceira vez.

O presidente Jair Bolsonaro durante pronunciamento nesta terça-feira (1º) - Gabriela Biló/Folhapress

Deve-se buscar o Bolsonaro do futuro no inexpressivo capitão da política do Rio de Janeiro. Ele foi eleito em 2018 por muitos fatores. Um deles foi a soberba petista diante das denúncias de corrupção. Deve-se lembrar que o candidato petista Fernando Haddad dizia que, eleito, teria um conselheiro em Lula, preso em Curitiba. A coligação alimentada pelo sentimento antipetista elegeu-o. Quatro anos depois, Bolsonaro tornou-a minoritária. Minoritária, porém robusta.

Bolsonaro não é Floriano Peixoto nem Carlos Lacerda. Ambos foram grandes personagens da República. Um não passou a cargo ao seu sucessor, Prudente de Morais. Florianistas rasgaram o estofo de móveis do palácio. Colaboradores de Carlos Lacerda puseram sujeira nas gavetas do palácio Guanabara. Depois de pirraça, ambos declinaram. Floriano, abatido pela cirrose, morreu pouco depois. Lacerda vagou por todas as conspirações disponíveis e acabou-se quase esquecido.

O sentimento que elegeu Bolsonaro em 2018 produziu dois quadros. Um é Tarcísio Gomes de Freitas, eleito governador de São Paulo. A sua ida para o ministério da Infraestrutura sinaliza um daqueles momentos em que o governo de Bolsonaro poderia ter sido diferente. Ele conheceu-o de manhã, com suas credenciais de aluno estelar do Instituto Militar de Engenharia e de burocrata limpo. À noite, nomeou-o.

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O segundo quadro surgido em 2018 foi o general da reserva Hamilton Mourão, eleito senador pelo Rio Grande do Sul. Mourão tornou-se vice-presidente e foi escanteado por Bolsonaro a partir de futricas pretorianas. Vale lembrar que Mourão foi buscar seus votos no Rio Grande do Sul, a 1.500 km das companhias bolsonaristas do Rio de Janeiro.

Tarcísio de Freitas e Mourão reconheceram a vitória de Lula e se afastaram do bolsonarismo tóxico, golpista e primitivo.

Quando Lula diz que o Brasil é um só, enuncia uma frase bonita e felizmente pacificadora, mas os números mostram que a divisão está aí, há tempo. Pode-se entender a força de Lula no Nordeste pela sua identificação sincera com os pobres. Entender o mapa eleitoral dos municípios do interior de São Paulo é outra história. Neles, Haddad foi batido. Pior, de uma maneira geral, lá o PT nunca prevaleceu.

Na história da direita brasileira, o mais provável é que Bolsonaro venha a ser um infeliz ponto fora da curva.

Uma boa sinalização dessa excentricidade do capitão está no seu isolamento internacional. A direita de Pindorama sempre foi ajudada pelo seu cosmopolitismo. Dois presidentes americanos (John Kennedy e Lyndon Johnson), ambos do Partido Democrata, sopraram as brasas do fogaréu de 1964. Lula foi felicitado por Joe Biden e só o esperto tatarana Steve Bannon disse que a eleição foi fraudada.