quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Deirdre Nansen McCloskey D- Depressão portuguesa, FSP

 

Fui a Portugal pela primeira vez na semana passada. Já fui ao Brasil muitas vezes, de modo que foi interessante ouvir a diferença no sotaque. O sotaque de vocês, brasileiros, é melhor para cantar. Mas a viagem durou apenas quatro dias, então não tive a oportunidade de ouvir um fado, por exemplo. Da próxima vez vou conhecer o Porto, o norte do país, o sul e o fado.

Fiz um discurso numa pequena conferência de historiadores econômicos. Pareceu ser bem recebido, e de lá fomos a um restaurante local de frutos do mar para devorar sardinhas grandes.

Mas o país parecia estar deprimido. Meu anfitrião, um historiador econômico jovem e brilhante chamado Nuno Palma, me disse que a última vez que Portugal foi líder europeu em crescimento econômico foi algumas décadas antes do grande terremoto em Lisboa —de 1755.

Ele e eu fizemos uma entrevista diante de uma pequena plateia de liberais no sentido europeu —quero dizer, não como membros do Partido Liberal, mas como pessoas que acreditam de fato na igualdade de permissão, na dignidade e na liberdade. Todos pareceram preocupados com o futuro de seu país.

Bom, quem não está, hoje em dia? Mesmo assim, isso parece estranho para nós, historiadores econômicos, porque sabemos como Portugal era pobre em 1800, digamos. Era o país mais pobre da Europa; a renda diária era de cerca de US$ 2 por pessoa, e era o país menos alfabetizado. Um pouco como o Brasil após o crescimento original motivado pela descoberta do ouro.

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Hoje, destacamos, as ruas de Lisboa e São Paulo estão cheias de automóveis, algo que teria sido inconcebível em 1800, e a maioria das pessoas sabe ler. Portugal tem renda diária por pessoa de cerca de US$ 100 —mais ou menos o dobro da renda brasileira.

Então por que as pessoas estão tão pessimistas? Por que elas mostram uma tendência tão grande a votar em idiotas, apenas para arriscar? Por que não são adultas, responsáveis e não têm amor-próprio?

Penso que é porque na maioria dos países a renda não vem subindo numa velocidade tamanha que pegue as pessoas de surpresa e infunda otimismo. A China, por exemplo, vem crescendo tão rápido desde 1978 que sua população atura a aristocracia dos funcionários do Partido Comunista.

As pessoas não enxergam melhoria se ela ocorre a apenas 1% ao ano, uma taxa na qual a renda real leva cerca de sete décadas para dobrar. Os políticos trabalham com o presente e têm todos os incentivos
do mundo para exagerar os problemas.

Logo, para ser otimista, a única opção é virar historiador econômico. Eu a recomendo.

Tradução de Clara Allain


O Brasil tá matando o Brasil, Mariliz Pereira Jorge. FSP

 Em junho de 2020, o taxista Márcio Antônio do Nascimento Silva protagonizou uma das cenas mais tristes da história deste país. Ele vestia apenas bermuda cinza e uma camiseta amarela pendurada no pescoço, além de dor e indignação, enquanto recolocava as cruzes fincadas na areia de Copacabana pela ONG Rio de Paz para homenagear as vítimas da Covid-19. Momentos antes elas haviam sido arrancadas por apoiadores de Jair Bolsonaro.

Naquele mês em que a pandemia batia recordes diários de mortes, que chegaram a 60 mil, e já deixava um rastro de destruição, o presidente só foi capaz de dizer que "era o destino de todo mundo", como um mensageiro do inferno. Naquele mês, o destino do taxista foi enterrar o filho de 25 anos, vítima da doença que matou quase 700 mil brasileiros.

Nesta segunda (3), o coração de Márcio Antônio parou de bater, destino de todo mundo, segundo Jair Bolsonaro, apesar de o taxista, aos 58 anos, ser mais jovem do que o presidente. Não deixa de ser simbólico que Márcio Antônio tenha definhado logo após as eleições. O Brazil tá matando o Brasil... S.O.S ao Brasil. Nosso "destino" tem trilha sonora.

O taxista Márcio Antônio do Nascimento da Silva relata aos senadores, na CPI da Covid,  em 18 de outubro de 2021, que perdeu a irmã e o filho, Hugo Dutra do Nascimento Silva, 25, na pandemia
O taxista Márcio Antônio do Nascimento da Silva se emociona ao relatar aos senadores, na CPI da Covid, em 18 de outubro de 2021, que perdeu a irmã e o filho, Hugo Dutra do Nascimento Silva, 25, na pandemia - Edilson Rodrigues - 18.out.2021/Agência Senado

Cá estou eu a chorar por mais um desconhecido ao mesmo tempo que velo um país em frangalhos. Num mesmo dia passei por todas as fases do luto: isolamento, raiva, barganha, depressão, aceitação. É isso mesmo o que somos? Um povo que faz arminha com a mão, odeia o próximo e vai a igreja aos domingos?
Digo sempre que os políticos não conhecem o Brasil quando afirmam que por aqui não há fome, miséria, violência, preconceito. Depois deste 2 de outubro, percebi que sei pouco do país onde vivi quase 50 anos.

Domingo me deparei com um lugar mergulhado num estado de decadência moral, distante daquele com o qual sempre me identifiquei. "Sertões, Guimarães, Bachianas, águas..." Gosto dessa parte, mas o que nos resta é o S.O.S ao Brasil.

Bruno Boghossian Bolsonaro reúne antipetistas e tenta equilibrar jogo da rejeição, FSP

 A campanha de Jair Bolsonaro conseguiu uma jogada importante nas 48 horas iniciais do segundo turno: fez com que uma potencial resistência à volta do PT ganhe mais espaço como fator de decisão de voto. O presidente vinha enfrentando uma eleição com ares de plebiscito sobre a continuidade do governo, mas agora tenta usar o recomeço da disputa para buscar um equilíbrio.

Dois fatos políticos de destaque nesta terça (4) contribuem para seu esforço. O governador mineiro Romeu Zema declarou apoio à reeleição do presidente com um discurso baseado na rejeição ao PT. Em São Paulo, Rodrigo Garcia se alinhou ao bolsonarismo numa decisão fincada no antipetismo histórico do estado.

O segundo turno muda alguns parâmetros da busca pelos votos que continuam em disputa. Lula vai insistir na expansão de seu eleitorado sob o argumento de que é preciso evitar mais um mandato de Bolsonaro, enquanto o presidente tenta convencer o país de que é mais importante evitar o retorno do petista.

O cenário apresenta a Lula um novo desafio. O ex-presidente saiu do primeiro turno em vantagem e conseguiu votos que já representavam um repúdio a Bolsonaro. Para continuar à frente, ele precisa garantir que esses eleitores voltem às urnas, conquistar novas adesões e evitar que o antipetismo se sobreponha ao desejo de derrotar o presidente.

Nessa batalha de rejeições, Bolsonaro trabalha para reforçar suas próprias defesas. Nos últimos dias, o presidente anunciou a antecipação de pagamentos do Auxílio Brasil e prometeu criar novos benefícios dentro do programa. É uma tentativa de reduzir a sensação de mal-estar com o governo, com o objetivo de manter a campanha no terreno da política e da ideologia.

A frente antipetista que Bolsonaro tentou apresentar na largada do segundo turno pode não ser suficiente para virar o jogo, mas deixa o presidente numa situação menos desconfortável. Agora, Lula também terá que convencer o eleitor de que não é o alvo principal da disputa.