Em junho de 2020, o taxista Márcio Antônio do Nascimento Silva protagonizou uma das cenas mais tristes da história deste país. Ele vestia apenas bermuda cinza e uma camiseta amarela pendurada no pescoço, além de dor e indignação, enquanto recolocava as cruzes fincadas na areia de Copacabana pela ONG Rio de Paz para homenagear as vítimas da Covid-19. Momentos antes elas haviam sido arrancadas por apoiadores de Jair Bolsonaro.
Naquele mês em que a pandemia batia recordes diários de mortes, que chegaram a 60 mil, e já deixava um rastro de destruição, o presidente só foi capaz de dizer que "era o destino de todo mundo", como um mensageiro do inferno. Naquele mês, o destino do taxista foi enterrar o filho de 25 anos, vítima da doença que matou quase 700 mil brasileiros.
Nesta segunda (3), o coração de Márcio Antônio parou de bater, destino de todo mundo, segundo Jair Bolsonaro, apesar de o taxista, aos 58 anos, ser mais jovem do que o presidente. Não deixa de ser simbólico que Márcio Antônio tenha definhado logo após as eleições. O Brazil tá matando o Brasil... S.O.S ao Brasil. Nosso "destino" tem trilha sonora.
Cá estou eu a chorar por mais um desconhecido ao mesmo tempo que velo um país em frangalhos. Num mesmo dia passei por todas as fases do luto: isolamento, raiva, barganha, depressão, aceitação. É isso mesmo o que somos? Um povo que faz arminha com a mão, odeia o próximo e vai a igreja aos domingos?
Digo sempre que os políticos não conhecem o Brasil quando afirmam que por aqui não há fome, miséria, violência, preconceito. Depois deste 2 de outubro, percebi que sei pouco do país onde vivi quase 50 anos.
Domingo me deparei com um lugar mergulhado num estado de decadência moral, distante daquele com o qual sempre me identifiquei. "Sertões, Guimarães, Bachianas, águas..." Gosto dessa parte, mas o que nos resta é o S.O.S ao Brasil.
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