domingo, 2 de outubro de 2022

O que esperar do 2º turno com Tarcísio e Haddad em SP: mesmo de fora, tucanos poderão ser decisivos, \\oesp

 Após 28 anos de domínio tucano, a eleição em São Paulo se dará sem a participação do PSDB. Ao menos nas urnas. Com o segundo turno definido entre os candidatos Tarcísio de Freitas (Republicanos) e Fernando Haddad (PT), os tucanos serão cortejados por apoio e podem ser decisivos para o resultado final. Além disso, a polarização entre lulistas e bolsonaristas, segundo analistas, tende a continuar pautando a corrida paulista.

Os candidatos Fernando Haddad (PT), à esquerda, e Tarcísio de Freitas (Republicanos) se cumprimentam em debate do Estadão e da Rádio Eldorado com pool de veículos de imprensa.
Os candidatos Fernando Haddad (PT), à esquerda, e Tarcísio de Freitas (Republicanos) se cumprimentam em debate do Estadão e da Rádio Eldorado com pool de veículos de imprensa. Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO

“Segundo turno entre Haddad e Tarcísio será um segundo turno nacionalizado. Devemos assistir a um adensamento dos conflitos existentes entre esquerda e direita e, neste sentido, teremos de observar o comportamento de Tarcísio para vai saber se ele seguirá mais moderado ou se vai investir em um bolsonarismo mais escancarado”, disse o cientista político Humberto Dantas.

Amplamente conhecido, Haddad, por sua vez, deverá acenar ao centro, avalia Dantas. “A exemplo de Lula, ele deverá tentar atrair o eleitor mais do centro, sobretudo o eleitorado de Rodrigo Garcia, e o que tem uma grande resistência ao PT, mas maior ainda ao bolsonarismo.”

Professor da FGV-SP, o também cientista político Marco Antonio Teixeira acrescenta que o discurso nacionalizado deve fazer com que a agenda estadual, os programas de governo, tendam a desaparecer no segundo turno, na contramão dos apoios obtidos até aqui por ambos os candidatos.

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“Não se sabe ao certo qual será a posição de Garcia e do PSDB, mas não podemos nos esquecer do trauma do ‘Bolsodoria’ para os tucanos”, afirma Teixeira, em referência à campanha feita por Garcia e seu então candidato ao governo em 2018, João Doria (PSDB), colada em Bolsonaro. O professor também ressalta que o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD), desafeto de Garcia, é o verdadeiro fiador da campanha de Tarcísio, o que pode afastá-lo dos tucanos.

Diretora do Movimento Voto Consciente de São Paulo, Joyce Luz vai na contramão. Ela acredita que o perfil dos eleitores de Garcia e Tarcísio podem aproximar os dois candidatos. Depois dos ataques majoritários da campanha do PSDB ao PT, e vice-versa, uma aliança entre ambos é pouco provável, avalia “Haddad terá de ir trás dos eleitores indecisos ou que não têm motivos para votar em Tarcísio. Além disso, precisará ser bastante estratégico para incorporar bandeiras tucanas em seu plano, atraindo seus eleitores”, diz.

Otimismo

Os dois candidatos demonstraram otimismo ao votar na manhã deste domingo, 2. Tarcísio votou pela primeira vez em São José dos Campos, interior paulista. “Para um estreante de eleição, chegar numa reta final competitiva é muito gratificante”, disse. O candidato também antecipou que a linha da campanha será a mesma do primeiro turno, mas não detalhou a estratégia. Assim como no sábado, 1º, Tarcísio se vestiu de verde-amarelo e estampou na camiseta a imagem de Bolsonaro.

Extraoficialmente, Haddad já antecipou as estratégias para o segundo turno ao criticar o presidente Jair Bolsonaro (PL) em vez de falar de seus adversários na disputa paulista. Sem mencioná-lo diretamente, Haddad reclamou que “o adversário tentou barrar até o ônibus para pessoas de baixa renda” para aumentar o nível de abstenção.

Lula pode até ganhar, mas o bolsonarismo já venceu, Marcelo Godoy OESP

 O petista Luiz Inácio Lula da Silva pode até vencer a eleição presidencial, mas seu governo terá de conviver com um Congresso ainda mais bolsonarista do que o eleito quando o chefe da extrema direita se tornou presidente em 2018. Não é só o Senado que terá diversos ex-ministro do governo de Bolsonaro, muitos deles figuras carimbadas nas lives presidenciais dos últimos três anos e meio. O eleitor também escolheu nas listas do PL, do PP e do Republicanos deputados identificados com a ala mais estridente do atual governo.

Lula e Bolsonaro disputarão o segundo turno da eleição presidencial
Lula e Bolsonaro disputarão o segundo turno da eleição presidencial Foto: Gabriela Biló e André Dusek/ESTADÃO

Em São Paulo, a deputado federal Carla Zambelli está reeleita. Não só ela. O filho do presidente Eduardo Bolsonaro e o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles também garantiram cadeiras no Parlamento. Em Santa Catarina Jorge Seif, ex-secretário da Pesca, estava a um passo de ser eleito senador em Santa Catarina. No Rio de Janeiro, o general Eduardo Pazuello, o ministro da Saúde responsável pelo desastre da condução do combate à covid-19 podia se tornar um dos deputados federais mais votados do PL.

Acossado pela direita, Lula também será acossado pela esquerda. Em São Paulo, não são os candidatos de alas moderadas do PT e do PSB que estão entre os mais votados. É justamente Guilherme Boulos, do PSOL, quem liderava à esquerda entre os candidatos mais bem votados. No Rio, o fenômeno se repetia: Taliria Petrone e Tarcísio Motta estão entre os mais votados. Lindbergh Farias (PT) aparecia então em quinto entre os mais votados.

Sendo assim, um eventual governo Lula e seus planos de uma grande aliança com o centro ficaria espremido entre os dois extremos que foram as escolhas dos eleitores no Parlamento. Nos governos estaduais, a situação de Lula não é melhor. Tarcísio Freitas (Republicanos) chega ao segundo turno com uma votação enorme, e como favorito diante de Fernando Haddad (PT) - Tarcísio, porém, terá uma Assembleia com uma forte presença da esquerda se ganhar . Ou seja, uma aliança com os governadores, como procurava Lula para reformas como a tributária, também será difícil.

Por fim, a esperança de fazer um governo mais ao centro para produzir consenso e assim poder governar em razão de a esquerda ficar longe da maioria e mesmo dos 180 deputados para impedir qualquer tentativa de impeachment fica cada vez mais difícil em função do desastre colhido pelo PSDB, pelo Cidadania e pelo MDB nessa eleição. Destituído de sua principal base – São Paulo – o PSDB perde a sua relevância na cena política nacional, levando para o fundo das águas o sonho petista de reeditar no País uma Concertación, a coalizão que governou com estabilidade o Chile após o fim do governo de Augusto Pinochet.

sexta-feira, 30 de setembro de 2022

Fábrica de chips bilionária abandonada em Minas pode ser chance de o Brasil entrar na briga global, OESP

 Anunciada em 2012 e com previsão de início de operações três anos depois, mas inativa até agora, a fábrica de semicondutores da Unitec em Minas Gerais, um investimento de mais de R$ 1,2 bilhão, virou uma espécie de “isca” para atrair grupos internacionais para produzir o componente no Brasil. Hoje, ele é importado da Ásia e sua escassez desde o início da pandemia tem provocado paradas em várias fábricas no mundo, principalmente as de veículos.

Os dois principais acionistas da Unitec são, atualmente, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a empresa argentina Corporación America, com 33% de participação cada. Entre os minoritários estão o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) e as empresas Matec e Intecs.

O uso de suas instalações e infraestrutura em Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte, poderia antecipar em dois anos o início da produção local de chips. Uma fábrica nova pode levar no mínimo quatro anos para ficar pronta.

Foi esse “benefício” – de já ter estrutura para acelerar o processo – que um grupo de dirigentes do setor automotivo e de representantes do governo federal apresentou a dois fabricantes de semicondutores em viagem ao Japão nas duas últimas semanas. Uma delas é a Renesas, uma das grandes produtoras de chips no mundo, com sede em Tóquio.

Fábrica de semicondutores está pronta, mas sem operações
Fábrica de semicondutores está pronta, mas sem operações Foto: Washington Alves/Light Press/Estadão

O governo brasileiro também informou que, em breve, editará uma Medida Provisória estabelecendo desoneração tributária, alternativas de financiamento e infraestrutura a interessados em investir na produção local.

Outro ponto destacado pelo grupo é o tamanho do mercado brasileiro. Só a indústria automotiva deve demandar quase 4 bilhões de chips por ano, tendo como base uma produção anual de 2,3 milhões de veículos, segundo cálculos da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Cada carro novo tem aproximadamente 1,5 mil microchips.

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“Dirigentes das duas empresas japonesas (uma pediu para não ter o nome divulgado) ouviram as propostas, pediram mais informações e vão agendar novos encontros, aqui no Brasil, para discutir o tema”, informa o presidente da entidade, Márcio de Lima Leite, que liderou o grupo em visita ao Japão.

Ele lembra que, em vários países, especialmente na Ásia, há 29 fábricas de semicondutores em construção, projetos que foram iniciados antes da crise de escassez provocada pela pandemia. “Hoje, para comprar equipamentos para a produção, há fila de espera de dois a três anos.”

A produção local passou a ser imprescindível para a indústria brasileira, avalia Leite. A demanda por chips, já bem elevada, vai aumentar substancialmente com o uso do 5G, da internet das coisas e a chegada de carros elétricos, conectados e autônomos.

Histórico conturbado

Há várias justificativas para o não funcionamento da fábrica que seria a primeira da América do Sul a operar em várias etapas da produção de chips. Ela foi idealizada em 2005 pelo ex-presidente da Volkswagen do Brasil, Wolfgang Sauer – que era um dos acionistas, mas faleceu em 2013. Teve como principal sócio, ao lado do BNDES, o empresário Eike Batista, que vendeu sua parte à Corporación America em 2014, logo após os escândalos que levaram seu grupo à falência.

Com essa aquisição de ações, o nome da empresa foi alterado de Six para Unitec, o mesmo que a fábrica de chips do argentino tem no país, onde produz chip para cartões de celulares, documentos de identidade, passaportes e outras aplicações.

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A empresa brasileira está em recuperação judicial, com dívidas trabalhistas e tributárias de R$ 600 milhões. A situação se aprofundou em 2019, quando a IBM, então dona de 18,8% das ações e provedora da tecnologia, abandonou o projeto. A matriz americana vendeu suas operações globais da área de semicondutores, e o comprador não se interessou pela fábrica local.

Fábrica chegou a ter 150 funcionários e foram feitos testes de maquinário e produção
Fábrica chegou a ter 150 funcionários e foram feitos testes de maquinário e produção Foto: Washington Alves/Estadão - 27/10/2017

Marco Aurélio Barreto, sócio da Tauá Partner e responsável pelo processo de recuperação judicial da Unitec, afirma que o projeto também passou por dificuldades em razão de alterações do câmbio, que elevaram os custos dos investimentos em reais pois a maior parte dos equipamentos era importada.

“O que a Unitec mais precisa hoje é de um operador que entenda do tema, que faça design e produção de semicondutores, que tenha clientes e fornecedores”, diz Barreto. O Brasil abriga oito empresas que realizam partes do processo de produção de chips, mas nenhuma que faça a maior parte das etapas.

Em nota enviada ao Estadão, a Corporación America informa também que, em 2015, os bancos públicos suspenderam as linhas de crédito originalmente previstas. “Esta circunstância levou à necessidade dos acionistas aumentarem seus compromissos de capitalização”, diz.

“A Corporación América manifestou interesse em fazer as contribuições correspondentes ‘pari passu’ com os demais sócios mas, infelizmente, eles não quiseram continuar fazendo contribuições de capital”, acrescenta a nota, e hoje a planta permanece em “estado pré-operacional”.

A companhia argentina diz que fez diversas contribuições extraordinárias para garantir a manutenção da empresa e a proteção de seus ativos e que também concedeu linhas de crédito para apoio à Unitec e à proteção de seus ativos. Segundo informações, alguns equipamentos já teriam sido vendidos.

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Dívidas trabalhistas

O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Belo Horizonte e região, Geraldo Valgas, diz que a Unitec chegou a ter 150 funcionários que prepararam a fábrica e fizeram testes de produção e simulações. Em 2020, eram apenas 30. A entidade representa dez deles em uma ação trabalhista que, segundo o sindicalista, já está no Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ao todo, o grupo pede cerca de R$ 7 milhões em indenizações.

Quem também tem ação contra a empresa é o BNDES que, além de acionista, emprestou R$ 173 milhões à Unitec. A instituição afirma que já foi determinada a expedição de carta precatória para penhora de um imóvel dado em hipoteca – uma área da Fazenda Mato Grosso, na própria Ribeirão das Neves.

Segundo o BNDES, “neste momento, com o aquecimento do mercado global de semicondutores, a companhia e seus acionistas têm buscado investidores estratégicos que se alinhem ao seu plano de negócios, com vistas a tornar a empresa operacional.” O BDMG vai na mesma linha e diz apoiar “o processo de busca por um plano de reestruturação que envolva a atração de novos investidores”.

Componente usado em diversos produtos está escasso desde o início da pandemia
Componente usado em diversos produtos está escasso desde o início da pandemia Foto: Washington Alves/Estadão - 27/10/2017

Já a Prefeitura de Ribeirão das Neves informa que não está participando do processo de busca de novos investidores, mas tem interesse em acompanhar o tema. O governo de Minas também diz que a Secretaria de Estado e Desenvolvimento Econômico tem interesse em atrair investimentos para o setor, considerado fundamental para a economia. “Neste sentido, apresentações com potenciais investidores estrangeiros já foram realizadas”, informa a pasta, sem informar se algum deles manifestou interesse.

4,5 milhões de carros deixaram de ser produzidos no mundo

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A falta de semicondutores ainda aflige a indústria automobilística no mundo todo. O fornecimento melhorou em relação ao ano passado, mas está longe de se normalizar. A previsão é de que o problema se mantenha em 2023, mas com menor impacto em relação a este ano. De janeiro até agora, o Brasil deixou de produzir cerca de 170 mil veículos por falta de chips e outros componentes. Em 2021 inteiro foram 378 mil.

Lá fora há 29 fábricas em construção e se o Brasil não entrar nessa onda vamos fica muito atrasados

Márcio de Lima Leite, presidente da Anfavea

Dados da consultoria internacional AutoForecast Solution (AFS) indicam que, no mundo todo, há uma perda acumulada de produção de 4,2 milhões de veículos neste ano, somando cerca de 15 milhões de unidades desde o início da pandemia. Para o presidente da Anfavea, Márcio de Lima Leite, a reindustrialização do Brasil passa pela produção de itens hoje só importados, como os semicondutores.

“Lá fora há 29 fábricas em construção e se o Brasil não entrar nessa onda vamos ficar muito atrasados”, diz o executivo. Segundo Leite, nos dois últimos anos ficou muito clara a dependência do Brasil e de outros países da Ásia - maior produtora do componente -, mas governos como o dos EUA, de países europeus e mesmo os asiáticos estão investindo na localização de chips. “Nós não temos escolha”.