As urnas estão na boca do povo. E aí permanecerão ao menos até o dia 2. O que se espera dessas senhoras, esculhambadas por presidente e partidários, são milagres.
O lado bolsonarista reza para que produzam a ressurreição. O presidente excepcional, parido por crise excepcional, pede aos céus, por lábios como os de Silas Malafaia, o prodígio da multiplicação de votos. Improvável. Sua motociata estacionou, desde o início da campanha, na casa dos 30%. Mas o presidente é um declarado homem de fé e nada é impossível àquele que crê. Sua chegada ao Planalto o demonstrou.
O oponente viável também acredita em milagre. Tem fé em que mais da metade dos eleitores, que declara aos institutos de pesquisa fugir de Bolsonaro como o diabo da cruz, confluirá —e já— para seu nome. A fuga de ciristas e tebetistas rumo a Lula, contudo, depende de oração porque o antipetismo é nódoa funda em muitas almas. Está sobretudo no topo da pirâmide social, mas alcança quase 40% do eleitorado, que não vota em Lula nem que todos os santos o aclamem.
A conversão de antipetistas empedernidos em votantes antibolsonaro depende de aceitar esta eleição como distinta das de 2002, 2006, 2010, 2014, quando o PT se elegeu por força própria. A decisão atual é outra. Não se trata de votar no PT, mas de sufragar uma coalizão antiautoritária, da qual os petistas são apenas parte —patente no fato de um ex-tucano ser o vice.
Os benefícios de fazê-lo no primeiro turno estão na mesa, postos e repostos, por políticos, analistas, influencers. As razões se estampam do Empire State Building ao funeral da rainha. Derrota acachapante do presidente-candidato enfraqueceria seu ataque antidemocrático às urnas.
Este milagre depende de menos reza que outro, ao qual a oposição se agarra. Crê que, derrotado no primeiro turno, Bolsonaro recolha as armas —e aqui não vai metáfora, seus apoiadores estão armados. Esta crença é fruto de uma descrença: ninguém confia que presidente e séquito aceitarão galhardamente a derrota no segundo turno. A esperança se aboletou, por isso, no primeiro.
Mas nada garante que os revólveres permanecerão nos coldres, num turno ou no outro. Os autoritários são minoria, mas longe de demograficamente insignificantes. Os eleitores que nem com reza brava largam o capitão são perto de 15%. Como o TSE conta o eleitorado em 156 milhões, são cerca de 23 milhões os ultrabolsonaristas. Minoria gorda e com faca entre os dentes, que não tem porque guardá-la depois de primeiro ou segundo turno. O presidente conta, assim, com seu exército na vitória e na derrota.
Qualquer equivalência entre os candidatos é, por isso, falsa. Editoriais do Estadão vergastam Lula dia sim, no outro também. Nesta quarta, quem o fez foi esta Folha, tratando em uma reportagem o voto no petista como "cheque em branco". Já pouco se usa cheque, mas os dos bolsonaristas, vide a Micheque, estão preenchidíssimos —sem contar o dinheiro vivo.
Os últimos quatros anos são seu lastro. Longe de desonrar promessas, Bolsonaro fez o que prometeu: desmontou, desorganizou ou destruiu políticas de estado. Se ganhar nova promissória das urnas, tentará o que ainda não logrou de todo, destruir a democracia.
Quem votar na chapa Lula-Alckmin vota em um governo que pode ser bom ou ruim, mas que será "normal", funcionando dentro das instituições democráticas. Não há mensagem mais clara que essa. E é condição para todo o resto, inclusive para a sobrevivência da oposição.