sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Angela Alonso Tempo de milagres, Angela Alonso, FSP

 As urnas estão na boca do povo. E aí permanecerão ao menos até o dia 2. O que se espera dessas senhoras, esculhambadas por presidente e partidários, são milagres.

O lado bolsonarista reza para que produzam a ressurreição. O presidente excepcional, parido por crise excepcional, pede aos céus, por lábios como os de Silas Malafaia, o prodígio da multiplicação de votos. Improvável. Sua motociata estacionou, desde o início da campanha, na casa dos 30%. Mas o presidente é um declarado homem de fé e nada é impossível àquele que crê. Sua chegada ao Planalto o demonstrou.

Urnas eletrônicas sendo lacradas para as eleições do dia 2 de outubro - Rivaldo Gomes/Folhapress

O oponente viável também acredita em milagre. Tem fé em que mais da metade dos eleitores, que declara aos institutos de pesquisa fugir de Bolsonaro como o diabo da cruz, confluirá —e já— para seu nome. A fuga de ciristas e tebetistas rumo a Lula, contudo, depende de oração porque o antipetismo é nódoa funda em muitas almas. Está sobretudo no topo da pirâmide social, mas alcança quase 40% do eleitorado, que não vota em Lula nem que todos os santos o aclamem.

A conversão de antipetistas empedernidos em votantes antibolsonaro depende de aceitar esta eleição como distinta das de 2002, 2006, 2010, 2014, quando o PT se elegeu por força própria. A decisão atual é outra. Não se trata de votar no PT, mas de sufragar uma coalizão antiautoritária, da qual os petistas são apenas parte —patente no fato de um ex-tucano ser o vice.

Os benefícios de fazê-lo no primeiro turno estão na mesa, postos e repostos, por políticos, analistas, influencers. As razões se estampam do Empire State Building ao funeral da rainha. Derrota acachapante do presidente-candidato enfraqueceria seu ataque antidemocrático às urnas.

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Este milagre depende de menos reza que outro, ao qual a oposição se agarra. Crê que, derrotado no primeiro turno, Bolsonaro recolha as armas —e aqui não vai metáfora, seus apoiadores estão armados. Esta crença é fruto de uma descrença: ninguém confia que presidente e séquito aceitarão galhardamente a derrota no segundo turno. A esperança se aboletou, por isso, no primeiro.

Mas nada garante que os revólveres permanecerão nos coldres, num turno ou no outro. Os autoritários são minoria, mas longe de demograficamente insignificantes. Os eleitores que nem com reza brava largam o capitão são perto de 15%. Como o TSE conta o eleitorado em 156 milhões, são cerca de 23 milhões os ultrabolsonaristas. Minoria gorda e com faca entre os dentes, que não tem porque guardá-la depois de primeiro ou segundo turno. O presidente conta, assim, com seu exército na vitória e na derrota.

Qualquer equivalência entre os candidatos é, por isso, falsa. Editoriais do Estadão vergastam Lula dia sim, no outro também. Nesta quarta, quem o fez foi esta Folha, tratando em uma reportagem o voto no petista como "cheque em branco". Já pouco se usa cheque, mas os dos bolsonaristas, vide a Micheque, estão preenchidíssimos —sem contar o dinheiro vivo.

Os últimos quatros anos são seu lastro. Longe de desonrar promessas, Bolsonaro fez o que prometeu: desmontou, desorganizou ou destruiu políticas de estado. Se ganhar nova promissória das urnas, tentará o que ainda não logrou de todo, destruir a democracia.

Quem votar na chapa Lula-Alckmin vota em um governo que pode ser bom ou ruim, mas que será "normal", funcionando dentro das instituições democráticas. Não há mensagem mais clara que essa. E é condição para todo o resto, inclusive para a sobrevivência da oposição.

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

A eleição é prima da elegância, Sergio Rodrigues, FSP

 Uma prova de que a etimologia, o estudo da origem das palavras, pode nos levar por caminhos bem tortuosos é o parentesco da eleição com a elegância.

À primeira vista, trata-se de um disparate: todo mundo sabe que eleições podem ser deselegantes à beça, um vale-quase-tudo escorado na justificativa (na maior parte das vezes esfarrapada) de que "os fins justificam os meios".

Nada disso é novo. Se não fosse assim, não existiriam marqueteiros políticos como João Santana, e Ciro Gomes não teria visto sua rejeição disparar na reta final da campanha. A mesma deselegância que ganha eleições pode botá-las a perder.

Tudo bem, mas como explicar o parentesco etimológico próximo entre o verbo eleger e o substantivo elegância, um fato linguístico tão redondo quanto a redondez da Terra?

Jair Bolsonaro assina o livro de condolências pela morte da rainha Elizabeth 2ª, em Londres (ING)
Nada seria mais elegante que Jair Bolsonaro ser derrotado nas urnas com a maior margem possível de votos, de preferência no primeiro turno - Jonathan Hordle - 8.set.22/AFP

A explicação começa por uma inversão de perspectiva. Em vez de buscar elegância na eleição atual, vamos voltar ao início: tudo nasce com o verbo latino "eligere", derivado de "legere", reunir, recolher.

Na pré-história de seu principal sentido contemporâneo, o político-eleitoral, "eligere" significava apenas escolher. O referencial dicionário Saraiva registra um sentido agrícola como primeira acepção: "arrancar colhendo".

Isso quer dizer que, antes de políticos, elegíamos as frutas que mereciam ser colhidas no pé e as ervas daninhas que deviam ser arrancadas do canteiro.

Daí a ideia de selecionar, separar o bom do ruim, que se espalhou pelo latim ainda na era clássica. Cícero (106-43 a.C.), o grande orador e filósofo, falou em "eligere constantes amicos", escolher amigos fiéis.

Mais um passo e chegamos a "eligantis" (ou "elegantis", na forma mais usada), aquele que sabe escolher, que tem discernimento, bom gosto para selecionar para si, num determinado conjunto de possibilidades, o que há de melhor.

Como se vê, se a etimologia determinasse, além da origem, o destino das palavras —algo que evidentemente não faz—, deveríamos dizer que quem tem a obrigação de ser elegante numa eleição é o eleitor.

O desencontro histórico entre a eleição e a elegância começou cedo, com esta última ganhando no próprio latim conotações pejorativas como luxo e ostentação, e se aprofundou com a truculência que foi se associando às campanhas eleitorais ao longo do tempo.

No entanto, a ocasião é propícia para espanar —pelo menos nos limites desta crônica— as teias de aranha daquele parentesco. Para começar, o Brasil está às vésperas de uma eleição em que precisaremos mais do que nunca discernir a fruta que merece ser colhida no pé e a erva daninha que precisa ser arrancada do canteiro.

Além disso, sempre achei que a elegância é um valor humano tão elevado quanto subestimado. Não no sentido de luxo, mas na acepção de "qualidade, caráter ou condição de uma pessoa ou de uma atitude assinalada pela correção de caráter moral ou intelectual; brio, honradez, nobreza" (Houaiss).

Nesse sentido —e sem desdenhar de sua extensa folha corrida de crimes—, a deselegância absoluta, total, é um dos traços mais marcantes de Jair Bolsonaro.

O postulante à reeleição é um chefe de Estado capaz de fazer campanha eleitoral no velório de Elizabeth 2ª com a mesma desenvoltura com que imitou jocosamente brasileiros morrendo de Covid.

É por essas e outras que deve ser derrotado nas urnas com a maior margem possível de votos, de preferência no primeiro turno. Nada seria mais elegante do que isso.


Diretor do Detran é preso sob suspeita de fraude milionária em SP, FSP

 Alfredo Henrique

SÃO PAULO

Um diretor-técnico do setor de veículos do Detran (Departamento Estadual de Trânsito) foi preso temporariamente nesta quarta-feira (21). Ele é apontado pela polícia como chefe de um esquema de fraudes que faturou ilegalmente milhões.

Além dele, um soldado da Polícia Militar que trabalhava no departamento e três donos de empresas despachantes foram detidos sob a mesma suspeita. De acordo com a Polícia Civil, a defesa deles não prestou esclarecimentos até a publicação desta reportagem.

As detenções ocorreram na primeira fase da operação Gravame, com o intuito de combater fraudes no sistema do Detran e da Prodesp, empresa de tecnologia do governo estadual. Segundo o órgão de trânsito, os servidores serão preventivamente afastados.

Policiais contam dinheiro apreendido na casa de um diretor técnico do Detran, na manhã desta quarta-feira (21), na capital paulista; ele é apontado como o chefe de um esquema de fraudes, que teria faturado milhões - Divulgação/Polícia Civil

Na casa do diretor, segundo a polícia, foram apreendidos R$ 100 mil em dinheiro, R$ 500 mil em cheques, além de uma pistola calibre 380 com a licença vencida. Também foram apreendidas quatro armas de airsoft.

O esquema investigado pela Polícia Civil facilitava, mediante pagamento, a venda de veículos, incluindo de pessoas mortas, além de emitir CNHs (carteiras de habilitação) sem que as pessoas precisassem comparecer às aulas teóricas ou práticas em autoescolas.

Segundo a polícia, a fraude envolvia a falsificação de documentos, que agilizavam a venda de veículos. Os acessos ao sistema do Detran seriam feitos com senhas clonadas de funcionários, sem que eles soubessem.

O grupo conseguiu faturar cerca de R$ 2,4 milhões, desde abril do ano passado, quando as investigações começaram, de acordo com a Divisão de Capturas do Dope (Departamento de Operações Policiais Estratégicas).

"A média cobrada [pela quadrilha] para liberar a venda [irregular] de veículos era de R$ 2.000 e o valor para emitir CNHs, sem exame, R$ 7.000. Eles fraudavam tudo", afirmou à Folha, na tarde desta quarta-feira, a delegada Ivalda Aleixo, titular da Divisão de Capturas. O esquema ocorre, pelo que foi levantado pela polícia, ao menos desde 2019 em todo o estado de São Paulo.

A delegada ainda destacou que as investigações foram iniciadas pela Deic (Divisão Especializada de Investigações Criminais) de Bauru, logo após uma funcionária do Detran, residente da cidade do interior, perceber que sua senha de acesso tinha sido usada durante as férias dela.

A partir daí, a polícia conseguiu autorização judicial para quebrar o sigilo telefônico dos suspeitos.

O soldado da PM é suspeito de fazer a ponte entre solicitantes do serviço ilegal e despachantes. "Na mesa [de trabalho] do PM, foram localizadas digitais, feitas com cola quente, para fazer a biometria em aulas para CNH. Essa era mais uma forma de fraudar esses sistemas do Detran", acrescentou Ivalda Aleixo.

A Polícia Militar foi questionada sobre medidas tomadas contra o soldado preso, mas não havia se manifestado até a publicação desta reportagem, da mesma forma que o Detran.

As investigações prosseguem para que a polícia identifique o total irregularidades realizadas e valores recebidos pela quadrilha.

Os cinco suspeitos foram presos mediante o cumprimento a mandados de prisões temporárias de cinco dias. A polícia irá solicitar a prorrogação das detenções, incluindo preventivas, ou seja, por tempo indeterminado, até a conclusão das investigações. Todos foram indiciados por suspeita de crimes de organização criminosa, corrupção passiva e ativa, favorecimento pessoal, lavagem e ocultação de valores e inserção de dados falsos em sistema informatizado.

O caso também é acompanhado pela Controladoria Geral do Estado e pela Corregedoria da PM.

Em nota, o Detran de São Paulo diz que colabora com as investigações. Diz ainda que realizou neste ano 2.300 fiscalizações e 12 operações conjuntas com as forças de segurança do Estado para combater ocorrências de delitos, fraudes e corrupção. "Seguimos trabalhando para coibir práticas indevidas e prestar serviços de qualidade à população", diz o órgão.