quarta-feira, 21 de setembro de 2022

A eleição é prima da elegância, Sergio Rodrigues, FSP

 Uma prova de que a etimologia, o estudo da origem das palavras, pode nos levar por caminhos bem tortuosos é o parentesco da eleição com a elegância.

À primeira vista, trata-se de um disparate: todo mundo sabe que eleições podem ser deselegantes à beça, um vale-quase-tudo escorado na justificativa (na maior parte das vezes esfarrapada) de que "os fins justificam os meios".

Nada disso é novo. Se não fosse assim, não existiriam marqueteiros políticos como João Santana, e Ciro Gomes não teria visto sua rejeição disparar na reta final da campanha. A mesma deselegância que ganha eleições pode botá-las a perder.

Tudo bem, mas como explicar o parentesco etimológico próximo entre o verbo eleger e o substantivo elegância, um fato linguístico tão redondo quanto a redondez da Terra?

Jair Bolsonaro assina o livro de condolências pela morte da rainha Elizabeth 2ª, em Londres (ING)
Nada seria mais elegante que Jair Bolsonaro ser derrotado nas urnas com a maior margem possível de votos, de preferência no primeiro turno - Jonathan Hordle - 8.set.22/AFP

A explicação começa por uma inversão de perspectiva. Em vez de buscar elegância na eleição atual, vamos voltar ao início: tudo nasce com o verbo latino "eligere", derivado de "legere", reunir, recolher.

Na pré-história de seu principal sentido contemporâneo, o político-eleitoral, "eligere" significava apenas escolher. O referencial dicionário Saraiva registra um sentido agrícola como primeira acepção: "arrancar colhendo".

Isso quer dizer que, antes de políticos, elegíamos as frutas que mereciam ser colhidas no pé e as ervas daninhas que deviam ser arrancadas do canteiro.

Daí a ideia de selecionar, separar o bom do ruim, que se espalhou pelo latim ainda na era clássica. Cícero (106-43 a.C.), o grande orador e filósofo, falou em "eligere constantes amicos", escolher amigos fiéis.

Mais um passo e chegamos a "eligantis" (ou "elegantis", na forma mais usada), aquele que sabe escolher, que tem discernimento, bom gosto para selecionar para si, num determinado conjunto de possibilidades, o que há de melhor.

Como se vê, se a etimologia determinasse, além da origem, o destino das palavras —algo que evidentemente não faz—, deveríamos dizer que quem tem a obrigação de ser elegante numa eleição é o eleitor.

O desencontro histórico entre a eleição e a elegância começou cedo, com esta última ganhando no próprio latim conotações pejorativas como luxo e ostentação, e se aprofundou com a truculência que foi se associando às campanhas eleitorais ao longo do tempo.

No entanto, a ocasião é propícia para espanar —pelo menos nos limites desta crônica— as teias de aranha daquele parentesco. Para começar, o Brasil está às vésperas de uma eleição em que precisaremos mais do que nunca discernir a fruta que merece ser colhida no pé e a erva daninha que precisa ser arrancada do canteiro.

Além disso, sempre achei que a elegância é um valor humano tão elevado quanto subestimado. Não no sentido de luxo, mas na acepção de "qualidade, caráter ou condição de uma pessoa ou de uma atitude assinalada pela correção de caráter moral ou intelectual; brio, honradez, nobreza" (Houaiss).

Nesse sentido —e sem desdenhar de sua extensa folha corrida de crimes—, a deselegância absoluta, total, é um dos traços mais marcantes de Jair Bolsonaro.

O postulante à reeleição é um chefe de Estado capaz de fazer campanha eleitoral no velório de Elizabeth 2ª com a mesma desenvoltura com que imitou jocosamente brasileiros morrendo de Covid.

É por essas e outras que deve ser derrotado nas urnas com a maior margem possível de votos, de preferência no primeiro turno. Nada seria mais elegante do que isso.


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