quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Desertos de notícia enfraquecem a democracia, FSP

 É inegável que hoje temos muito mais informações disponíveis sobre qualquer assunto, e muitas delas ao alcance de apenas um clique. Mas isso não significa que todas tenham qualidade e sejam, portanto, confiáveis. Também não é verdade que estejam distribuídas de forma homogênea, chegando a todos os estratos da nossa sociedade e refletindo suas respectivas demandas. Por mais contraditório que pareça, o cenário de infodemia em que nos encontramos também é repleto dos chamados desertos de notícias, um entrave para sistemas democráticos, que fica ainda mais evidente em períodos eleitorais.

O termo, bastante difundido entre jornalistas, empresas de comunicação e entidades da área, serve para descrever conjunturalmente regiões onde não há cobertura jornalística local. Ou seja: desertos de notícias são áreas que não contam com a investigação, apuração e publicação de informações relevantes para as comunidades que ali vivem, que acabam relegadas muitas vezes apenas ao noticiário nacional.

A imagem colorida mostra uma estação de trem abandonada. O piso de concreto começa a ser tomado pela grama que cresce. Paredes brancas estão sujas e uma estrutura metálica que cobre o local está caindo aos pedaços
Estação de trem da cidade de Coroados, interior do estado de São Paulo. - Eduardo Anizelli - 7.dez.20/Folhapress

A ausência de jornalismo local é um problema maior do que parece. Além de não verem suas pautas representadas e divulgadas, como forma de pressionar o poder público a solucioná-las, as populações que vivem nesses territórios acabam sem conhecê-lo em sua totalidade. Por mais que o olhar jornalístico tenha critérios editoriais e, portanto, perspectivas ao retratar (e denunciar) a realidade, não há dúvidas sobre a sua importância para a conscientização de cidadãos e cidadãs sobre questões sociais, direitos civis e políticas públicas.

De acordo com a última edição do Atlas da Notícia, divulgada em fevereiro deste ano, 47% dos municípios brasileiros têm ao menos um veículo jornalístico. Apesar da taxa representar quase a metade do País, o documento alerta para o fato de que algumas dessas cidades são consideradas "quase desérticas", pois possuem uma ou duas empresas de comunicação, situação considerada delicada do ponto de vista do acesso à informações qualificadas. Ao todo, 29% da nossa população vive em desertos ou quase desertos de notícia, o que representa cerca de 61 milhões de habitantes.

Ainda que não estejamos vivenciando uma eleição municipal, o voto para os cargos legislativos e executivos estaduais também deve levar em conta questões regionais, ainda mais quando se trata de regiões socioeconomicamente vulneráveis, como algumas localidades do Norte e Nordeste do Brasil.

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Apesar dos dados do Atlas da Notícia mostrarem uma melhora recente (71 municípios nordestinos deixaram a classificação de desertos de informação, por exemplo), é impossível ignorar os riscos a que essas localidades estão submetidas, especialmente em tempos conectados com alta disseminação do que chamamos de "fake news", que podem ocupar esses vácuos, prejudicando o senso crítico e, consequentemente, a escolha nas urnas no próximo pleito eleitoral.

É preciso destacar que, mesmo midiaticamente educado, o cidadão que vive numa região classificada como desértica em termos de jornalismo profissional não consegue se informar de maneira suficiente simplesmente porque não há informação de qualidade disponível sobre sua comunidade. Ainda que evite a desinformação, o acesso a conteúdos que conversem com o seu contexto cultural e econômico é escasso.

Por isso, é fundamental que iniciativas de jornalismo cidadão e local sejam fortalecidas, dentro e fora dos veículos tradicionais. Linhas editoriais também devem ser repensadas de forma a aproximar leitores, ouvintes e telespectadores do fazer jornalístico por meio de pautas que efetivamente os representem. Se o voto é uma das maiores expressões cidadãs dentro de um regime democrático, a difusão de informação localizada e precisa é imprescindível para que ele seja concedido de forma consciente.

Mariana Mandelli

Coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta

O bullying do Senhor, Juliano Spyer., FSP

 Na semana passada, um fiel atirou em outro em Goiânia. O importante neste evento não foi o desentendimento entre dois cristãos, nem que um deles tenha sacado uma arma dentro da igreja, mas a reação dos outros fiéis. Eles ignoraram o irmão que sangrava para continuar acompanhando o culto.

Por que o pastor (chamado de "ancião" nessa igreja, a Congregação Cristã do Brasil) e os fiéis não se solidarizaram com o homem ferido? Porque o ataque teve motivação eleitoral. O irmão da vítima havia chamado a atenção do pastor por ele ter falado de política durante o culto.

Em São Paulo, o ex-ministro e astronauta Marcos Pontes pedia votos durante uma celebração da Ordem dos Pastores Batistas quando um fiel reclamou: "Está errado fazer isso aqui," ele gritou da plateia. "Aqui é a casa do Senhor! Isso aqui não é lugar de política!"

Homem sentado no chão com a perna ensanguentada
Fiel Davi Augusto de Souza, 40, foi baleado por PM na igreja Congregação Cristã no Brasil de Goiânia após discordância política - Arquivo pessoal

Essas reações registradas na última semana refletem o sentimento de frustração que há entre evangélicos por causa do envolvimento de suas igrejas em assuntos mundanos. E são muitos os descontentes. Segundo o Datafolha, 41% dos evangélicos discordam que valores políticos e religiosos devam andar juntos.

Mas as principais igrejas do país partiram para o tudo ou nada. Há meses pesquisas de intenção de voto indicam que seu candidato, o presidente Jair Bolsonaro, perderá a corrida eleitoral no segundo turno por mais de dez pontos percentuais. Por isso, pastores, especialmente de igrejas grandes, atacam publicamente e humilham seus próprios fiéis.

No interior do Paraná, um pastor da Igreja Presbiteriana Renovada disparou: "Se tiver algum petista aqui, em nome de Jesus Cristo, sai de dez em dez para não tumultuar. Os petistas, o Lula, o satanás todo atrás deles... Jesus é da direita!" Em uma Assembleia de Deus no interior de São Paulo, o pastor ameaçou: "Se souber de um crente membro desta igreja que votou nesse infeliz, eu vou disciplinar!"

No interior do Tocantins, outro pastor da Assembleia de Deus profetizou que evangélicos decidirão se o Brasil será invadido por demônios: "Deus falou pra mim: ‘Diga ao povo [evangélico] que a mão que abre o portão [do inferno] são eles. Se eles entregarem a nação brasileira na mão da esquerda, o portão vai se abrir.’"

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Onde essa nova inquisição vai levar?

Evangélicos são a fatia do eleitorado que carrega Bolsonaro nas costas neste momento, mas a maioria desses cristãos parece já ter escolhido seu candidato.

A reação dos evangélicos pobres é discreta, mas significativa. Há muito em jogo, então, eles não contestarão seus líderes. A rede de solidariedade da igreja resgata quem sofre um revés na vida, cargos voluntários emprestam prestígio a quem tem poucos motivos para se sentir importante, e igrejas grandes também empregam seus fiéis. Mas silenciosamente evangélicos com renda de até dois salários mínimos preferem Lula (41%) a Bolsonaro (38%), segundo o Datafolha.

Nas igrejas históricas —as mais antigas, formadas no contexto da Reforma Protestante— o apoio de lideranças a Bolsonaro também divide fiéis. Menores numericamente, eles são evangélicos com maior escolaridade e com mais força de mobilização política.

Perseguidos e atacados em seus espaços de culto, fiéis recorrem à internet para encontrar pares que pensam da mesma forma. Em grupos de WhatsApp eles dão e recebem encorajamento, debatem, compartilham humor antibolsonarista e coordenam ações. Foi daí que surgiu a comunidade Novas Narrativas Evangélicas e o podcast SIMpodCrer. E é por canais digitais, principalmente, que tem circulado o manifesto Somos Um Pela Democracia, assinado por lideranças como a bispa Marisa de Freitas, da Igreja Metodista, o reverendo Valdinei Ferreira, da Catedral Evangélica de São Paulo, o pastor Sergio Dusilek, presidente da Convenção Batista Carioca, entre outros.

Uma lição que pastores evangélicos já deveriam saber é que cristãos, especialmente protestantes, se fortalecem quando são perseguidos.