Na semana passada, um fiel atirou em outro em Goiânia. O importante neste evento não foi o desentendimento entre dois cristãos, nem que um deles tenha sacado uma arma dentro da igreja, mas a reação dos outros fiéis. Eles ignoraram o irmão que sangrava para continuar acompanhando o culto.
Por que o pastor (chamado de "ancião" nessa igreja, a Congregação Cristã do Brasil) e os fiéis não se solidarizaram com o homem ferido? Porque o ataque teve motivação eleitoral. O irmão da vítima havia chamado a atenção do pastor por ele ter falado de política durante o culto.
Em São Paulo, o ex-ministro e astronauta Marcos Pontes pedia votos durante uma celebração da Ordem dos Pastores Batistas quando um fiel reclamou: "Está errado fazer isso aqui," ele gritou da plateia. "Aqui é a casa do Senhor! Isso aqui não é lugar de política!"
Essas reações registradas na última semana refletem o sentimento de frustração que há entre evangélicos por causa do envolvimento de suas igrejas em assuntos mundanos. E são muitos os descontentes. Segundo o Datafolha, 41% dos evangélicos discordam que valores políticos e religiosos devam andar juntos.
Mas as principais igrejas do país partiram para o tudo ou nada. Há meses pesquisas de intenção de voto indicam que seu candidato, o presidente Jair Bolsonaro, perderá a corrida eleitoral no segundo turno por mais de dez pontos percentuais. Por isso, pastores, especialmente de igrejas grandes, atacam publicamente e humilham seus próprios fiéis.
No interior do Paraná, um pastor da Igreja Presbiteriana Renovada disparou: "Se tiver algum petista aqui, em nome de Jesus Cristo, sai de dez em dez para não tumultuar. Os petistas, o Lula, o satanás todo atrás deles... Jesus é da direita!" Em uma Assembleia de Deus no interior de São Paulo, o pastor ameaçou: "Se souber de um crente membro desta igreja que votou nesse infeliz, eu vou disciplinar!"
No interior do Tocantins, outro pastor da Assembleia de Deus profetizou que evangélicos decidirão se o Brasil será invadido por demônios: "Deus falou pra mim: ‘Diga ao povo [evangélico] que a mão que abre o portão [do inferno] são eles. Se eles entregarem a nação brasileira na mão da esquerda, o portão vai se abrir.’"
Onde essa nova inquisição vai levar?
Evangélicos são a fatia do eleitorado que carrega Bolsonaro nas costas neste momento, mas a maioria desses cristãos parece já ter escolhido seu candidato.
A reação dos evangélicos pobres é discreta, mas significativa. Há muito em jogo, então, eles não contestarão seus líderes. A rede de solidariedade da igreja resgata quem sofre um revés na vida, cargos voluntários emprestam prestígio a quem tem poucos motivos para se sentir importante, e igrejas grandes também empregam seus fiéis. Mas silenciosamente evangélicos com renda de até dois salários mínimos preferem Lula (41%) a Bolsonaro (38%), segundo o Datafolha.
Nas igrejas históricas —as mais antigas, formadas no contexto da Reforma Protestante— o apoio de lideranças a Bolsonaro também divide fiéis. Menores numericamente, eles são evangélicos com maior escolaridade e com mais força de mobilização política.
Perseguidos e atacados em seus espaços de culto, fiéis recorrem à internet para encontrar pares que pensam da mesma forma. Em grupos de WhatsApp eles dão e recebem encorajamento, debatem, compartilham humor antibolsonarista e coordenam ações. Foi daí que surgiu a comunidade Novas Narrativas Evangélicas e o podcast SIMpodCrer. E é por canais digitais, principalmente, que tem circulado o manifesto Somos Um Pela Democracia, assinado por lideranças como a bispa Marisa de Freitas, da Igreja Metodista, o reverendo Valdinei Ferreira, da Catedral Evangélica de São Paulo, o pastor Sergio Dusilek, presidente da Convenção Batista Carioca, entre outros.
Uma lição que pastores evangélicos já deveriam saber é que cristãos, especialmente protestantes, se fortalecem quando são perseguidos.
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