domingo, 22 de maio de 2022

JOAQUIM FALCÃO O sonho do brasileiro, FSP

 Joaquim Falcão

Doutor em educação pela Universidade de Genebra, mestre em direito pela Universidade Harvard, membro da Academia Brasileira de Letras e professor da Escola de Direito do Rio da FGV

Qual o mais importante sonho do brasileiro? Ter um imóvel. É o sonho de 87% dos brasileiros, diz pesquisa recente da startup QuintoAndar e do Instituto Datafolha. Valorizam mais a casa própria do que filhos, religião e estabilidade. É o direito de propriedade individual.

Em 1991, o regime comunista caía. Leningrado trocava o nome para São Petersburgo. Eu estava lá em reunião profissional. Queria entender por que os russos preferiam Boris Ieltsin a Mikhail Gorbatchov, que o Ocidente tanto admirava.

O professor e escritor Joaquim Falcão, membro da Academia Brasileira de Letras
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Depois de shots de vodca, arenque e borsch com creme azedo, um engenheiro nuclear russo me confidenciou no jantar. Em voz baixa. "Gorbatchov, como presidente da União Soviética, prometeu que poderíamos comprar nossas vivendas. E, depois de seis anos, não cumpriu."

Espantei-me. Depois de mais de 70 anos de comunismo, o sonho da propriedade individual ainda era capaz de derrubar regimes.

Pesquisas como a da Habitat Brasil apontam na mesma direção: 98% reportaram melhora na autoestima na simples reforma da casa, em mutirão, mesmo sem propriedade; e 89% perceberam, inclusive, melhoras em sintomas de doenças respiratórias.

A inverdade do capitalismo neoliberal tropical é pretender se estruturar a partir do direito constitucional da propriedade individual sem viabilizar casa própria para a maioria dos brasileiros.

Somos um dos países mais urbanos do mundo. Segundo o urbanista Washington Fajardo, cerca de 80%. Nossas metrópoles crescem pelas franjas de favelas, condomínios ilegais, mocambos, moradias em áreas de risco.

Urbanização e industrialização aceleraram entre 1918 e 1980, segundo o colunista Samuel Pessôa, aqui mesmo nesta Folha, deixando graves consequências sociais. Até hoje.

Mais de 30% dos brasileiros não têm casa própria. E, dos que têm, não se sabe se são legais, ilegais, ocupações e tanto mais.

Tentamos com o Sistema Financeiro da Habitação, em 1965, e com o Minha Casa, Minha Vida, em 2009, mitigar as consequências sociais. Falhamos. Por quê?

As soluções são, na maioria, pensadas como equações financeiras. Quem precisa de casa não tem emprego e renda para pagá-la. A escala da pobreza não cabe na elegante e anódina equação.

Para a política financeira ortodoxa, os sem casa são apenas demandas futuras. Mas não dá para esperar. Cortar orçamento. Equilibrar o déficit fiscal. Controlar a inflação. Aumentar juros. Criar poupança. Atrair investimentos. Abrir empresas. Gerar empregos. Estimular competição. Aumentar salários. Criar mercado creditício com garantias. Não há tempo. O sonho acorda no niilismo das metrópoles.

Espanta que o direito de propriedade não seja pauta prioritária para candidatos destas eleições.

O sonho do eleitor não é unir Alckmin a LulaBolsonaro aos militaresCiro Gomes a Simone Tebet. Nem temos sistema real de partidos políticos. Apenas partidos eleitorais. Tão sólidos que se desmancham no dia seguinte da urna.

presidente Bolsonaro tem balaio de auxílios. Ótimo. Lula combate fome e desemprego. Ótimo. Ciro promete choque de capitalismo. Ótimo. Mas o sonho é palpável, físico, feito de quarto, sala, banheiro e cozinha.

Os eleitores estão ansiosos para que a democracia resolva seus problemas reais.

O risco é a ansiedade individual se transformar em pânico social. Pânico urbano da violência, miséria, corrupção política, milícias. Risco da descrença nos políticos. Vale tudo. Vale quem dá mais a curto prazo.

Talvez pudéssemos tentar um Pacto pela Moradia Popular. Pacto de Estado. Dos três Poderes entre si. Com sociedade, mercado, igrejas, todos. Federal, estadual e municipal.

Não haveria única solução estatal. Já existem múltiplas e boas experiências locais. Governamentais e sociais. Convergentes nas diferenças. Cumpre identificá-las e multiplicá-las. A aliança política que o Brasil precisa é esta. Múltipla e sincrética ao mesmo tempo.

Quando Sergio Moro me convidou para propor projetos para o Brasil, com muita honra, aceitei. Quando Márcio Thomaz Bastos, do PT, me convidou para pensar o Conselho Nacional de Justiça, também. Focalizei agora o direito de propriedade individual. Estrutural para os demais direitos humanos.

MATEUS CAMILLO Trabalho remoto criará desigualdade entre profissionais, FSP

 A pandemia fez muitos perceberem que podem realizar a mesma tarefa a distância, sem deslocamentos, trânsito ou o frio dos últimos dias.

Essa revolução tecnológica terá efeitos duradouros em vários campos. Em um deles, permitirá que as diferenças sociais daqui para a frente não sejam apenas de classe e renda, mas também de regime de trabalho. Profissionais mais qualificados poderão escolher onde, como e quando trabalhar.

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Pesquisa recente do Talenses Group com 676 pessoas revelou que apenas 5% dos entrevistados gostariam de voltar ao regime presencial.

Melhores salários, achar sentido no trabalho e buscar qualidade de vida estão entre os principais motivos para aumentos de pedidos de demissão que ocorrem em vários países, como EUA, França e China.

No Brasil, há tendência parecida ao examinarem-se dados do Caged dos primeiros meses de 2022. Apenas em fevereiro, foram 560 mil pedidos de demissão voluntária, maior número da série histórica, iniciada em janeiro de 2004.

No setor de tecnologia, a fuga de talentos é nítida. Uma pesquisa feita pelo LinkedIn mostra que houve um crescimento de 273,59% na ida de profissionais brasileiros para os EUA de maio de 2020 a abril de 2021.
As empresas fazem movimentos para contemplar essas insatisfações. O Airbnb liberou seus funcionários para trabalho remoto permanentemente. O Goldman Sachs vai permitir que os chefes tirem folgas quando quiserem. A empresa de tecnologia NovaHaus, de Franca, no interior de São Paulo, adotou semana de trabalho de quatro dias.

O cenário para os próximos anos no Brasil é de terra arrasada. Temas como inflação alta, educação de péssima qualidade, violência constante e corrupção são de difícil resolução, não importe o governo.
Um país desigual permite aos mais qualificados largar o trabalho ou o país e aproveitar os confortos da tecnologia. Enquanto isso, o Brasil segue com uma taxa de desemprego em torno de 13%.

Funcionários trabalham na NovaHaus, empresa de tecnologia de Franca (SP) que adotou jornada de quatro dias semanais, com folgas às quartas-feiras - Divulgação

Canabidiol em alta, Editorial FSP

 O aumento contínuo dos pedidos de importação de produtos de Cannabis medicinal indica que há demanda firme por benefícios desses compostos para a saúde, mesmo que para algumas patologias a indicação ainda careça de evidências científicas. Atesta, ainda, que o país precisa caminhar mais rápido na trilha da desburocratização.

A aprovação do primeiro remédio à base de Cannabis, pela Anvisa, ocorreu em 2015. Resultou em grande parte da pressão de pais de crianças com epilepsia sem opção de tratamento. Desde então, a agência admite a importação temporária de outros 18 medicamentos.

A lista de condições de saúde dadas por tratáveis com derivados segue em desenvolvimento. De mitigação de sintomas como dores crônicas e perturbação do sono à ação antiemética durante quimioterapia, não são poucos os doentes que poderiam em tese beneficiar-se, se o acesso fosse ampliado.

Cumpre apontar que, como se dá com qualquer droga, psicoativa ou não, seu uso deve ser feito sempre com recomendação médica. Não existem panaceias nem remédios sem efeitos adversos.

No início da liberalização, os pedidos para importar produtos com canabidiol (CBD) em nome de crianças de até dez anos representavam 80% do total —ressalte-se que o CBD não tem ação psicoativa, como o THC, outro componente importante da maconha. Hoje, essa faixa etária responde por menos de 10% das solicitações.

Adultos acima de 61 anos compõem o maior contingente de autorizados a importar, 31,2%. Depois vêm os de 21 a 40 anos, com 25,5%.

A notável mudança de perfil demográfico acompanhou a escalada na procura. Em 2021, foram 40.191 novas solicitações, 110% a mais que no ano anterior. O contraste com os 1.392 pedidos de 2017 oferece boa medida da crescente aceitação social desses compostos, em que pese o estigma por provirem da planta ainda proibida.

O processo burocrático hoje exigido prejudica mais, evidentemente, os pacientes de menor renda e pior condição social. Não é justo que pessoas a sofrer, nas condições em que há evidência científica de benefício, sejam excluídas em consequência de meros preconceitos.

Uma maneira de disseminar e baratear o acesso seria autorizar o plantio para fins medicinais, como previsto em projeto de lei em tramitação no Congresso, uma vez que a importação de medicamentos prontos encarece a aquisição.

Atualmente, só algumas associações conseguem autorizações para tanto. Há razões humanitárias para avançar nessa agenda.