sábado, 21 de maio de 2022

Bonaparte na Espanha, cachaça, Liz Taylor (parte II), FSP

 

(Esse artigo é continuação deste)

No artigo anterior, contava como José Bonaparte, irmão mais velho de Napoleão, virou rei da Espanha lá pelos idos de mileoitocentos, quase (dizem) para seu desgosto. A missão impossível: acalmar os ânimos espanhóis durante a invasão napoleônica.

Durante seu breve reinado (1808- 1813), Zé Bona, perdão, José I, es cierto, viveu aventuras, teve 1805719adf amantes, tentou agradar cristo e ricos. O de sempre, vamos. Não rolou, errou rude, errou feio.

Ainda por cima, e esse é o tema aqui, sofreu um incessante bullying por parte da população española, passando à história como Zé, O Cachaceiro (ou, no original, "Pepe Botella [garrafa]").

E como foi que isso aconteceu?

Picardia antigringa do povo español.

Logo depois de assumir o trono, em plena guerra de independência espanhola, José anunciou a primeira reforma.

Numa tentativa de ganhar a simpatia da população, Zé Bona libera a "fabricação, circulação e venda" de jogos de cartas.

Segundo o real-decreto de fevereiro de 1809, o nome do "comissionado" ou "administrador" que recebesse o imposto sobre os baralhos constaria no seis de copas.

Baralhos sem a assinatura oficial seriam confiscados, e seus comerciantes e compradores, "castigados com as penas prescritas nas reais instruções e ordens".

Com essa primeira medida, José I já foi tirado de VivaLasVegas (se Las Vegas existisse então) e defensor da jogatina.

Pintura mostra rei vestido de gala com cetro e trono
José I Bonaparte, Rei da Espanha (1768-1844). Óleo sobre lenço, 1809. Robert LEFÈVRE - Reprodução

Mas o apelido histórico pegaria mesmo com a segunda reforma, dias depois.

Com ela, o rei liberava a fabricação, circulação e venda de bebidas alcoólicas, chamadas, genericamente, de "rosolis" (aguardentes de procedências e fórmulas variadas que levavam açúcar, canela, anis e plantiñas) e "licores" ou "aguardentes". O decreto instituía impostos mais baratos também.

Caricaturas da época mostram o rei napoleônico rodeado de vinhos e naipes de baralho. Muitas vezes, com um pepino –alusão ao apelido que ele ganhou ("Pepe", apelido de José em espanhol, é "Pepino", em italiano) –e, sempre, com uma garrafa-botella.


***

Outras medidas de cunho popular/ista se seguiriam, sem no entanto alterar a rejeição geral ao mandato napoleônico.

Por exemplo, embora fosse um "antitaurino" notório, José I ressuscitou as touradas (proibidas durante o reinado de Carlos IV) e as transformou de novo em eventos populares e gratuitos.

Oh-no.

O povo se jogou em massa nos espetáculos, mas a fama de loki de Pepe Cachaça seguiu inabalável.

Segundo o historiador alicantino José Piqueres, estudioso de Bonaparte e seu período na Espanha, o monarca "tentou de todas as maneiras [ganhar a aprovação pública]". Com a imprensa, com a presença constante na Igreja pra dar a imagem de católico, em suas saídas ao teatro, festas..."

(ora, ora, que familiar soa tudo ilson)

Mas, diz Piqueres, a "propaganda patriótica" levou a melhor, popularizando caricaturas como esta:

Caricatura mostra José Bonaparte, irmão de Napoleão, ajoelhado dentro de uma garrafa e cercado de anjos
José Bonaparte retratado como Pepe Botella em caricatura de época - Museu de História de Madri / Reprodução

De fato, ouvi falar de "Pepe Botella" pela primeira vez como uma piada, quando um amigo se referia a outro que andava meio trupicante depois de uns bons vin. A alcunha histórica está em livros escolares, é aprendida por crianças, virou pop.

***
Claro, nem tudo eram piadas. Havia uma Guerra de Independência rolando, com o apoio das tropas britânicas e portuguesas contra o Império Francês.

O fim da história do Pepe-Zé, que deixou o reinado em 1813 para dar lugar a Fernando VII, é que se mandou pra um povoado chamado Bordentown em New Jersey, Estados Unidos.

Na bagagem, o danado levou jóias da coroa espanhola (que vendeu pra construir uma mansãozinha básica), cisnes importados do Velho Continente e uma coleção de livros que, durante um breve período histórico, foi considerada a maior e mais importante do país.

Em resumo, eu diria: tadinho não era.

Caricatura mostra rei sentado sobre um pepino segurando uma garrafa e olhando um rapaz que lhe oferece uma taça de vinho e um macaco com uma carta de naipe de baralhos
Caricatura de época mostra José I Bonaparte da Espanha montado no pepino (!) - Reprodução

Passou seus últimos dias dando festinhas e recebendo ilustres como o presidente amerrricaine John Quincy Adams (1825-1829) ou o banqueiro escravocrata maior-ricaço-do-país Stephen Girard (minto: em 1939, voltou de vez pra Europa, onde faleceria 5 anos depois).

Uma das jóias espanholas levadas por Pepe foi "A Peregrina", uma pérola que Felipe II deu de presente a Maria Tudor e que, oh-vida, em 1969 foi parar no pescoço da Elizabeth Taylor, como mimo de seu então marido Richard Burton.

(aliás, essa pérola gorrrducha em forma de gota tem uma história interessante, fica pra uma próxima coluna!)

Em tempo: a revolução das "cigarreiras" de Cádiz, mencionada na parte I desse artigo, também é histórica. Um grupo de mulheres antimonarquia e defensora de direitos iguais botou a boca no mundo logo antes da aprovação da Constituição de Cádiz de 1812, conhecida como "La Pepa".

A esperança era que o documento plasmasse pelo menos parte das reivindicações. Não o fez.

Ainda assim, é até hoje considerada a primeira constituição espanhola (a anterior, de Bayona, 1808), e muito avançada para a época, graças à influência liberal francesa. Durou dois anos, sendo anulada por Fernando VII em 1814, com a derrota napoleônica.

O apelido "La Pepa" vem de Pepe, em homenagem ao dia em que foi promulgada, 19 de março, dia de San José. Pepe, Pepa. Zé, Zefa, cachaças, histórias...


Deprimido e esgotado, bancário processa Bradesco e recebe R$ 1,2 milhão, FSP

 Atualizado: 20.mai.2022 às 16h29

SÃO PAULO

Um bancário mineiro acaba de receber R$ 1,2 milhão do Bradesco por ter desenvolvido quadros depressivos graves e burnout decorrentes da pressão diária pelo cumprimento de metas e resultados.

O valor inclui uma indenização de R$ 50 mil por danos morais, uma pensão e os salários que ele não recebeu no período em que não foi autorizado pelo médico da empresa a voltar ao trabalho, mas teve o auxílio-doença negado –o chamado limbo previdenciário, quando o profissional fica sem o salário e sem o beneficio do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

PUBLICIDADE

No processo que apresentou contra o banco na Justiça do Trabalho, o ex-funcionário contou que era cobrado diariamente em reuniões e conferências do cumprimento de metas que incluíam a venda de produtos a clientes.

Direito à desconexão e burnout
Bancário com diagnóstico de burnout e depressão recebeu R$ 1,2 milhão do antigo empregador - Catarina Pignato

Com frequência, segundo relatou na ação, essas cobranças vinham acompanhadas de gritos e tapas na mesa. Certa vez, disse, chegou a ser chamado de analfabeto por um superior.

Procurado pela reportagem, o Bradesco disse que não vai comentar.

Funcionário do extinto Bamerindus desde os 14 anos, o bancário tem hoje 50 anos e começou a acumular períodos de afastamento do trabalho a partir de 2016, sete anos depois da promoção ao cargo de gerente, e desde 2018 não retoma à função.

Atualmente, ele está aposentado por invalidez pelo INSS –o benefício foi concedido judicialmente em abril de 2021.

Além dos relatos feitos pelo trabalhador na ação, a Justiça do Trabalho ouviu outros bancários da mesma agência, que falaram de situações semelhantes, de cobranças diárias, gritos e exposição dos funcionários de maneira considerada vexatória e humilhante diante de clientes e colegas.

Para a juíza convocada Adriana Goulart de Sena Orsini, relatora do processo no TRT-3 (Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região), o conjunto de provas (depoimentos, laudos e relatórios médicos) permite afirmar que as condições de trabalho agravaram o quadro de saúde do bancário.

"[Ao bancário] era imposto um alto padrão de responsabilidade, tanto pela função de gerente, quanto pela cobrança excessiva de metas, além de jornada estendida", escreveu, no relatório, "sendo possível avaliar o
quanto as condições de trabalho possam ter interferido na saúde mental do reclamante."

No TRT-3, a indenização por dano moral foi aumentada de R$ 20 mil, valor definido pela 3ª Vara do Trabalho de Pouso Alegre, para R$ 50 mil.

A advogada Lariane Del Vecchio, do escritório Aith, Badari e Luchin, que representou o trabalhador, diz que, no processo, foi importante demonstrar como, até a promoção de cargo, ele não manifestava quaisquer transtornos e era tido por colegas e subordinados como uma pessoa tranquila e disposta.

Para a defesa do trabalhador, o banco não só ignorou seu quadro psiquiátrico, como acabou tendo papel ativo na piora.

Quando estava em seu segundo período de licença médica, o bancário foi procurado por uma superior. Segundo a advogada, essa chefe pediu que ele retornasse ao trabalho e prometeu que ele seria transferido de função, o que nunca aconteceu.

"Hoje ele não consegue passar em frente ao banco. Vive em constante tratamento. Então é uma situação que afetou sua integridade física, além da psicológica", afirma.

A pensão pedida pela defesa do trabalhador foi o que garantiu a ele o pagamento acima de R$ 1 milhão. O banco teve que pagar as diferenças mensais entre o benefício pago pelo INSS e o valor de seu último salário, calculados até ele completar 73 anos (a expectativa de vida média, segundo o IBGE).

"O pensionamento é necessário porque ele teve redução da sua capacidade de trabalhar. Não vai mais ter horas extras, não vai subir de cargo ou ter outras chances de promoção."

Para a Justiça do Trabalho, o Bradesco foi omisso ao não disponibilizar condições adequadas de trabalho ao funcionário.

Em 1º de janeiro deste ano, a síndrome ganhou nova e mais detalhada descrição na CID-11 (Classificação Internacional de Doenças). De uma condição de saúde, ela passa a ser descrita como fenômeno ocupacional, no índice de "problemas associados com estar empregado ou desempregado".