sábado, 21 de maio de 2022

OPINIÃO GABRIEL ROSTEY As dark kitchens devem ter regulamentação própria? SIM, FSP

  EDIÇÃO IMPRESSA

Gabriel Rostey

Consultor em política urbana, é sócio-diretor da Culturb, ex-membro do Conselho Municipal de Política Urbana de São Paulo e ex-secretário Geral da Associação Preserva São Paulo

Assim como outras novidades surgidas a partir de inovações recentes, as dark kitchens, ou "cozinhas fantamas", farão cada vez mais parte da cidade contemporânea. Como o nome em inglês sugere, são uma tendência internacional, consequência direta da popularização de aplicativos de delivery, cujo crescimento exponencial se deu durante a quarentena da pandemia de Covid-19.

Se o Uber mudou os hábitos da sociedade, o mercado de táxis e pontos de embarque e desembarque de aeroportos, os novos restaurantes virtuais são pilares da otimização dessa cadeia produtiva por meio de cozinhas industriais compartilhadas por diferentes restaurantes, com equipes mínimas e foco total na produção, já que a venda é feita virtualmente e entregue por prestadores de serviços parceiros. Esse modelo de negócios traz benefícios como diminuição de custos e prazos e aumento da capacidade produtiva e escalabilidade, entregando preços mais competitivos ao consumidor. Por isso, cresce.

Entretanto pode trazer problemas para a vizinhança: barulho de equipamentos, imóveis próximos impregnados de gordura e fortes odores, manejo do lixo, carga e descarga e aglomerações de entregadores na rua aguardando para retirar os pedidos em locais sem qualquer estrutura de recepção. Há relatos de pessoas que chegam a mudar de casa por conta disso. A qualidade de vida dessa população precisa ser protegida, e qualquer sugestão de que se trata de postura NIMBY (acrônimo em inglês para "not in my backyard", que significa "não no meu quintal" e denota corporativismo) desconsidera que questões como poluição sonora são consideradas pela Organização Mundial da Saúde como de saúde pública.

Na cidade de São Paulo, a omissão do poder público é a maior responsável por esse cenário, uma vez que não há exigências para o exercício desta atividade, justamente pela inexistência de regulação própria. A simples definição de parâmetros claros para níveis de ruído, sistemas de exaustão, horários e áreas de estacionamento e convivência já solucionaria grande parte dos problemas, além de conferir a transparência necessária para os investimentos neste novo tipo de estabelecimento.

O aparecimento de negócios disruptivos será cada vez mais frequente, e a imprevisibilidade de seus efeitos é total, visto que nem sequer imaginamos quais serão as próximas inovações oferecidas —que dirá seus desdobramentos. Por isso, é inviável esperar que qualquer legislação geral possa, a priori, dar conta de acomodar os novos desafios que surgirão. Do mesmo modo que foi desenvolvida uma regulamentação própria para os aplicativos de transporte, é urgente que se elabore uma proposta que envolva moradores, motoboys e representantes de dark kitchens, restaurantes e aplicativos, liderada por conhecedores das boas práticas internacionais, com o posterior e contínuo monitoramento para eventuais ajustes.

É precisamente a possibilidade de regulamentação complementar a posteriori que permite um ambiente regulatório mais livre e fértil, ao garantir que os segmentos afetados serão ouvidos e, se necessário, protegidos. Caso contrário, corremos o risco de uma legislação restritiva de partida, que engessa o ambiente de negócios e, por exemplo, equipara dark kitchens às indústrias, o que as inviabilizaria e seria um equívoco tão grande quanto tratá-las como restaurantes comuns.

Que nos sirvam de lição os males causados às nossas cidades por imposições simplistas como o recuo obrigatório e a proibição do uso misto. Um Uber não é um táxi nem um carro pessoal comum; é algo novo, e devemos estar cada vez mais preparados para lidar com inovações como os condomínios de cozinhas.

Se fosse chegado à leitura, Bolsonaro não entenderia Vargas Llosa, Alvaro Costa e Silva, FSP

 20.mai.2022 às 14h50

Seria um assombro, na melhor tradição do realismo mágico. Mas vamos supor que aconteça: animado com o apoio que recebeu de Mario Vargas Llosa, Bolsonaro resolve adiar os passeios de moto e jet-ski e reservar 15 minutos por dia para ler o Nobel. Escolhe "A Cidade e os Cachorros" (ou "Batismo de Fogo", o outro título com que a obra foi traduzida entre nós), primeiro romance do escritor que, ainda bem jovem, resolveu tornar-se o Faulkner do Peru.

Bolsonaro não entende bem os diferentes pontos de vista narrativos, o discurso indireto livre e a mistura entre passado e presente. Mas reconhece, ao virar uma página depois de lamber a ponta do dedo, algo familiar: a palavra coturno. O esforço sobre-humano é recompensado quando ele finalmente percebe que a história se passa em um colégio militar. Aquele ambiente é o seu, pensa o presidente, ali um menino aprende a ser homem.

Se tivesse adquirido o hábito de leitura nos bancos escolares, Bolsonaro descobriria que o livro é uma condenação do código de conduta imposto aos alunos do colégio Leoncio Prado, de Lima, onde Llosa estudou. Uma formação educacional que, sob o disfarce da ordem e da disciplina militar, está baseada em violência, covardia, machismo, intolerância, abuso psicológico, corrupção.

É um modelo semelhante ao das escolas cívico-militares, vitrine bolsonarista cujo orçamento mais do que triplicou (R$ 18 milhões em 2020; R$ 64 milhões em 2022), mesmo representando apenas 0,1% das escolas públicas brasileiras. Na outra ponta do desastre na educação, agravado pelo impacto da pandemia, a Câmara aprovou o projeto que regulamenta o ensino doméstico, bandeira ideológica do governo rejeitada por oito em cada dez brasileiros, segundo o Datafolha.

Não por acaso, o presidente, a cabeça embaralhada com tantas letrinhas, joga fora o livro de Vargas Llosa e corre para o jet-ski. Fim do relato fantástico.

Cristina Serra Elon Musk e a eleição no Brasil, FSP


Bolsonaro recebeu Elon Musk com rapapés e tapete vermelho, em cena de vassalagem vira-lata explícita. Como se sabe, Musk negocia a compra do Twitter e já avisou que a liberdade de expressão absoluta na rede social, sem qualquer moderação, está acima de tudo. Música para os ouvidos das milícias digitais e sinal verde para a pregação golpista e os discursos de ódio.

Musk anunciou que quer reverter o banimento de Donald Trump, expulso do Twitter por ter insuflado extremistas contra a confirmação de Joe Biden, em janeiro de 2021. A ação resultou na invasão do Capitolio e na morte de cinco pessoas.

Homem mais rico do mundo, dono de um império de empresas de alta tecnologia, que vão dos carros elétricos à pretensa colonização de Marte, Musk é um oligarca de perfil ególatra e megalômano.

Ficou famoso seu tuíte sobre o golpe na Bolívia, contra Evo Morales, em 2019. Respondendo à crítica de um seguidor, tuitou: "Nós daremos golpe em quem quisermos. Lide com isso." A Bolívia tem as maiores reservas de lítio do mundo, mineral essencial para as baterias de carros elétricos fabricados pela Tesla.

O oligarca se meteu na guerra da Ucrânia, fornecendo equipamentos da sua rede de satélites, a Starlink, que, segundo a imprensa britânica, está tendo uso não apenas civil, mas também militar, contra as forças russas.

Agora, Musk aparece no Brasil para, supostamente, cobrir a Amazônia com internet para monitorar os lugares mais remotos, num contrato sem licitação. No Twitter, o oligarca ofereceu um motivo singelo: conectar escolas rurais. Em momento pré-eleitoral, com disparada do desmatamento e ofensiva da mineração sobre terras indígenas? Conta outra.

O poder quase incontrolável das big techs tem mostrado graus variados de impacto negativo para as democracias, em vários países. A passagem meteórica de Musk pelo Brasil faz soar um alarme (mais um) sobre enormes riscos de manipulação envolvendo a eleição de outubro.