20.mai.2022 às 14h50
Seria um assombro, na melhor tradição do realismo mágico. Mas vamos supor que aconteça: animado com o apoio que recebeu de Mario Vargas Llosa, Bolsonaro resolve adiar os passeios de moto e jet-ski e reservar 15 minutos por dia para ler o Nobel. Escolhe "A Cidade e os Cachorros" (ou "Batismo de Fogo", o outro título com que a obra foi traduzida entre nós), primeiro romance do escritor que, ainda bem jovem, resolveu tornar-se o Faulkner do Peru.
Bolsonaro não entende bem os diferentes pontos de vista narrativos, o discurso indireto livre e a mistura entre passado e presente. Mas reconhece, ao virar uma página depois de lamber a ponta do dedo, algo familiar: a palavra coturno. O esforço sobre-humano é recompensado quando ele finalmente percebe que a história se passa em um colégio militar. Aquele ambiente é o seu, pensa o presidente, ali um menino aprende a ser homem.
Se tivesse adquirido o hábito de leitura nos bancos escolares, Bolsonaro descobriria que o livro é uma condenação do código de conduta imposto aos alunos do colégio Leoncio Prado, de Lima, onde Llosa estudou. Uma formação educacional que, sob o disfarce da ordem e da disciplina militar, está baseada em violência, covardia, machismo, intolerância, abuso psicológico, corrupção.
É um modelo semelhante ao das escolas cívico-militares, vitrine bolsonarista cujo orçamento mais do que triplicou (R$ 18 milhões em 2020; R$ 64 milhões em 2022), mesmo representando apenas 0,1% das escolas públicas brasileiras. Na outra ponta do desastre na educação, agravado pelo impacto da pandemia, a Câmara aprovou o projeto que regulamenta o ensino doméstico, bandeira ideológica do governo rejeitada por oito em cada dez brasileiros, segundo o Datafolha.
Não por acaso, o presidente, a cabeça embaralhada com tantas letrinhas, joga fora o livro de Vargas Llosa e corre para o jet-ski. Fim do relato fantástico.
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