Ao sentir no bolso as altas constantes no preço dos combustíveis, Marcello Ghigonetto, 38, decidiu deixar o carro na garagem e comprou uma scooter. "Sempre gostei de motos e tinha tirado habilitação apenas para lazer. Mas a alta da gasolina acabou transformando a moto em primeira opção."
Com a troca, os gastos semanais para encher o tanque caíram de R$ 250 para R$ 32. Já o trajeto que o relações-públicas tem de fazer entre sua casa e o escritório, em São Paulo, passou de 1h15 para 25 minutos.
"Hoje, já questiono como foi que perdi tanto tempo e dinheiro andando de carro. Consigo pensar na minha vida de uma forma muito mais simples agora", conta ele, que presta serviços para uma vendedora de motos, mas só optou pelo meio de transporte com o início da pandemia.
O caso de Ghigonetto não é isolado. As vendas de scooter cresceram 44% nos primeiros 11 meses de 2021, como parte de um movimento de brasileiros em busca de alternativas para reduzir os gastos com combustíveis e energia, diante dos preços recordes provocados pela alta do dólar e pela seca.
Enquanto famílias de baixa renda têm que apelar a soluções mais arriscadas, como cozinhar com lenha ou álcool, consumidores com condições financeiras mais favoráveis investem em soluções mais baratas, como as motos, o gás natural veicular ou o uso da energia solar.
O crescimento da procura por motos deve fazer o setor fechar o ano com o maior volume de produção desde 2015, diz Marcos Fermanian, presidente da Abraciclo (Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares).
Em outubro, a produção anual ultrapassou a marca de 1 milhão de unidades. Até novembro, foi 1,1 milhão, 26% acima do verificado no mesmo período de 2019, também com impulso do crescimento do comércio digital. Ainda assim, a alta demanda gera hoje uma fila de espera por novas motos que chega a um mês.
"Com o aumento do preço do combustível, a motocicleta virou a melhor alternativa para grande parte da população brasileira com menor renda", diz Fermanian. "Olhando a motocicleta desde o momento da compra, passando pelo custo de manutenção e o consumo de combustível, há muitas vantagens."
Em meados de outubro, o preço da gasolina atingiu o maior valor desde que a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) passou a divulgar uma pesquisa sobre o tema, em 2002. Seu principal concorrente, o etanol, também disparou.
Assim, muitos brasileiros que precisam do carro para trabalhar decidiram migrar para o GNV, que também está em patamar recorde, mas é mais barato e rende mais. Entre janeiro e novembro, o número de instalações de kits para o uso do combustível cresceu 66%, segundo a Firjan (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro).
"O gás natural veicular passou a ser alternativa para motoristas", diz a entidade, que calcula que, para cada real gasto com GNV, o motorista roda duas vezes mais em comparação à gasolina e ao etanol.
O motorista Lenaildo de Souza Dias, que trabalha em São Paulo, decidiu avaliar a troca de combustível de seu veículo para reduzir os gastos.
Enquanto isso, pela instalação do kit, ele mudou sua rotina de trabalho, usando mais aplicativos para evitar voltar sozinho após deixar um passageiro, e passou a priorizar aplicativos locais para fugir das altas taxas cobradas pelas alternativas mais tradicionais.
No seu caso, é o Four Taxi, da Fetacesp (Federação dos Taxistas do Estado de São Paulo) — mas há ferramentas semelhantes em outras grandes cidades, como o Taxi.Rio, no Rio de Janeiro, ou o Let's, para motoristas de aplicativos de Niterói (RJ). "A gente acaba se virando como pode", diz Dias.
Para fugir da alta da conta de luz, os consumidores estão apelando a sistemas solares de aquecimento de água ou de geração de energia. No primeiro caso, as vendas cresceram 26% entre janeiro e novembro, diz a Abrasol (Associação Brasileira de Energia Solar Térmica).
"Mais do que em 2001, quando começou a sinalizar apagão, este ano houve um boom na compra do aquecedor solar de água", diz o presidente da entidade, Oscar Mattos, lembrando que o chuveiro elétrico é um grande vilão do consumo de energia em residências.
Ele diz que o sistema com coletor e reservatório de médio porte, para atender uma família, custa hoje cerca de R$ 6.000, investimento que se paga em dois anos com a economia na conta de luz. "É muito rápido, se comparado com outras alternativas."
A geração de energia solar para residências também disparou, principalmente após o surgimento de um modelo de negócios que compartilha a eletricidade gerada por fazendas solares entre diversos clientes, mesmo que estejam longe dos painéis.
Apenas em 2021, segundo a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), quase 29 mil unidades residenciais aderiram a esse modelo. A grande maioria, porém, ainda prefere instalar os painéis na própria unidade consumidora: foram 195 mil conexões deste tipo em 2021, ante 138 mil no ano anterior.
A gerente comercial Vanessa Calvano, 35, é uma delas. O aumento da conta de luz fez a família investir R$ 45 mil em placas fotovoltaicas, usadas, sobretudo, para permitir o uso do ar-condicionado praticamente o dia todo.
"Conseguimos no banco um financiamento de 24 meses e já sentimos a diferença na conta de luz no primeiro mês. Com seis moradores, a nossa casa chegava a gastar R$ 400 —em alguns meses, a conta batia em R$ 700. Agora, pagamos a taxa mínima, de R$ 200", conta a carioca.
Ela diz que a pesquisa de preços foi fundamental na hora de optar pela empresa de instalação, e a diferença de preços entre marcas chegou a R$ 20 mil. Vanessa calcula que o investimento nas placas deve se pagar em dois anos e meio.
"O sistema também vem com um aplicativo que registra os dados de consumo e nos ajuda a planejar melhor o uso dos aparelhos em casa. Agora, os vizinhos nos param para perguntar sobre as placas e falam que querem fazer o mesmo."