"Quem diria?" era o comentário geral entre políticos no jantar que uniu publicamente o ex-presidente Lula (PT) e o ex-governador Geraldo Alckmin (ex-PSDB), que caminham para formar uma chapa à Presidência da República em 2022.
O espanto se devia às transformações de Alckmin, que sorria, disse estar à vontade e foi abordado com diversos pedidos de fotos. De adversário a aliado. De derrotado em 2018 a possível vice-presidente do Brasil. De tucano a entusiasta da candidatura petista.
O retrofit de Alckmin, como definiu o ex-governador Márcio França (PSB), não ocorre sem custos. Aliados mencionam, por exemplo, que Alckmin passou pelos gritos de protesto contra a aliança por parte de um grupo petista em sua chegada ao jantar.
A eventual aliança com Lula tornou-se alvo de crítica de setores da esquerda, mas também de eleitores de Alckmin e até do grupo de políticos paulistas que rodeiam o ex-governador. Bolsonaristas e apoiadores do governador João Doria (PSDB) também passaram a explorar o desgaste.
Contra os questionamentos, Alckmin retomou publicações nas redes sociais lembrando feitos no governo e também fez posts em tom descontraído, buscando atrair simpatia.
Até que a hipótese de ser vice ganhou corpo, Alckmin vinha costurando sua candidatura ao Governo de São Paulo em 2022. Segundo pesquisa Datafolha do último dia 18, ele lidera a corrida com 28%.
Nas redes sociais de Alckmin, eleitores reclamam da aproximação com o PT. "Não faça aliança com o PT. Seja governador de SP", diz um.
"Pelo poder está vendendo a alma ao diabo", comenta outro. "Nunca mais terá meu voto. Decepção total."
Aliados de Alckmin no estado admitem que, caso o ex-governador dispute a vice, esses eleitores ficarão órfãos e que eles próprios não sabem quem apoiar na disputa paulista.
Mencionam como opções França e Fernando Haddad (PT), que lideram na pesquisa estadual em cenário sem Alckmin e que, para eliminarem seu concorrente, costuram o acerto nacional com Lula. PT e PSB não entraram em acordo sobre qual dos dois candidatos deve ser o palanque de Lula-Alckmin em São Paulo.
Um apoio ao candidato do PSDB, Rodrigo Garcia, que é vice de Doria, não é descartado por parte dos hoje alckmistas e seria, de acordo com eles, um movimento natural do eleitor. Ainda que Doria seja desafeto de Alckmin –a candidatura de Garcia foi o que empurrou o ex-governador para fora do partido que ajudou a fundar há 33 anos.
De acordo com o Datafolha, os votos de Alckmin migrariam principalmente para Haddad (30%), França (19%) e Garcia (13%). No cenário sem Haddad, vão para França (32%), Garcia (18%) e Guilherme Boulos (PSOL, 10%).
Para ser vice de Lula, Alckmin se filiaria provavelmente ao PSB, mas Solidariedade e PV também ofereceram legenda. O PSD, que queria Alckmin concorrendo ao Palácio dos Bandeirantes, já busca um plano B no estado.
Nos bastidores, tucanos do grupo de Alckmin dizem que a união com Lula é fora da curva para um político tido como de centro e que a ausência do ex-governador no pleito estadual abre um vácuo. Praticamente só sobram candidatos palanques de Lula, Jair Bolsonaro (PL) ou Doria –e há quem não queira nenhum dos três.
Segundo eles, a maioria dos apoiadores de Alckmin rejeita a aliança e o ex-governador sabe disso. Nomes próximos do ex-tucano têm recebido reclamações de todo o estado. Para eles, Alckmin vê mais chances de se eleger vice de Lula do que governador de São Paulo.
Mas há também quem apoie a chapa com Lula, mesmo admitindo haver certo estrago para Alckmin.
"Acho bom, chega de divisão. Lula vai ganhar eleição com ou sem Alckmin. Vamos amansar um pouco, puxar Lula para o centro, maneirar o radicalismo que hoje vive o Brasil. Alckmin vai ajudar Lula, vai trazer a classe média, dar confiabilidade", afirma Pedro Tobias, ex-presidente do PSDB-SP e aliado de Alckmin.
"Tem eleitor que fica revoltado, depois de votar quatro vezes [em Alckmin para o Governo de SP]. O voto da direita ele não vai ter mais. Alckmin vai perder ponto, mas para Lula é um ganho e para o país, mais ainda", completa.
"É uma decisão de alguém que está pensando no Brasil diante de um adversário comum, que é o Bolsonaro. Esse modo de governar sem direção e sem agenda que levou o país à falência", afirma o ex-deputado Floriano Pesaro, que também defende a escolha de Alckmin.
"Alckmin tem clareza do que foi o governo Lula no passado, suas qualidades e defeitos. Foi voltado para o desenvolvimento social em que pesem as muitas denúncias de corrupção. Ele acha que o futuro é melhor do que o passado, ele fala isso sempre e eu concordo. Os erros do passado não serão mais cometidos."
Depois do jantar, a aliança Lula-Alckmin serviu de munição para bolsonaristas, que passaram a resgatar falas do ex-tucano contra o petista. O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), comparou a um "cruzamento de porco-espinho com capivara".
Perfis de apoio a Doria também passaram a veicular que a fama de traidor e oportunista agora recai sobre Alckmin. Estrategistas do governador dizem acreditar que Alckmin cairá na irrelevância e que é Garcia quem vai se beneficiar dos eleitores desapontados com o ex-tucano.
Pesaro rebate e diz que a difamação não atinge Alckmin, que só mudou de projeto após ser impedido por Doria.
"Nossa tendência é apoiar França, porque não tem como ficar no meio dos neotucanos, a prática deles é diferente do tucano raiz. Acho que Garcia é um bom sujeito, mas tem a fraqueza de carregar o governo Doria. Eu mesmo sou vítima do dorismo", afirma o ex-deputado.
O presidente do PSDB, Bruno Araújo, classificou a aliança de Alckmin com Lula de "erro histórico". Na esquerda, a aposta é que as críticas ao chamado "picolé de chuchu" serão silenciadas pela bênção de Lula ao agora aliado.
Enquanto petistas lembram a relação conflituosa de Alckmin com professores, por exemplo, aliados do ex-governador afirmam que a aproximação com o PT não é tão esdrúxula e que o ex-tucano é humilde, toma café na padaria e sempre teve olhar social, mencionando o Bom Prato.
O Datafolha mostra que Alckmin tem mais intenção de voto entre quem tem ensino fundamental (33%) do que entre quem tem ensino superior (19%); entre quem recebe até dois salários-mínimos (31%) do que entre quem recebe mais de dez (21%). Alcança 35% entre donas de casa e 29% entre desempregados.
O ex-tucano, porém, tem dificuldade em outros setores simpáticos à esquerda, como os funcionários públicos (18%) e os estudantes (15%).