domingo, 19 de dezembro de 2021

Hélio Schwartsman A loteria genética, FSP

 O morticínio e as iniquidades provocados por ideias supostamente científicas sobre genes e raças são conhecidos. Em boa medida por causa desse histórico sombrio, a esquerda passou as últimas décadas ignorando, quando não combatendo, pesquisas no campo da genética humana, particularmente da genética comportamental. Não é uma estratégia particularmente brilhante.

Um dos maus hábitos da realidade é que ela não vai embora só porque você não gosta dos resultados que ela produz. Esse panorama começou a mudar nos últimos anos, com a publicação de livros escritos por cientistas com agenda abertamente progressista que mostram que os genes são relevantes para o comportamento humano e que reconhecer isso não nos condena a reviver o nazismo.

Ilustração de Annette Schwartsman para a coluna de Hélio Schwartsman desye domingo (19.dez) exibe uma menina, à esquerda, e um menino, à direita, sentados brincando com espirais que lembram códigos genéticos
Ilustração de Annette Schwartsman para a coluna de Hélio Schwartsman deste domingo (19.dez) - Annette Schwartsman

"The Genetic Lottery", de Kathryn Paige Harden, é uma dessas obras. Seu maior mérito é apresentar e desmitificar o problema. Genes importam não só no âmbito individual mas também para os grandes desafios sociais, como a igualdade. O peso da genética no desempenho escolar de uma criança é igual ao da renda dos pais, ou seja, bem forte. E o desempenho escolar, vale lembrar, é uma variável-chave na definição da renda, felicidade e até do número de anos que a pessoa vai viver.

Harden faz um apanhado bem didático dos tipos de pesquisa genética que existem, as diferenças entre eles e como interpretá-los. Embora o senso comum pense os genes como determinantes, seu efeito sobre a maioria das características que nos interessam é muito mais probabilístico. Bons genes no ambiente errado não fazem milagres. E um ambiente propício pode fazer com que mesmo alguém que não tenha sido favorecido pela loteria genética se saia bem.

Uma boa analogia é com a miopia. Ela é 100% genética, mas depende de certas condições ambientais para manifestar-se. Mais importante, mesmo quando ela dá as caras, a sociedade tem uma solução não genética 100% eficaz: óculos.

Janio de Freitas Pesquisas Datafolha e Ipec são bombas para a disputa da Presidência em 2022, FSP

 


Difícil saber se mais impressionantes foram as pesquisas Ipec e Datafolha, duas bombas com intervalo de 48 horas, ou as explosões de excitação que disseminaram entre a euforia e o aturdimento, o alívio e o susto. Dos próprios pré-canditatos não pôde sair recepção diferente, com certeza. O que faz esperáveis, para breve, modificações em várias campanhas e, daí, na configuração da disputa de Bolsonaro para baixo.

Os dados mais eloquentes das pesquisas cabem ao ex-presidente Lula e os mais críticos são de Moro, em inversão da adversidade que o perseguidor impôs ao perseguido no frente-a-frente anterior. O dado mais forte, igual nas duas pesquisas, está nas citações espontâneas, em que o eleitor menciona o preferido sem consultar a lista oferecida. Moro tem aí a preferência de não mais do que 2%. Situação pouco observada e, no entanto, acachapante para alguém tão conhecido (por 88%, no Datafolha) e celebrado pela imprensa e a TV.

Montagem com imagens dos pré-candidatos à Presidência Lula, Jair Bolsonaro, Sergio Moro e Ciro Gomes
Os pré-candidatos à Presidência Lula (PT), Jair Bolsonaro (PL), Sergio Moro (Podemos) e Ciro Gomes (PDT) - Fotos Miguel Schincariol/AFP e Pedro Ladeira/Folhapress

Se também nos seus domínios ideológicos, os estados do Sul, o melhor índice de Moro foi o de 13% gaúchos, nisso Doria encontrou esperanças e Bolsonaro achou mais uma ilusão. As duas pesquisas pulverizaram a convicção generalizada de que o Sul seria absoluto pró-Moro. Ainda poderá ser, mas à custa de empenhos que outros também poderão fazer, Doria em particular.

A compaixão pelo país permite arriscar que, entre os 47% de empresários da ultradireita, não faltem abalados pelas pesquisas. Não é simples aceitar que metade do empresariado veste-se mentalmente de papagaio como Luciano Hang. É o sectarismo incapaz até da memória, ou da honestidade, de reconhecer os ganhos de todo o empresariado com a melhoria da vida em geral no governo Lula, razão dos extraordinários 82% de aprovação ao fim do mandato.

A própria queda de Bolsonaro lhe acarretará mais queda ou, ao menos, ainda maior dificuldade de recuperação estável. Os bilhões do "auxílio" e outros bilhões podem lhe dar ganhos transitórios, a evaporarem na economia de Paulo Guedes. Como toda decepção tem seu custo, e a causada por Moro foi grande, as pesquisas lhe trouxeram problema duplo. Um, é obter programa e discurso que atraiam atenção, em vez de repetições tediosas. O outro é subir com rapidez, antes que, desacreditado, seu potencial se desloque. Doria espera, nos arranjos da campanha que promete barulho.

Não só por precipitação é incabível a ideia, originária do meio acadêmico, de que a eleição presidencial "é um plebiscito entre Bolsonaro e Lula". Esse confronto já está resolvido, em todos os planos. De tudo, neste momento de preliminares e não de conclusões, ficam a atenção lúcida do povão sobre Bolsonaro e mais uma demonstração da vitalidade política de Lula, em seu quarto reerguimento depois de alvejado por cercos destinados a eliminá-lo.

INAUGURAÇÃO

Foi de seis horas o tempo decorrido da entrevista de Ciro Gomes a Roberto D’Ávila, forte e farta, até a entrada da Polícia Federal na casa do pré-candidato. E de oito anos o intervalo do episódio alegado pela PF até a busca na casa.

Ciro Gomes e sua longa reputação de probidade estão submetidos a uma situação em que tudo está fora dos padrões. Ainda mais por se tratar de pré-candidato à Presidência, a conduta da PF foi agressiva também com a opinião pública, faltando-lhe com a explicação necessária. Ou não podia dá-la, o que é pior e provável.

À parte a razão alegada pela PF e pelo juiz Danilo de Almeida, foi o primeiro ato de anormalidade (também) eleitoral.

Quais são os impactos de auditorias públicas na corrupção, Nexo Políticas Publicas

PAPER

O impacto de auditorias públicas na corrupção

Do Government Audits Reduce Corruption? Estimating the Impacts of Exposing Corrupt Politicians

AUTORES

Eric Avis, Claudio Ferraz e Frederico Finan

ÁREA E SUB-ÁREA

Economia, Economia política

PUBLICADO EM

Journal of Political Economy em Outubro de 2018

LINK PARA O ORIGINAL

Este paper, publicado na revista Journal of Political Economy, analisa como os mecanismos de auditoria pública no Brasil, criados em 2003, contribuíram para o combate à corrupção em municipalidades. O estudo investigou as auditorias realizadas entre julho de 2006 e março de 2013 em 1.949 municípios. Os municípios são sorteados para receber a auditoria, o que permitiu que os pesquisadores medissem seu impacto sobre o desvio de gastos públicos.

Os resultados indicam que as auditorias podem ser um instrumento político eficaz para reduzir a corrupção. As análises revelaram que municípios que tinham sido auditados anteriormente praticaram 7,9% menos atos de corrupção em comparação com aqueles que não tinham sido auditados anteriormente. Isto é, as auditorias reduziram a corrupção em torno de R$567.135,00 em cada ano por município. Além disso, o estudo sinaliza como a presença de meios de comunicação locais e de distritos judiciais contribuiu para inibir o desvio de recursos públicos.

A QUAL PERGUNTA A PESQUISA RESPONDE?

Todos os anos, políticos em diferentes países desviam bilhões de fundos federais, o que gera desconfiança dos cidadãos no governo e enfraquece as instituições democráticas. No Brasil, a corrupção ocorre principalmente através de uma combinação de fraudes nas compras governamentais, desvio de fundos e superfaturamento de bens e serviços. Levando em consideração o sistema político altamente descentralizado do Brasil, a corrupção a nível municipal tornou-se uma grande preocupação, uma vez que os líderes dos municípios podem desviar ou utilizar indevidamente os fundos destinados ao desenvolvimento local. Em média, os municípios brasileiros recebem R$15 milhões em transferências federais por ano. Seriam as auditorias governamentais, conduzidas para investigar o desvio de recursos públicos, uma maneira de reduzir a corrupção?

POR QUE ISSO É RELEVANTE?

Embora as consequências adversas da corrupção sejam claras, não existe um consenso sobre a melhor forma de enfrentar esse desafio global. Sabe-se ainda menos sobre como reduzir de forma eficaz a corrupção a longo prazo. Pesquisas existentes sugerem ser possível combater a corrupção de duas maneiras: (1) fortalecer as instituições políticas, particularmente através da responsabilidade eleitoral, para permitir que os cidadãos recompensem ou punam comportamentos corruptos; ou (2) aumentar a capacidade das instituições jurídicas e do Ministério Público para disciplinar políticos corruptos através de ações judiciais. Estratégias de combate à corrupção bem-sucedidas incluem reformas destinadas a reforçar os setores político e jurídico. Mas a eficácia dessas instituições depende, em primeiro lugar, da capacidade do governo em detectar a corrupção. Programas de auditoria – destinados a revelar o uso indevido de recursos públicos – oferecem uma potencial solução.

RESUMO DA PESQUISA

Em 2003, o governo brasileiro introduziu um programa inovador de combate à corrupção, implementado através da CGU (Controladoria Geral da União) – uma agência federal autônoma encarregada de prevenir e investigar o uso indevido de fundos públicos. A CGU seleciona aleatoriamente os municípios para auditoria através de uma loteria pública. Todos os municípios com uma população de até 500 mil habitantes são elegíveis. Uma vez auditados, os municípios só podem ter suas contas novamente analisadas depois de terem decorrido várias loterias. Em geral, a probabilidade de ser auditado é relativamente baixa – apenas 1,3% em um dado sorteio. No entanto, dada a frequência das loterias, a probabilidade de um prefeito ser auditado durante o seu mandato pode ser alta – entre 8,6% e 26,4%, dependendo do estado. Assim, é difícil para os prefeitos prever se serão auditados durante os seus mandatos. Uma vez selecionados, equipes treinadas em auditoria investigam ess es municípios para cruzar as contas públicas com os gastos reais e verificar a execução de serviços públicos. Depois de finalizar as inspeções, a CGU publica relatórios online detalhados descrevendo quaisquer irregularidades e compartilha os dados com jornais locais e com agências jurídicas locais e federais. Até 2015, a CGU tinha realizado 2.241 auditorias, abrangendo 1.949 municípios e R$22 bilhões de fundos federais. Atualmente, os dados gerados pelas auditorias da CGU têm sido amplamente utilizados em campanhas políticas para informar os eleitores, além da Polícia Federal e promotores públicos para fundamentar casos contra políticos e funcionários públicos corruptos.

Com isso em vista, pesquisadores utilizaram o processo de loteria pública para realizar uma avaliação aleatorizada e identificar o impacto das auditorias governamentais sobre a corrupção política municipal ao longo do tempo. Usando uma combinação de dados eleitorais, jurídicos e municipais da CGU, os pesquisadores compararam os níveis de corrupção nos municípios que estavam passando por suas primeiras auditorias com os municípios que haviam sido auditados mais de uma vez. Uma vez que os municípios têm a mesma probabilidade de serem auditados, esta comparação permite estimar os efeitos causais de um município ter sido auditado no passado nos níveis de corrupção no futuro. Ao revisar os dados da CGU, os pesquisadores separaram os casos de irregularidades devido a atos de corrupção versus má gestão (por exemplo, má documentação ou armazenamento inadequado de bens).

O estudo centrou-se nos períodos eleitorais de 2004-2008 e 2008-2012. A amostra principal consiste de todas as auditorias realizadas entre julho de 2006 e março de 2013. Dos 1.949 municípios auditados neste período, 14% foram auditados várias vezes: 253 auditados duas vezes, 18 três vezes, e um município quatro vezes.

Os pesquisadores examinaram quatro mecanismos potenciais através dos quais as auditorias podem desencorajar comportamentos corruptos:

  • Responsabilidade eleitoral: se as auditorias aumentam a probabilidade futura de expor candidatos corruptos aos eleitores, então os prefeitos que têm o intuito de se reeleger podem abster-se da corrupção.
  • Responsabilidade jurídica: se as auditorias aumentam as consequências jurídicas ou de reputação, os prefeitos podem abster-se de corrupção mesmo quando não pretendem se reeleger.
  • Seleção política: se as auditorias permitem o eleitorado punir mandatos corruptos e recompensar as boas candidaturas através da reeleição, melhores políticos podem ser eleitos em lugares onde o prefeito foi auditado antes da eleição.
  • Entrada política: se as auditorias mudam o ambiente político, outras candidaturas menos corruptas podem concorrer ao cargo.

QUAIS FORAM AS CONCLUSÕES?

Os resultados mostram que as auditorias reduziram a corrupção. Os municípios que tinham sido auditados anteriormente praticaram 7,9% menos atos de corrupção em comparação com aqueles que estavam sendo auditados pela primeira vez. Nos municípios em que prefeitos foram auditados várias vezes em um mesmo mandato, as auditorias levaram a uma redução ainda maior na corrupção - uma redução de 12,7% na corrupção em relação ao grupo de comparação. As auditorias revelaram que, em média, 30% dos fundos foram desviados, sugerindo que as auditorias reduziram a corrupção em R$567.135 por ano por município.

Os jornais locais desempenharam um papel importante ao reforçar os efeitos anticorrupção das auditorias. Os municípios que não foram auditados, mas que estavam localizados ao lado dos municípios auditados e tinham acesso aos jornais locais, também experimentaram um declínio na corrupção. Municípios que tinham rádio AM e cujos municípios vizinhos foram auditados tiveram uma redução de 7,5% em atos corruptos em relação aos municípios cujos vizinhos estavam no grupo de comparação (não foram auditados). Os municípios com acesso à televisão local tiveram uma redução de 10,4% em atos corruptos. Os pesquisadores não encontraram provas de efeitos semelhantes nos municípios sem a presença de jornais locais. Estes dados comprovam a importância da mídia no reforço da responsabilidade política.

Os dados sugerem que as reduções na corrupção vieram principalmente de auditorias que aumentaram a percepção das consequências jurídicas de se envolver em corrupção. Isso sugere que uma redução sustentável da corrupção depende de políticas destinadas a melhorar a capacidade do Estado para detectar e processar políticos corruptos. Os municípios que haviam sido auditados no passado eram 0,5% mais propensos a enfrentar ações jurídicas – tais como investigações policiais ou condenações administrativas -– em relação a 3% dos municípios do grupo de comparação. Os resultados revelam que as auditorias levaram a um aumento de cerca de 30 ações judiciais a partir de uma base de 140 entre os municípios de comparação. Além disso, por cada aumento de 1% em atos corruptos, houve um aumento de 8,8% na probabilidade de ação judicial, sugerindo que as consequências jurídicas de se envolver em corrupção são significativas. Os pesquisadores estimaram que este efeito disciplinador jurídico representa quase 72% de redução total na corrupção municipal resultante das auditorias. No entanto, este efeito concentrou-se em grande parte nos municípios com um distrito judiciário, o que implica que as auditorias podem ser menos eficazes em ambientes onde os governos têm menos capacidade para a execução judicial.

QUEM DEVERIA CONHECER OS SEUS RESULTADOS?

Agentes responsáveis por políticas anticorrupção.

REFERÊNCIAS

Avis, Eric, Claudio Ferraz, and Frederico Finan. 2018. "Do Government Audits Reduce Corruption? Estimating the Impacts of Exposing Corrupt Politicians". Journal of Political Economy 126 (5): 1912-1964.

Claudio Ferraz é professor de economia na Vancouver School of Economics, University of British Columbia e no Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

Frederico Finan é professor de economia e administração de empresas na Universidade da Califórnia Berkeley.

Eric Avis é professor assistente na HEC Montreal.

Este Acadêmico foi originalmente escrito em inglês e traduzido por Ariadna Coelho com adaptação de Isabela Salgado.