terça-feira, 10 de agosto de 2021

Chefes militares mostram ao mundo o desaparelhamento bélico do Brasil, Conjur

 O Exército, a Marinha e a Aeronáutica foram à principal avenida de Brasília para mostrar seu estado de penúria, nesta terça-feira (10/8). Com veículos blindados, alguns deles usados nas guerras do Vietnã e do Iraque, sem capacidade ofensiva, os comandantes militares mostraram o desaparelhamento do que um dia foram as forças armadas brasileiras.

Os véiculos estão imobilizados há anos, por falta de combustível e munição — o que impede treinamentos até mesmo para tiro ao alvo. A precariedade é generalizada: falta pessoal, equipamento e treinamento. O Exército, por exemplo: embora informe um contingente efetivo de 102 mil pessoas, o número não corresponde à realidade há muito tempo — mas certamente é bem inferior ao efetivo das guardas civis metropolitanas.

O principal erro estratégico da exibição do museu da guerra foi anular o poder de dissuasão com que todo país opera para desencorajar eventual agressão militar externa. Em outras situações, o equívoco poderia ser enquadrado como atentado à segurança nacional.

A ideia ruim, supõe a imprensa, foi engendrada para intimidar o Congresso no dia em que a Câmara dos Deputados deve votar a proposta do voto impresso. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) acompanhou a passagem dos carros militares pelo Palácio do Planalto.

Bolsonaro foi acompanhado no desfile pelo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e pelos chefes do Exército, Marinha e Aeronáutica.

O objetivo do desfile é entregar ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro da Defesa, Braga Netto, convites para um exercício da Marinha marcado para 16/8. Trata-se da "operação Formosa", que ocorre desde 1988 na cidade de mesmo nome, em Goiás, a cerca de 90 quilômetros de Brasília. Propagado como o maior treinamento da Marinha no Planalto Central, essa foi a primeira vez em que o convite foi feito com uma marcha de blindados sobre a capital federal.

A pretensa tentativa de intimidação antecedeu em poucas horas a sessão do Plenário da Câmara, marcada para as 15h. O texto foi rejeitado pela comissão especial na última sexta-feira (6), por 22 votos a 11, mas os pareceres das comissões especiais de PECs não são terminativos.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou, no entanto, que a votação poderá ser adiada. Lira disse que é uma "trágica coincidência" a manifestação ocorrer no mesmo dia em que a Câmara pautou a PEC do Voto Impresso e que, em razão disso, iria consultar os líderes partidários sobre a possibilidade de adiar a votação.

Bolsonaro tentou minimizar o mal-estar gerado pelo desfile. Pelas redes sociais, postou uma mensagem dirigida aos presidentes do "STF, Câmara Federal [sic], Senado, TCU, TSE, STJ, TST, Deputados, Senadores...". A nota diz que: "Como ocorre desde 1988, a nossa Marinha realiza exercícios em Formosa/GO. Como a tropa vem do Rio, Brasília é passagem obrigatória. Muito me honraria sua presença amanhã na Presidência (08h30), onde receberei os cumprimentos da Força e lhes desejarei boa sorte na missão. Presidente Jair Bolsonaro. Chefe Supremo das Forças Armadas."

Ao UOL, Fux informou que estaria no Rio de Janeiro e não participaria do ato. O presidente do TSE é Luís Roberto Barroso, a quem o presidente chamou de "filho da p***" na semana passada. 

No Judiciário
O Psol e a Rede entraram com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal pedindo o cancelamento do desfile antes que ele acontecesse. O MS foi julgado por Dias Toffoli, que disse que o ato é uma iniciativa da Marinha e, por isso, o pedido para que não seja realizado deveria ser dirigido ao Superior Tribunal de Justiça.




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Revista Consultor Jurídico, 10 de agosto de 2021, 9h28


THE NEW YORK TIMES Negação climática, da Covid, e a queda da direita, FSP

 Antes que a direita decidisse encampar a negação da Covid, já existia a negação da mudança no clima. Muitas das atitudes que caracterizaram a resposta da direita à pandemia do coronavírus –a recusa a reconhecer os fatos, acusações de que os cientistas são todos parte de uma vasta conspiração liberal, a recusa em enfrentar a crise– foram prenunciadas no debate quanto ao clima.

Mas com base na resposta das autoridades republicanas à Covid-19 –especialmente sua oposição a vacinas capazes de salvar vidas–, fica difícil escapar à conclusão que o viés paranoico e irracional da política americana não é tão ruim quanto imaginávamos, e sim muito, muito pior.

Na segunda-feira (9), o Painel das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas divulgou seu mais recente relatório. As conclusões não surpreenderão qualquer pessoa que venha acompanhando a questão, mas mesmo assim são aterrorizantes.

Alguns grandes danos causados pela mudança no clima já são irreversíveis, o painel concluiu. Eles já estão acontecendo, na verdade, e o mundo está experimentando eventos climáticos extremos como as ondas de calor na região Pacífico Noroeste dos Estados Unidos e as inundações na Europa, cuja ocorrência se tornou ainda mais provável por conta da elevação na temperatura mundial.

Mas podemos, no entanto, prever com segurança agora de que maneira os conservadores influentes reagirão ao relatório, se é que haverá reação. Dirão que não passa de uma farsa, ou que os dados científicos ainda não são claros, ou que qualquer tentativa de mitigar a mudança no clima poderia devastar a economia.

Ou seja, reagirão da mesma maneira que reagiram a alertas passados –ou da mesma maneira que reagiram à Covid-19. Eventos climáticos extremos provavelmente não mudarão qualquer coisa. Afinal, governadores republicanos como Ron DeSantis, na Flórida, e Greg Abbott, no Texas, continuam a se opor a medidas de controle do vírus –não só se recusando a agir, mas também tentando bloquear regras de obrigatoriedade de vacinação adotadas por governos locais e até por empresas privadas– enquanto o número de hospitalizações em seus estados dispara.

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No entanto, embora haja semelhanças importantes entre a resposta da direita à mudança no clima e sua resposta à Covid-19, também existem diferenças importantes. A pandemia levou a uma travessia de novas fronteiras de irresponsabilidade destrutiva.

O fato é que a negação da mudança no clima era uma irresponsabilidade moral, e indefensável intelectualmente, mas ela pelo menos fazia sentido, ao menos para as mentes estreitas.

Para começar, os avisos sobre a mudança no clima sempre envolveram consequências de longo prazo, o que facilitava para os negadores afirmar que flutuações de curto prazo serviam para refutar todo o conceito. “Está vendo? Hoje está frio. A mudança do clima é uma farsa!” Essa espécie de evasão se tornou mais difícil recentemente, agora que estamos vendo a cada dois anos incêndios e inundações de uma escala que só surgia uma vez por século. Mas ajudou a confundir a questão.

E também havia dinheiro grosso por trás da negação da mudança no clima. Os interesses associados aos combustíveis fósseis estavam dispostos a gastar imensas quantias para criar uma névoa de ceticismo na expectativa de que postergar a ação quanto ao clima beneficiasse seus resultados de negócios.

Por fim, e talvez menos importante ainda que não irrelevante, os ideólogos do livre mercado não queriam ouvir falar de problemas que o livre mercado não é capaz de resolver.

Nenhuma dessas explicações funciona, no caso da atual negação da Covid.

As empresas podem ter protestado contra lockdowns que reduziram suas vendas, mas, até onde consigo ver, elas estão ansiosas por promover o máximo de vacinação, o que as ajudaria a voltar ao normal nos negócios, e número crescente de empresas está impondo regras de vacinação obrigatória.

E até mesmo os libertários mais radicais em geral admitem que promover a vacinação, para deter uma praga, é um papel válido para o setor público.

E no entanto, eis o ponto a que chegamos: tentar limitar uma pandemia mortífera, mesmo por meio de vacinas que geram imensos benefícios e pouco risco, se tornou uma questão partidária contenciosa.

Como isso aconteceu? Eu contaria a história da seguinte maneira: o ritmo rápido de vacinação dos Estados Unidos no segundo trimestre foi uma excelente notícia para o país –mas era também uma história de sucesso para o governo de Joe Biden. Por isso, conservadores influentes –para quem atacar os liberais é sempre um objetivo primordial– começaram a bloquear os esforços de vacinação.

Isso teve consequências graves. Como escrevi antes, o Partido Republicano moderno é mais parecido com um culto político autoritário do que com um partido político normal, e por isso a obstrução à vacinação –não um ataque às vacinas em si, mas a oposição a qualquer esforço realizado para aplicá-las nas pessoas - se tornou um teste de lealdade, a posição que um militante deveria assumir para provar sua lealdade aos republicanos e a Trump.

Presumivelmente, os políticos que tomaram essa decisão não faziam ideia de que a realidade contra-atacaria tão rápido e de forma tão pesada –que a Flórida em pouco tempo se veria com um índice de hospitalizações nove vezes maior que o de Nova York, e que algumas cidades do Texas ficariam sem leitos de UTI disponíveis. Mas é quase impossível para eles mudar de rumo. Se Ron DeSantis admitir o quanto seus erros sobre a 19 foram letais, as ambições políticas dele estariam arruinadas.

Por isso, a negação da Covid provou ser ainda pior do que a negação da mudança no clima. Fomos da sujeição cínica aos interesses corporativos a uma irracionalidade agressiva e performativa. E a direita continua sua queda, em um poço aparentemente sem fundo.

Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci


Mudanças climáticas já afetam todas as regiões do planeta, afirma IPCC, Agência Fapesp

 Elton Alisson | Agência FAPESP – As mudanças climáticas já estão afetando todas as regiões da Terra, de diferentes maneiras. A frequência e a intensidade dos eventos climáticos extremos, por exemplo, aumentaram na maioria das áreas terrestres desde 1950 e irão se agravar nas próximas décadas proporcionalmente ao aquecimento global. Se a temperatura do planeta aumentar 4 ºC, por exemplo, o número de eventos climáticos extremos em algumas regiões pode se tornar nove vezes maior.

O alerta foi feito por cientistas ligados ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) em um informe lançado nesta segunda-feira (09/08), em Genebra, na Suíça, reunindo as principais conclusões da contribuição do Grupo de Trabalho 1 (WG1) para o sexto relatório de avaliação (AR6) do órgão. A publicação sintetiza o conhecimento sobre as bases físicas das ciências relacionadas ao clima.

“O relatório reflete esforços extraordinários, em circunstâncias excepcionais”, diz Houesung Lee, presidente do IPCC. “As inovações e os avanços na ciência refletidos nele fornecem uma contribuição inestimável para as negociações climáticas e para a tomada de decisão”, avalia.

Segundo o documento, é inequívoco que a ação humana, por meio da emissão de gases de efeito estufa originados principalmente pela queima de combustíveis fósseis para geração de energia e, no Brasil, por mudanças no uso e cobertura da terra, aqueceu o sistema climático e que estão ocorrendo mudanças generalizadas e rápidas.

Nos últimos 50 anos, a temperatura da superfície global aumentou a uma taxa sem precedentes e é muito provável que a década mais recente tenha sido a mais quente desde o pico do último período interglacial, há 125 mil anos.

A temperatura da superfície global foi 1,1 ºC mais alta entre 2011 e 2020 do que entre 1850 e 1900, com aquecimento mais forte sobre a terra do que os oceanos, uma vez que eles absorvem gigantescas quantidades de calor.

É provável que as emissões de gases de efeito estufa – principalmente gás carbônico (CO2) e metano – tenham contribuído para o aquecimento de 1,1 ºC da temperatura. Em contrapartida, a emissão de aerossóis (partículas em suspensão no ar), gerados pela queima de combustíveis fósseis, pode ter contribuído com um resfriamento de 0,5 ºC, estimam os autores do relatório.

“Isso significa que os aerossóis, que espalham radiação de volta para o espaço, ajudando dessa forma a resfriar o planeta, estão mascarando um terço do aquecimento atual”, diz à Agência FAPESP Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e autor-líder do capítulo 6 do relatório.

“Se os aerossóis forem retirados, por meio da interrupção da queima de carvão para geração de energia pelas usinas termelétricas e da eletrificação do setor de transporte, que já está ocorrendo no mundo todo, esse mascaramento deixará de existir. Só com isso a temperatura do planeta vai aquecer meio grau nas próximas décadas”, explica Artaxo, que é membro da coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).

Redução imediata nas emissões

O relatório sublinha que, se não forem feitas reduções imediatas, em grande escala e sustentadas nas emissões de CO2 e de outros gases de efeito estufa, é muito alta a chance de o nível de aquecimento global alcançar ou exceder 1,5 ºC na década atual.

A limitação das emissões de CO2 e de outros gases de efeito estufa, como o metano e o ozônio, que também são poluentes atmosféricos, contribuiria não só para estabilizar o clima como também geraria benefícios para a saúde por meio da melhoria da qualidade do ar, indicam os autores da publicação.

Embora os benefícios para a qualidade do ar venham a surgir rapidamente, pode levar de 20 a 30 anos para que as temperaturas globais se estabilizem por meio dessa medida, estimam os cientistas.

“É a primeira vez que um relatório do IPCC enfatiza a relação entre a poluição do ar urbana e as mudanças climáticas globais. Isso é extremamente importante porque 80% da população mundial viverá em cidades até 2050, que sofrerão simultaneamente os impactos das mudanças climáticas e da poluição do ar”, avalia Artaxo.

A intensidade e a duração de eventos climáticos extremos, como as ondas de calor, irão aumentar mesmo se o aquecimento global se estabilizar em 1,5 ºC. Nesse cenário, haverá aumento das ondas de calor, estações quentes mais longas e temporadas de frio mais curtas.

Já com o aquecimento global de 2 ºC, os extremos de calor atingiriam mais frequentemente os limiares de tolerância crítica para a agricultura e a saúde, projetam os autores.

“Com a limitação do aquecimento entre 1,5 ºC e 2 ºC, os impactos dos eventos climáticos extremos seriam menores, porque permitiria a adaptação”, diz José Marengo, pesquisador do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres (Cemaden) e editor e revisor do capítulo 3 do relatório.

Cada meio grau adicional de aquecimento global causará aumentos estatisticamente significativos nos extremos de temperatura, na intensidade de fortes chuvas e na gravidade de secas em algumas regiões.

Em escala global, os eventos de chuva forte se intensificarão em cerca de 7% para cada grau adicional de aquecimento, uma vez que uma atmosfera mais quente é capaz de reter mais umidade, estimam os cientistas.

“Eventos climáticos extremos previstos para ocorrer em algumas décadas já estão acontecendo e o relatório mostra que a tendência é de aumento”, diz Marengo.

Avaliações regionais

Pela primeira vez, o relatório do IPCC fornece uma avaliação regional mais detalhada das mudanças climáticas, incluindo um foco em informações úteis que podem subsidiar a avaliação de risco regional, adaptação e a tomada de decisão, além de uma nova estrutura que ajuda a traduzir as mudanças no clima e o que elas significam para a sociedade e os ecossistemas.

Essas informações regionais podem ser exploradas em detalhes em um atlas interativo on-line, bem como nas fichas técnicas e informações do Atlas de Mudanças Climáticas que integra o relatório.

“O atlas compila todos os capítulos e informações do relatório com o objetivo de facilitar o acesso às informações pelos tomadores de decisão”, explica Lincoln Alves, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e autor-líder do capítulo do atlas.

“Essas ferramentas foram criadas em razão da demanda dos tomadores de decisão dos países que gostariam de extrair informações relevantes para implementar ações em nível regional”, afirma Alves.

O pesquisador, juntamente com Artaxo e Thelma Krug, pesquisadora aposentada do Inpe e vice-presidente do IPCC, participarão de um webinário que a FAPESP realizará nesta segunda-feira (09/08), das 14h às 16h, com o objetivo de apresentar os resultados do relatório e analisar as perspectivas que o novo documento traz para as ações necessárias ao enfrentamento das mudanças climáticas globais no Brasil e no planeta.