sábado, 7 de agosto de 2021

O Brasil deve adotar o regime semipresidencialista? SIM Samuel Moreira , outros não FSP

Samuel Moreira

Deputado federal (PSDB-SP) desde 2015, relator da reforma da Previdência na Câmara e membro da comissão que estuda o novo Marco Regulatório do Saneamento

O presidencialismo de coalizão brasileiro, caracterizado pela associação de eleições proporcionais, multipartidarismo e presidente da República com muitos poderes formais, tem gerado uma sucessão de crises institucionais. Diante de sua disfuncionalidade, estou seguro de que o semipresidencialismo aperfeiçoará a governança política nacional.

O semipresidencialismo é caracterizado por um Executivo dual, que combina um presidente eleito pelo sufrágio universal com um gabinete de ministros dependente da confiança parlamentar.

O deputado federal Samuel Moreira (PSDB-SP), autor da PEC do semipresidencialismo - Pablo Valadares - 11.nov.2019/Câmara dos Deputados

Na PEC de minha autoria, o presidente manterá diversas prerrogativas atuais, como as de conduzir a política externa, nomear os ministros da Suprema Corte e vetar projetos de lei. Receberá outras, como as de indicar o primeiro-ministro, a ser aprovado por maioria absoluta do Congresso em sessão unicameral, e propor ao Supremo ação de inconstitucionalidade preventiva de projetos de lei, consoante com as melhores práticas do semipresidencialismo francês e português.

A chefia da administração e de governo caberá ao primeiro-ministro, que presidirá o Conselho de Ministros e conduzirá a execução do programa de governo.

A proposta traz mais transparência e melhora a governança do país, uma vez que os partidos que compõem a coalizão governamental deverão celebrar contrato com os pontos básicos do programa de governo, o que permitirá a negociação política “no atacado” para a sua implementação, além da identificação mais clara por parte dos eleitores dos responsáveis pelas políticas públicas adotadas, contribuindo na responsabilização do Congresso pelas ações governamentais.

É sabido que muitos partidos políticos concentram suas estratégias na eleição dos deputados federais, na certeza de que o grande poder de barganha legislativa não corresponderá maiores responsabilidades pelas ações do governo.

[ x ]

Nos últimos anos, o Congresso vem aumentando exponencialmente o seu poder de indicar em quais políticas públicas serão aplicados os poucos recursos do Orçamento para investimentos. Em 2021, por exemplo, mais da metade dos investimentos federais serão indicados por meio de emendas parlamentares —​R$ 27,2 bilhões dos R$ 55,5 bilhões, reservados para a execução de obras e compra de equipamentos. É premente o dever de aumentar a responsabilidade dos congressistas pelo programa implementado pelo Executivo.

Outra vantagem notória do semipresidencialismo é a flexibilidade com que o governo pode ser retirado. Pela rejeição de um voto de confiança ou pela aprovação de uma moção de censura, o primeiro-ministro e seu conselho poderão ser derrubados e substituídos —de modo bem menos traumático que o atual processo de impeachment.

Aliás, nesse ponto, a PEC que propus optou pelo modelo de moção de censura construtiva, adotado, entre outros países, por Alemanha e Espanha, pelo qual a moção deve ser acompanhada de proposta de formação de novo governo.

Os problemas do nosso sistema político atual, como o multipartidarismo e o sistema proporcional de lista aberta, não são entraves para a adoção do semipresidencialismo. Em verdade, eles são prejudiciais a qualquer sistema de governo —em que pese o Congresso já ter aprovado a cláusula de desempenho progressiva até 2030. Também não é correto comparar o sistema ao parlamentarismo ou a outras tentativas de mudança, pois são contextos históricos e conceitos muito diferentes.

É chegada a hora de superar o presidencialismo de coalizão e de reequilibrar a balança de freios e contrapesos entre Parlamento e governo em nosso país, propondo relações mais transparentes e permitindo a solução de crises políticas sem maiores traumas.

Precisamos debater o semipresidencialismo como forma de melhorar a governança do Brasil. 


Não 


Andréa Freitas

Cientista política, é professora do Departamento de Ciência Política da Unicamp e coordenadora do Núcleo de Estudos das Instituições Políticas e Eleições (Nipe/Cebrap)

Bruno Bolognesi

Cientista político, é professor na UFPR e coordenador do Laboratório de Partidos e Sistemas Partidários (LAPeS)

Lara Mesquita

Cientista política, é pesquisadora no FGV Cepesp (Centro de Estudos de Política e Economia do Setor Público - Fundação Getulio Vargas) e membro da Câmara de Pesquisadores do Cebrap

No Brasil, num ano temos eleições, noutro debatemos reformas políticas. Este 2021 não é diferente. A reforma da vez, entre muitas bizarrices, propõe a mudança do sistema de governo de presidencialismo para semipresidencialismo.

Os casos mais conhecidos de semipresidencialismo são França e Portugal, mas muitos outros países o adotaram como forma de resolver problemas de herança autoritária, como as ex-repúblicas soviéticas e ex-colônias portuguesas, mas em cada país há características próprias.

Do ponto de vista formal, o que esses sistemas têm em comum é o fato de que os eleitores elegem diretamente presidente e Legislativo. O presidente, por sua vez, escolhe o primeiro-ministro, que é responsável perante o Parlamento, que pode removê-lo com uma moção de desconfiança. Aqui começam as variações: em alguns países, o primeiro-ministro e o gabinete são submetidos apenas ao Parlamento; em outros, são dependentes do presidente e do Parlamento. Em ambos os casos podemos dizer que se o partido do presidente tem maioria no Legislativo, o governo funcionará tal qual um presidencialismo puro. Por outro lado, se o partido do presidente não possui maioria no Legislativo, o risco de se instaurar um conflito entre presidente, primeiro-ministro e Legislativo aumenta. A solução nesses casos é parecida com a que o Brasil vem adotando ao longo dos anos: cria-se uma coalizão de governo.

Na França, por exemplo, quando o presidente e a maioria legislativa vierem do mesmo partido político, o sistema funciona sem maiores conflitos. Mas, se as maiorias não coincidem (o governo de coabitação), há uma divisão de poder entre o presidente e o primeiro-ministro, limitando a influência do primeiro sobre o gabinete.

Embora as experiências de coabitação francesa tenham sido estáveis (governos Mitterrand, 1986-1988 e 1993-1995, e ​Chirac,1997-2002), o sucesso das experiências se deveu ao contexto específico e ao perfil dos ocupantes dos cargos nessas ocasiões. E, temendo que a recorrência de governos de coabitação pudesse levar o país a uma crise política séria, em 2000 foi aprovada reforma política para casar a eleição do presidente com a do Parlamento. A eleição legislativa ocorre cinco semanas após a presidencial, de forma que o presidente eleito possa “ajudar” na conquista de cadeiras de sua futura base de apoio no Legislativo. De tal forma que, na prática, a balança da divisão de poderes do semipresidencialismo francês pende em favor do presidente.

Isso informa que a existência de governos divididos é problemática, pois gera instabilidade e crise. Não à toa esta é uma das muitas críticas da literatura ao modelo —e um alerta para sua aplicação no Brasil, onde o Legislativo é o mais fragmentado do mundo: a ocorrência de coabitação seria frequente, pois não temos uma maioria legislativa estável ou coesa. O risco com essa situação é o impasse entre os Poderes e a instabilidade política.

[ x ]

A mudança de uma parte do sistema político, nesse caso o sistema de governo, não pode ignorar olimpicamente as outras partes que o compõem. Deixai toda a esperança: a complexa combinação entre um sistema partidário desagregador com um primeiro-ministro que dele dependeria não sugere estabilidade, tampouco eficiência.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), justifica sua opção por esse sistema pela suposta maior estabilidade que ele propicia. Ou ele não sabe o que é semipresidencialismo ou não sabe quantos partidos há no Brasil.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • SALVAR ARTIGOS

    Recurso exclusivo para assinantes

    ASSINE ou FAÇA LOGIN

  • 2

tópicosrelacionados

LEIA TUDO SOBRE O TEMA E SIGA:

comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.

RICARDO ARANTES MARTINS

Há 8 horas

O semipresidencialiso é um avanço que deve vir junto com medidas de fortalecimento partidário. Um voto deve ser na legenda. Com o tempo (só com o tempo haverá esse amadurecimento democrático) aqueles partidos que não forem fiéis a suas metas e programas não terão votos. teremos projetos a médio e longo prazo - "políticas públicas de Estado", independente da alternância de poder. Descentralizar o poder central cada vez mais e parar de esperar o "salvador da pátria".

Alvaro Costa e Silva José Ramos Tinhorão podia ser dócil, FSP

 Ao saber da morte de José Ramos Tinhorão —aos 93, na terça (3)—, eu estava lendo um capítulo de sua “História Social da Música Popular Brasileira”. Como sempre em relação ao autor, impressionado com a quantidade de informações, a perspicácia da análise e o texto saboroso, moldado nos tempos em que ele trabalhou no copidesque do Jornal do Brasil.

Panorama que vai do século 16 até a atualidade, o livro saiu primeiro em Portugal, em 1990, e só depois no Brasil, quando sua obra começou a ser relançada pela editora 34. A polêmica saudável está presente em cada página, ao retratar o poeta barroco Gregório de Mattos como glosador de cantigas ou Domingos Caldas Barbosa, um mulato nascido no Rio em 1740 e que estudou na Universidade de Coimbra, como precursor da música popular.

O crítico e pesquisador musical José Ramos Tinhorão, morto no dia 3 de agosto - Karime Xavier/Folhapress

Tinhorão identifica o encontro dos letristas de canções com os músicos de rua, marcando o surgimento no país de um novo sistema de criação: a parceria. Segundo o ensaísta, poetas como Araújo Porto-Alegre, Gonçalves de Magalhães e Laurindo Rabelo pavimentaram o caminho para que Vinicius de Moraes chegasse nos “modernos sambas de consumo, e sempre ao lado de parceiros mais jovens de uma nova era”. Para um crítico considerado o inimigo número 1 da bossa nova, são palavras até dóceis.

Em março, ao fazer uma reportagem sobre o relançamento de “Asfalto Selvagem”, de Nelson Rodrigues, tentei entrevistar Tinhorão no seu telefone fixo —e provavelmente preto, como os descritos por Nelson. No folhetim, ele aparece como um sátiro, que mantinha uma caderneta em que anotava o nome de suas conquistas. Eu esperava ouvir uma resposta mal-humorada ou engraçadíssima, mas o AVC já o tornara um homem silente.

Demorou, mas os donos do PIB estão abandonando a aventura com Bolsonaro. Falta o Congresso.